l - NOTA DA EDITORA
O presente livro é a reunião de crônicas escritas por J. Herculano Pires e publicadas,
em sua maioria, no extinto jornal "Diário de São Paulo". Como os leitores poderão ver, a
atualidade destas páginas é indiscutível. Herculano Pires foi um dos mais felizes intérpretes
do pensamento espírita dentre os que reencarnaram e já retornaram ávida espiritual. Por
isso, seus escritos constituem páginas de grande importância para os estudiosos do
Espiritismo. Ao reuni-las em livro e apresentá-las ao público, Edições Correio Fraterno
presta homenagem a José Herculano Pires, no décimo ano de seu desencarne.
S. Bernardo do Campo. Março de 1989.
2 - BÍBLIA E EVANGELHO
A Bíblia (que o nome quer dizer simplesmente: O Livro) é na verdade uma
biblioteca, reunindo os livros diversos da religião hebraica. Representa a codificação da
primeira revelação do ciclo do Cristianismo. Livros escritos por vários autores estão nela
colecionados, em número de 42. Foram todos escritos em hebraico e aramaico e traduzidos
mais tarde para o latim, por São Jerônimo, na conhecida Vulgata Latina, no século quinto
da nossa era. As igrejas católicas e protestantes reuniram a esse livro os Evangelhos de
Jesus, dando a estes o nome geral de Novo Testamento.
O Evangelho, como se costuma designar o Novo Testamento, não pertence de fato à
Bíblia. É outro livro, escrito muito mais tarde, com a reunião dos vários escritos sobre Jesus
e seus ensinos. O Evangelho é a codificação da segunda revelação cristã. Traz uma nova
mensagem, substituindo o deus-guerreiro da Bíblia pelo deus-amor do Sermão da
Montanha. No Espiritismo não devemos confundir esses dois livros, mas devemos
reconhecer a linha histórica e profética, a linhagem espiritual que os liga. São, portanto,
dois livros distintos.
O Espiritismo
A antiga religião hebraica é geralmente conhecida como Mosaísmo, porque surgiu e
se desenvolveu com Moisés. A nova religião dos Evangelhos é designada como
Cristianismo, porque vem do ensino do Cristo. Mas, assim como nas páginas da Bíblia lado
o advento do Cristo, também nas páginas do está anunciado o advento do Espírito de
Verdade. Este advento se deu no século passado, com a terceira e última revelação cristã,
chamada revelação espírita. Cinco novos livros aparecem, então, escritos por Kardec, mas
ditados, inspirados e Orientados pelo Espírito de Verdade e outros Espíritos Superiores. Os
cinco livros fundamentais do Espiritismo, que têm como base O Livro dos Espíritos,
representam a codificação da terceira revelação. Essa revelação se chama Espiritismo
porque foi dada pelos Espíritos. Sua finalidade é esclarecer os ensinos anteriores, de acordo
com a mentalidade moderna, já suficientemente arejada e evoluída para entender as
alegorias e símbolos contidos na Bíblia e no Evangelho. Mas enganam-se os que pensam
que a Codificação do Espiritismo contraria ou reforma o Evangelho
3 - SENTIDO HISTÓRICO DA BÍBLIA E A SUA NATUREZA PROFÉTICA
Qual a posição do Espiritismo diante do problema bíblico? Os recentes debates na
televisão entre espíritas, pastores protestantes e sacerdotes católicos, deram motivo a
algumas incompreensões, de que se aproveitaram adversários pouco escrupulosos da
Doutrina Espírita, para lhe desfecharem novos e injustos ataques. Vamos procurar
esclarecer, por estas colunas, a posição espírita, como já havíamos prometido.
Kardec define essa posição, desde O Livro dos Espíritos, como a de estudo e
esclarecimento do texto, à luz da História e na perspectiva da evolução espiritual da
Humanidade. No cap. III deste livro, final do item 59, depois de analisar as contradições
entre a Bíblia e as Ciências, no tocante à criação do mundo, ele declara: "Devemos concluir
que a Bíblia é um erro? Não; mas que os homens se enganaram na sua interpretação".
Essas palavras de Kardec, sustentadas através de toda a Codificação, esclarecem a
posição espírita. Devemos reconhecer na Bíblia a sua natureza profética (ou seja:
mediúnica), encerrando a l Revelação, no ciclo histórico das revelações cristãs. Esse ciclo
começa com Moisés (l Revelação), define-se com Jesus (II Revelação) e encerra-se com o
Espiritismo (III Revelação). Os leitores encontrarão explicações detalhadas a respeito em O
Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, que é um manual de moral evangélica.
O conceito espírita de Revelação, porém, não é o mesmo das religiões em geral. Revelar é
ensinar, e isso tanto pode ser feito pelos Espíritos (revelação divina) quanto pelos homens
(revelação humana), mas não por Deus "em pessoa", porque Deus age através de suas leis e
dos Espíritos. A revelação bíblica, portanto, não pode ser chamada de "palavra de Deus".
Ela é, apenas, a palavra dos Espíritos-Reveladores, e essa palavra é sempre adequada ao
tempo em que foi proferida. Isto é confirmado pela própria Bíblia, como veremos no
decorrer deste estudo.
A expressão "a palavra de Deus" é de origem judaica. Foi naturalmente herdada
pelo Cristianismo, que a empregou para o mesmo fim dos judeus: dar autoridade à Igreja. A
Bíblia, considerada "a palavra de Deus", reveste-se de um poder mágico: a sua simples
leitura, ou simplesmente a audiência dessa leitura, pode espantar o Demônio de uma pessoa
e convertê-la a Deus. Claro que o Espiritismo não aceita nem prega essa velha crendice,
mas não a condena. A cada um, segundo suas convicções, desde que haja boa intenção.
J. Herculano Pires
Paz e Luz!
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