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sexta-feira

Morri! e Agora? 18

Capítulo Dezoito
Deus lhe pague e Obrigado

- Obrigada, dona Mariquinha!

Deus lhe pague!

Saíram duas mães com seus filhos de minha casa e meu marido sorriu dizendo:

Mariquinha, você sabe quantos agradecimentos já recebeu em sua vida?

Não sei, não benzo crianças por isso respondi.

Uma amiga que estava em casa, opinou:

Se esses agradecimentos enchessem barriga, você estaria redonda de tão gorda.

Gratidão fortalece a alma respondi sorrindo.

Já faz quarenta anos que Mariquinha benze crianças de quebranto, susto e tantas outras coisas. Somente deixou de participar da assistência social da paróquia porque adoeceu. Ela ia todas as tardes fazer a sopa para ser distribuída aos pobres, e hoje ainda faz crochê para o bazar da igreja disse meu esposo O senhor tem orgulho dela, não é?  perguntou minha amiga.

Tenho! Já sabia que Mariquinha benzia a garotada quando começamos a namorar.

Quando a conheci, encantei-me com seus lindos olhos azuis. Agora entendo que não foi somente pela cor deles, mas sim pela bondade e meiguice que eles transmitem.

Minha mulher é um anjo!

Dona Mariquinha, que sorte a senhora tem, tantos anos de casada e o marido ainda está apaixonado!  expressou-se minha amiga.

Como consegue fazer tantas coisas?

Tenho tentado  expliquei  fazer tudo do melhor modo possível. É só repartirmos bem nosso horário, organizarmo-nos para fazer tudo o que queremos. Minha avó me ensinou a benzer crianças e vou fazer até quando Deus quiser!

A amiga foi embora e fiquei pensando na minha vida, tive realmente de me organizar para dar conta de tudo o que tinha para fazer. Tive cinco filhos e mais dois adotivos, que já estavam casados, e conosco morava uma neta, rebento da minha filha mais velha que estava na sua segunda união. Essa neta era do seu primeiro casamento e era nossa alegria.

Ultimamente eu não estava bem de saúde, tomava muitos remédios e tinha dores pelo corpo.

Lembrei-me de uma vizinha que tinha falecido havia três anos e que devia, com certeza, estar no céu, pois ela mesma se achava merecedora. Ela ia freqüentemente à igreja e dizia ser muito religiosa. Essa senhora costumava me criticar.

“O que faz Mariquinha não é certo! Não se deve benzer crianças. As mães deveriam levá-las à igreja para o padre abençoá-las. Ou: “Não foi à missa porque ficou tomando conta de dona Adelaide! 

É

Pecado! Primeiro Deus, depois os outros!.

Ela me criticava tanto que encuquei e fui falar com o padre, e dele escutei:

“Tudo isso, essas bênçãos não servem para nada.

Se houver melhora é porque iam melhorar mesmo. Benzimentos são crendices, superstições, nada valem”.

Chorei muito e foi meu marido que me consolou.

“Mariquinha, Jesus benzia as pessoas. Ele estendia as mãos sobre os enfermos e orava. O Mestre Nazareno disse que todos poderiam fazer isso, que bastava crer e querer fazer o bem. O padre estudou muito e esqueceu das coisas simples. Não dê atenção a essa vizinha. Ela é orgulhosa como pavão.Continue a fazer o bem.”


E continuei.

Palmas no portão me fizeram parar de pensar. Outras crianças para benzer.

Fui dormir no horário costumeiro e acordei num local diferente. Uma moça, enfermeira, toda sorridente aproximou-se de mim.

Bom dia, dona Mariquinha! Quer um suquinho? Está delicioso.

Bom dia!  respondi.

Ela colocou uma bandeja na minha frente, ajudou-me a acomodar-me deu o suco. A moça falava sem parar: que o dia estava lindo, as flores perfumadas etc. Depois de ter pela terceira vez indagado se necessitava de alguma coisa, ao que eu respondi que não queria mais nada, ela se afastou. 


Fiquei sozinha pensando o que poderia ter me acontecido. Um senhor com aparência de médico entrou no quarto, cumprimentou-me e indagou gentilmente:

Está precisando de alguma coisa, dona Mariquinha?

O senhor é médico?  perguntei em vez de responder.

Ele sorriu e afirmou com a cabeça.

Estou estranhando!  exclamei.  Por que estou aqui? Fiquei doente de novo? Esse ano é a terceira vez que me internam. Que hospital é esse? Estou sendo bem atendida e até agora não tomei injeções. Tive alguma crise? 

E...

É melhor fazer uma pergunta de cada vez  respondeu ele rindo.  A senhora está se recuperando e não necessita de injeções.

Dona Mariquinha, o que a senhora acha que acontece com as pessoas que falecem?

São julgadas por Deus  respondi.

Isso se dá em algum lugar? Onde? Será que Deus está somente nesse local ou em toda parte e dentro de nós? Se Ele está dentro de nós e em todos os lugares não necessitamos ir para um lugar particular para sermos julgados. Julgar? Acredita mesmo que Deus premia ou castiga? O Pai Celeste é amor!

E se por acaso existir esse julgamento, o que será dos julgados depois? Sofrimento sem piedade para os que agem erroneamente, ou descanso para os bons?

O médico saiu e fiquei pensando no que ele dissera. Por que ele me falara tudo aquilo? Pareceu-me ser uma pessoa séria, tinha o olhar vivo e inteligente.

Realmente, era incoerente achar que Deus estaria num local em que só os mortos O vissem. Esse julgamento também me pareceu improvável, como também o descanso eterno que deveria ser uma chatice.

O médico entrou no quarto novamente e chamei-o com um aceno de mão. Ele se aproximou e sentou-se numa cadeira ao lado do meu leito.

Eu tinha artrite, meus dedos das mãos estavam tortos e agora não estão mais. Não sinto falta de ar nem tonteira.

Aqui é muito sossegado para ser um hospital comum, e estou num quarto sozinha, luxo que não poderia pagar. E o senhor me disse umas coisas estranhas. Por isso eu lhe peço, diga-me a verdade.

Em vez de falar, ele me olhou, seu olhar era tranqüilo e bondoso. Recordei-me:

De madrugada acordei com muita falta de ar e dores.

Meu esposo acendeu a luz, levantou minha cabeça e parei de respirar.

A visão desapareceu e me vi no quarto do hospital. Aquele bondoso médico segurou minha mão. Pensei de novo e assustei-me com a minha visão. Vi meus familiares correndo, o médico conhecido dizer que morri, depois o velório com muita gente, flores e o enterro.

Vi-me novamente no quarto, olhei para esse senhor, apertei sua mão, fiquei triste e chorei baixinho. Tive medo.

Por que teme?  indagou ele.

Morri! E agora?


Continuará a fazer o bem aqui, na espiritualidade.

Explicou-me que desencarnara, estava abrigada numa colônia e que a vida continuava. Conforme ele me esclarecia meu medo foi passando

Recuperei-me logo e adaptei-me facilmente ao plano espiritual. Saí do hospital e fui recebida com alegria por companheiros numa linda casinha, onde passei a residir.

Fui aprender a viver sem o envoltório físico.

Em pouco tempo estava apta a servir. Alegrei-me, fui fazer minha primeira tarefa: ajudar, numa enfermaria do hospital, os desencarnados ali abrigados que ainda sentiam os reflexos do corpo físico. Admirada, ali encontrei, necessitando de auxílio, a vizinha que me criticava.

Mariquinha!  exclamou ela assustada.  Você aqui! trabalhando? Tem condições de ajudar? Quando você
morreu?


Desencarnei há pouco tempo  respondi.  Como estava bem, foi me dada a oportunidade de servir. E você,
por que está aqui?

Mariquinha, tenho pensado muito em você. Vivemos lá na Terra de modo diferente.

Eu não perdia uma missa, orava, cultuava um Deus humano, com atos externos e fáceis.

Agora compreendo que Deus é supremo, e quer que O amemos, que oremos, mas que façamos o bem ao próximo. Ainda bem que você não me deu atenção e continuou fazendo o bem. Você, Mariquinha, amou muito mais a Deus do que eu! Desencarnei pensando que seria recebida no céu, julgada com pompa
e decepcionei-me muito. Para mim, bastava ser religiosa e orgulhei-me disso. Dei mais valor aos atos externos.

Chorou muito, e eu a consolei:

Logo você estará bem, confie!

Continuei fazendo meu trabalho, no final a orientadora me cumprimentou, motivando-me:

Mariquinha, você será uma tarefeira excelente! Mas, o que a preocupa?

Contei-lhe do encontro com minha ex-vizinha, e ela me explicou:

Verá muitos casos aqui na espiritualidade assim, como de sua ex-vizinha. Pessoas que praticam atos externos, apenas para manter aparências, e julgam-se merecedoras de um céu de ociosidade. Não são errados os atos externos, desde que eles sejam realizados com sentimento. A oração nos liga às energias benéficas, mas são nossas boas ações que nos levam à fonte dessas energias. Você, Mariquinha, fez muito
bem. Sabe quantos “Deus lhe pague e obrigados” com sinceridade você recebeu no período em que esteve encarnada?

A orientadora sorriu e, depois de alguns segundos, concluiu:

Pois foram muitos! É fazendo o bem que nos preparamos para nos tornarmos bons.

Muitas pessoas fazem o bem com algum objetivo, mas, com o treino, passam a fazer porque querem, amam e fazem-no então espontaneamente. A gratidão que recebemos  é uma bênção Que recebemos. aprende a amar; quem recebe gratidão ama, e esse possui  um bem de incalculável valor Ao voltar para nossa casinha  agora meu lar  fiquei pensando. Estava feliz encarnada, mas a desencarnação para mim foi fácil e continuei feliz. Tive a certeza de que o bem que fiz a outros, para mim o fiz. E os “Obrigados e Deus lhe pague” são tesouros que me acompanham.

Pude ver meus familiares em visitas periódicas; continuam a viver com problemas e alegrias. Sou sempre lembrada com carinho, pois deixei aos meus entes queridos um bom exemplo de vida e isso foi a melhor coisa que fiz a eles que tanto amo.

Depois de dois anos de tarefas diversas e estudos, fuí trabalhar no educandário local onde são abrigados os que desencarnaram em tenra idade.

Cuido com muito carinho das crianças que sempre amei.

Minha desencarnação foi prazerosa!

Maria do Rosário


Explicações de Antonio Carlos

Como seria bom se todos tivessem uma mudança de plano como essa nossa  convidada.

A morte não nos causaria mais medo. Que bom saber que existe desencarnação assim.

É tão fácil ser merecedor dessa dádiva. É só fazer o bem, ser bom, amar de forma simples, verdadeira e sincera a nós mesmos e ao próximo.


Mariquinha benzia crianças, usava fórmülas, repetia três vezes determinadas frases e orava. Semelhantes aos passes que os espíritas aplicam, nesses atos trocam-se fluidos negativos por outros positivos. Quando queremos fazer o bem, basta a vontade, mas se ainda não sabemos fazê-lo sem fórmulas, não tem por que não usá-las.

Um dito antigo: ‘A caravana passa e os cães ladram”. Mariquinha caminhou com a caravana. A vizinha que a criticava nos pareceu como o cão que latiu e não caminhou.

Quem presta muita atenção no que os outros fazem, normalmente não tem tempo para fazer algo de útil nem caminhar. Também essa nossa convidada não parou para receber flores de elogios. Sejamos como os que caminham na caravana, não parando para nenhuma crítica.

13  Se o leitor quiser saber mais sobre educandários leia o livro: Flores de Maria, do Espírito Rosângela. São Paulo: Petit Editora (N.A.E.).



Paz a todos...

quinta-feira

Morri! e Agora? 17

Capítulo Dezessete
A Eutanásia

A dor era insuportável! Não consigo descrevê-la. Era tanta que tive certeza de que sofrimento não mata. Minha doença era incurável, tinha câncer nos ossos, e isso me fazia padecer, havia me transformado. Antes era bonita e, agora, com muitos quilos a menos, estava magríssima, sem cabelos e com expressão de sofrimento. Causava pena. Ninguém reconhecia, naquele leito de hospital, a Emília de antes.

- Você quer morrer, Emília? - perguntou meu marido.

Pensei antes de responder. Sempre gostei de viver; era disposta, alegre, animava as festas, os bingos de caridades, fazia reuniões que eram famosas e nas quais recebia amigos. Meus dois filhos eram adultos e me admiravam, tinham orgulho da mãe bonita que aparentava ser mais jovem. Amava meu marido e era amada. Queria viver, sim, mas como antigamente, antes da doença.

Doente, minha maneira de viver mudou, ia somente a médicos e hospitais. Estava cansada e respondi com dificuldade a pergunta do meu esposo:

- Sim!

Ele me beijou, meu irmão me acariciou. Dormi. Que sono estranho, queria acordar e não conseguia. Não sentia mais as dores fortes, mas os mal-estares e os enjoos permaneceram. O que mais incomodava era não conseguir acordar daquele sono ruim.

Com muito esforço abri os olhos. Estava numa enfermaria, onde não tinha aparelhos nem soro. Respirei profundamente e isso me deu um pouco de alívio; dormi de novo.

O sono me causava horror, não queria dormir daquele modo.

E assim foi por um tempo, acordava e dormia até que consegui ficar mais desperta. Demorei a conseguir falar. Continuava na enfermaria, porém não recebia mais as visitas dos meus familiares. Era bem tratada,  sentia poucas dores, tinha enjoos e vomitava uma gosma escura. E ainda tinha aquele sono estranho.

Fui melhorando e quis saber o que ocorrera comigo.

Por que minha família não me visitara? Como e por que melhorava? Por que estava numa enfermaria?

E as respostas que ouvia me deixavam nervosa; vomitava mais.

Colocaram-me num veículo e descemos num determinado local. A enfermeira que me amparava explicou-me:

- Aqui é um local de orações, um centro espírita. Já ouvira falar de curas realizadas por pessoas, médiuns achei que me levaram ali para me curar. Alegrei-me e prestei atenção. Gostei das orações, do carinho dos que estavam ali. Mas, depois fiquei inquieta. Aproximavam os doentes dessas pessoas pertencentes ao centro espírita, eles falavam, elas repetiam e outras pessoas as orientavam.

Quis mais do que nunca acordar daquele terrível pesadelo, mas sentia estar acordada.

Chegou minha vez.Com carinho uma mulher me fez ver a diferença que existia entre meu corpo e o corpo de quem repetia o que eu dizia. Explicaram-me o que é a morte do físico para todos nós, e que eu havia mudado de plano.

Chorei desesperada. Fui consolada.

Voltei para a enfermaria, fiquei apática e não quis levantar do leito. Queria ter a vida de antes, estar bem,
junto de minha família e amigos.

Novamente fui levada ao centro espírita. Gostei de conversar com eles, que me animaram; senti-me melhor. 

Não aceitei a mudança de plano, mas não tinha como reverter a situação e acabei me conformando.

Quando melhorei, soube que meu irmão e meu marido pediram para o médico aplicar-me uma injeção que acabasse com meu sofrimento. Praticaram a eutanásia.

Quando ele me perguntou se queria morrer, respondi que sim. Mas nem desconfiei que eles fossem fazer isso. Quando estamos sentindo uma dor forte, insuportável, queremos nos livrar dela. E se achamos que a morte nos livrará do sofrimento, a resposta é "sim", para cessar a dor e não propriamente morrer.

Não queria morrer, nunca desejei. Ainda bem que a morte não é o fim, o extermínio. Não sabia, quando  encarnada, o que era a morte, nunca me preocupei em saber. Queria viver, não queria a doença nem o sofrimento.

O medicamento que me deram me fez dormir, dificultando o desligamento do meu espírito do corpo físico morto.

Como ainda tinham alguns dias na matéria, onde deveria passar pelo sofrimento, o desencarne não me deu o alívio que me daria se eles não tivessem realizado a eutanásia.

Fiquei um tempo no hospital de um posto de socorro da espiritualidade, fui me recuperando aos poucos. Fiquei meses dormindo, e não quis acreditar que havia feito a mudança de plano, assim, fui trazida numa sessão de orientação a desencarnados. Depois, como fiquei apática, novamente me levaram a um centro espírita, nas abençoadas sessões de auxílio, aí comecei a me sentir melhor.

-Volte, Emília, a ser alegre! A vida aqui é maravilhosa!

Não quis discordar, não era ruim viver ali, mas gostava de festas, de viver encarnada. Esforçava-me para me acostumar.

Saber de meus familiares foi ao mesmo tempo bom e ruim. Eles estavam bem, meus filhos haviam se casado, amavam as esposas e os filhos, e lembravam-se pouco de mim.


Meu marido casou-se de novo e era feliz.

- Você, Emília, tem tudo para estar bem, esqueça a maneira que viveu quando encarnada e aprenda a amar a vida na espiritualidade - aconselhavam-me os novos amigos.

Não foi fácil para mim a desencarnação, embora não tenha ficado vagando nem fui para o umbral. "O agora", a vida depois que meus órgãos cessaram suas funções, foi de difícil aceitação. Primeiro, sofri com aquele sono horrível, os enjoos e malestares. O reflexo do meu corpo doente era forte em mim, preferia mil vezes ter ficado no corpo físico mesmo com dores alucinantes até que findasse o tempo que eu mesma havia planejado antes de reencarnar.

Segundo, demorei a acostumar com a vida simples e ordeira do plano espiritual.

Gostava mesmo era a vida encarnada. Minha adaptação foi lenta. Os orientadores me aconselhavam:

- Emília, por que você não estuda? Tente!

As aulas para mim eram chatas, nunca gostei de estudar; quando garota ia à escola obrigada.

- Leia esses livros!

Mais de um! Acho que nunca lera um inteiro.

- Então vá ao teatro!

Fui, mas as pessoas iam para ver a peça e eu gostava de ir para me exibir.

Passei a fazer tarefas e reclamava:

- Coma e não ache ruim! Se não quer, fique sem comer!

A orientadora pacientemente me orientava:

- Emília, não fale assim. Alguém aqui já se referiu a você desse modo? Aprenda a ser educada.

Era educada, só que perdia a paciência. E mudei de tarefa. Passei por umas dez.

- Não gosto de livros, por que tenho de organizá-los?

- Emília, por que você reclama tanto? O que quer fazer?

- Trabalhar com moda - expressei-me.

- Aqui não temos esse trabalho.

Fui com uma equipe socorrer alguns desencarnados no umbral. Detestei. Achei o local sujo, o cheiro de lá ficou em mim, vi somente tristeza.

- Muitos estão aqui porque, não gostando de nada, vêm conhecer outra forma de viver; aqui é um local desconfortável, e isso faz com que eles deem valor ao que possuem - explicou-me um socorrista.

Arregalei os olhos e parei, ou pelo menos me contive, de reclamar. Ficamos dez dias num posto de ajuda, andando pelo umbral.

Não fiz nada, somente fiquei observando.

Senti nojo da sujeira e dos que ali estavam. Mas assimilei a lição. De volta à colônia onde estava abrigada, fui varrer os pátios e voltei a estudar. Se sentia vontade de reclamar, lembrava-me do umbral.

Faz cinco anos que desencarnei, faço outras tarefas, estudei e achei algo que gosto de fazer: cuidar de crianças. Estudo, preparando-me para trabalhar no educandário com a garotada. Passo horas com outros orientadores e com as crianças, ensinamo-las a dançar, cantar e brincamos com elas nos pátios. Amo a meninada!

Sei que meus familiares não tiveram a intenção de me matar, mas sim de me livrar do sofrimento, mas não é certo, eles não agiram dentro das normas cristãs.

Eu fui socorrida porque não fui má, não agi errado com ninguém e pratiquei muitas caridades, algumas para aparecer. outras que ninguém ficou sabendo. Mereci ajuda também porque sofri muito com a doença.

Leitor, dê valor à vida! É muito bom viver tanto aí no plano físico quanto aqui na espiritualidade, depois que acostumamos.

Emília

Esplicações de Antonio Carlos

Devemos amar a vida como única em seus estágios, encarnados e desencarnados.

Aceitar o que nos é oferecido no momento, sermos gratos, tentarmos sempre ser útil e fazer o bem.

Reclamar é um vício que nos leva ao pessimismo, fazendo-nos ver somente os atos negativos e esquecer dos positivos.

Emília foi socorrida, mas continuou a sofrer. Esse sono inquieto é muito doloroso. Continuou abrigada porque não quis sair, em momento algum quis voltar para seu antigo lar.

Foi vaidosa, fútil, mas caridosa e realmente não fez nenhuma maldade. E a doença a fez sofrer muito. 

Demorou a se adaptar, necessitou vir por duas vezes à reunião de desobsessão em um centro espírita; e como essas reuniões de caridade auxiliam! Emília iria, com certeza, sem esses esclarecimentos sofrer muito mais, ficar mais tempo confusa. Nesses trabalhos de orientação, não somente são esclarecidos os desencarnados que vagam e que estão no umbral, mas também os que estão nos hospitais do plano espiritual. Eles são convencidos de que mudaram de plano quando comparam seu corpo e conversam com os encarnados. Emília precisou conhecer o umbral para parar de reclamar.

Nos postos de socorro e nas colônias há muitos abrigados que não gostam do modo de viver que essas casas oferecem, ou de realizar tarefas, e reclamam. Necessitando se educar, às vezes são levados para conhecer outros locais, como o umbral.

Entre os trabalhadores novatos, às vezes há discussões, discórdias e reclamações, por isso eles sempre se fazem acompanhar por um trabalhador experiente que interfere e os orienta.

Eutanásia. Emília, como nos narrou, antes de reencarnar, havia planejado a doença e o tempo que ficaria enferma. Ela poderia ter amenizado o sofrimento se quando encarnada tivesse se dedicado mais ao trabalho no bem. Ao abreviar seu tempo, continuou sofrendo, desencarnada.

Nada na espiritualidade é regra geral. Aqui temos a história dela. Mas não é certo a prática da eutanásia. 

Emília me indagou:

Meu irmão e esposo erraram ao decidir pela eutanásia?

Sim, erraram, não agiram corretamente. Não tiveram a intenção de matar. E a intenção pesa muito nos erros que são cometidos.

Você continuou sofrendo, não aliviaram seu padecimento Se Emília tivesse a intenção realmente de se suicidar, iria, com certeza, sofrer mais. Ao responder sim, foi como ela disse, queria parar de sofrer.

Existe a eutanásia praticada de muitas formas. Muitos pacientes nem sabem nem opinam. Normalmente esses são desligados com certa dificuldade, fato que não ocorreria se fosse pelo desencarne natural, O socorro está no merecimento deles.

Emília me perguntou de novo:

Se não se aplicar nenhuma medicação que leve à desencarnação, se não se der o socorro ou algum remédio que anime o paciente, isso seria considerado eutanásia?

Deve ser feito de tudo para o indivíduo ficar no corpo físico. Na minha opinião, suprimir a medicação que permite ao paciente continuar encarnado não é eutanásia, já que o termo significa: morte sem sofrimento, abreviar sem dor a vida de um doente reconhecidamente incurável.

É muito forte o termo matar. Se dermos algo a alguém que leve à morte do físico, isso é matar.

Existe a eutanásia realizada de forma consciente. Os doentes pedem para morrer após pensarem e se acharem certos de que é isso que querem. Suicídio? Quando se quer morrer, deixar o corpo físico, matá-lo ou pedir para outros fazerem, isso é suicídio. Mas nesses casos há atenuantes. São levados em consideração pelo plano espiritual os motivos. Se o indivíduo é religioso não pensará nisso, se crê na continuação da vida abominará essa ideia, e se entende a lei justa e misericordiosa da reencarnação compreenderá a razão do
seu sofrimento e não vai querer abreviá-la, deserdando-se do estágio físico.

Eutanásia não alivia o sofrimento de ninguém. Se o desencarnado não opinou, ele não é responsável, se o fez, sua intenção é realmente analisada. Aqueles que cometeram ou cometem a eutanásia, responderão por esses atos.

A vida é bênção!

E o sofrimento, quando estamos encarnados, é, às vezes, mais fácil de suportar do que quando estamos desencarnados. 

Não à eutanásia!

Paz a todos...

terça-feira

Morri ! e Agora? 16

 Capítulo dezesseis
Somos espíritos
Tinha muito medo, pavor mesmo de espíritos. Se me falassem que em tal lugar havia espíritos não passava nem perto. Somente depois de ter voltado à pátria verdadeira, a espiritualidade, foi que compreendi que somos espíritos e que eles coexistem no corpo físico.

Minha vida encarnada foi complicada. Éramos cinco irmãos, meu pai era pessoa severa, que nos educou dentro dos bons costumes, porém ele não tinha muita paciência comigo. Meus familiares achavam que eu era estranha, diferente dos outros.

Normalmente sabia o que iria acontecer com todos nós, quem da família morreria ou se acidentaria etc., isto é, previa o futuro. Via vultos, ouvia risadas e tinha horríveis pesadelos que se repetiam. Sonhava que estava num caminho estreito que contornava uma cachoeira alta e as águas batiam nas pedras. Pegava três crianças e as jogava lá de cima, e ria. Depois escutava um homem dizendo:

"Recorda seu crime! Você pagará por ele!"

Corria desesperada e caía. Acordava quase sempre gritando, suando e tremendo.

Não gostava de estudar e frequentei a escola somente por quatro anos. Meus irmãos arrumaram empregos e eu fiquei ajudando minha mãe nos serviços de casa. Mesmo sendo estranha, medrosa e saindo pouco de casa, arrumei um namorado, que era nosso vizinho. Meus pais gostaram dele, pois era um moço simples, trabalhador e bondoso.

Num domingo, meu pai, um dos meus irmãos e esse moço foram pescar. Aconteceu  um acidente: eles estavam num barco e afastaram-se muito da praia, quando foram surpreendidos por uma forte tempestade. O barco virou e somente meu irmão se salvou.

A tragédia me abalou muito e nunca mais fui a mesma. Sentia-me perseguida, ouvia sempre as risadas, os pesadelos se intensificaram e comecei a ver meu ex-namorado afogado me pedindo para tirá-lo do mar.

Sofri muito. Não ficava sozinha, passei a dormir com minha mãe. Estava sempre chorando, minha família me levou a médicos e tomei medicações fortes. Depois de um tempo parei de ver meu ex-namorado.

Minha mãe me levou a muitos lugares para receber bênçãos, mas não melhorava.

Fomos a um centro espírita e lá disseram para mamãe que eu necessitava voltar mais vezes. Mas com medo até do nome do local que tinha espírita, não quis ir mais Passei a ver nos pesadelos o dono da voz que me acusava, era um homem que deveria ter sido bonito, mas quando me olhava com seu olhar frio, transmitindo ódio, era aterrorizante. Acordava e sentia-o ao meu lado.

Anos se passaram. Minha mãe ficou doente e se preocupava muito comigo. Meus irmãos casaram e ela sabia que quando morresse não iriam me querer na casa deles. Às vezes, até meus sobrinhos tinham medo de mim.

Escutava uma voz, sabia ser daquele homem que via nos pesadelos, ele me dizia:

- Suicida! Não seja covarde! Se você matou as crianças, tenha coragem e se mate!

- Não! - respondia e às vezes até gritava. - Não vou me matar! Não vou assassinar mais ninguém!

Todos achavam que eu falava sozinha, mas estava respondendo à voz que escutava, do obsessor.

- Mamãe - eu pedia -, vigie-me, não quero me matar!

Um dia saí de casa para dar uma volta e tive vontade de me jogar na frente de um caminhão. Cheguei a ficar parada no meio da rua escutando a voz: "Mate-se covarde!

Morra!".

Pessoas que passavam pela rua ao me ver ali parada, gritavam comigo: - Sai da rua, Maria do Carmo! Vai para casa!

Uma vizinha me pegou pelo braço e me levou para meu lar. Chorei muito e resolvi não sair mais de casa sozinha.

Esse espírito me falava muito para que me matasse.

Mas resisti, somente iria morrer quando Deus quisesse, quando findasse meu tempo de encarnada.

Tomava remédios fortes que me davam um pouco de alívio, mas tinham muitas contra-indicações, davam-me dores no estômago e na cabeça.

Como é ruim estar o tempo todo com alguém que nos odeia.

Mamãe passou a frequentar um centro espírita, melhorou de sua doença e eu também. Embora com muito medo eu ia, às vezes, com ela e comecei a me sentir melhor.

As pessoas que frequentavam esse centro espírita eram bondosas e me tratavam muito bem. Para não dizer que ia num lugar onde tinha o nome espírita, referia-me a ele: A Casa do Caminho, era como chamava. Eles me deram de presente O Evangelho Segundo o Espiritismo" e passei a lê-lo, gostava muito do capítulo: Amai os inimigos e as orações pelos obsessores'2.

Foi-me recomendado que perdoasse aquele desencarnado quê me perseguia e lhe pedisse perdão. Comecei a falar com ele quando o sentia por perto

- Meu irmão, não sei o que lhe fiz. Deve ter sido uma grande maldade para você me odiar assim. Peço-lhe que me perdoe! Se fui má, não o sou mais. Hoje não faço nem sou capaz de fazer mal a ninguém. Rogo por Deus que me perdoe! É perdoando que somos perdoados!

Quando mamãe desencarnou eu estava com quarenta e dois anos e meus irmãos me colocaram num asilo. Não achei ruim, pois lá não ficava sozinha, dormíamos em quartos coletivos. Eles me deixavam ir duas vezes por mês na A Casa do Caminho.

Um dia, aquele homem, o obsessor, num sonho, despediu-se de mim, dizendo:

- Vou embora, Maria do Carmo! Adeus! Aproveite os anos que lhe restam na carne e seja boa!

Não tive mais pesadelos. Sentindo-me melhor, passei a ajudar meus companheiros. Minha família me esqueceu, raramente recebia a visita deles.

Desencarnei com cinqüenta e oito anos. Fiquei doente por meses, câncer nos pulmões, sofri muito, mas tive uma mudança de plano tranquila.

Mamãe me esperava, foi um reencontro alegre, adaptei-me facilmente a minha nova maneira de viver.

Naturalmente, recordei-me de alguns fatos da minha reencarnação anterior. Tive por amante um homem, aquele que foi meu obsessor, que era casado e tinha sete filhos.

Ele não me quis mais e me vinguei dele. Consegui enganar seus dois filhos pequenos que brincavam com um priminho deles.

Levei os três para um lugar perigoso, numa cachoeira que ficava perto de onde morávamos. Joguei-os nas pedras. Os três desencarnaram. Ninguém ficou sabendo do que fiz, porém meu ex-amante desconfiou.

- Foi você quem os matou! - acusou-me.

Como neguei, ele fez um juramento.

- Se foi você, eu saberei um dia e aí você me pagará, saberei cobrar até o último centavo!

Separamo-nos e não o vi mais. Anos depois, sofri um acidente e fiquei paralítica. Passei a morar sozinha numa casinha simples e pobre, necessitava de esmolas para me alimentar.

Numa tempestade, um raio caiu em minha casa, e essa acabou pegando fogo. Não podendo sair, morri queimada.

Sofri muito quando desencarnei, foi um horror defrontar com a realidade, ir para a espiritualidade com tantos erros cometidos e sendo homicida. Padeci no umbral por anos. Fui socorrida quando me arrependi com sinceridade, e fiz uma promessa a mim mesma de não errar mais. Reencarnei e recebi o nome de Maria do Carmo e esse que fora meu amante, o pai de duas das crianças que assassinei, ao desencarnar soube de toda a verdade, procurou-me, encontrou-me encarnada e vingou-se obsediando-me.

Vivi no envoltório físico atormentada. Quando começamos, mamãe e eu, a frequentar o centro espírita, os trabalhadores desencarnados de lá foram orientando-o e aos poucos ele foi compreendendo que o ódio não é bom, que deveria perdoar e cuidar da vida dele, pois ele também errara, traíra a esposa, havia me iludido e depois me perseguido.

Fiquei livre do seu ódio, mas não da reação de meus erros. Vivi sozinha, sendo incompreendida, sofri muito com medo e por minha doença, o câncer.

Desencarnei sem perceber, tive uma crise forte e essa foi suavizando, adormeci tranquila e acordei sentindo-me bem. Como tinha escutado o pessoal da A Casa do Caminho falar muito sobre desencarnação, desconfiei que estava na espiritualidade e quando vi minha mãe, tive certeza, e foi uma alegria.

- Mamãe - disse ao vê-la -, o que será de mim agora?

- Será feliz, porque merece!

Confiei na minha mãezinha e hoje sou feliz, como também muito grata por termos a oportunidade da reencarnação. Desencarnar tendo como bagagem os erros cometidos é muito triste, deixa-nos inseguros e com medo. Mas quando voltamos ao plano espiritual sem erros e com algumas boas ações, esse retorno é agradável.

Às vezes, perseguições como obsessões, impulsionam as pessoas a melhorar seu caráter. Esse meu ex-amante me perseguiu, mas não me impediu de progredir.

Quando me senti adaptada tivemos um encontro. Ele se preparava para reencarnar. Pedi-lhe perdão, perdoamo-nos e abraçamo-nos como amigos.

Fui, quando encarnada, obsediada! E isso foi possível porque somos donos de nossos atos. Sentindo-me culpada deixei que outro me cobrasse. Tudo o que fazemos prejudicando o nosso próximo nos faz correr o risco deste não nos perdoar e nos perseguir.

Estou estudando muito para poder fazer parte de uma equipe que ajuda tanto os obsediados quanto os obsessores.

Quero, com carinho, auxiliá-los, motivando-os a se perdoarem.

Hoje, acho engraçado o medo que eu tinha dos espíritos. Somos todos nós espíritos, esteja esse revestido ou não do corpo físico.

Maria do Carmo

Explicações de Antonio Carlos

Maria do Carmo tem razão, são obsediados os que permitem. Sentindo-se culpados e devedores aceitam a interferência de outros que lhes cobram, que querem que sofram o que fizeram sofrer.

Ambos, obsediado e obsessor, necessitam de tratamento onde o perdão tem de ser sincero. A reconciliação é necessária.

Nossa convidada recordou-se de duas de suas desencarnações e pôde compará-las:

na anterior, em que fez a mudança de plano levando consigo muitos erros, fora homicida, sentira um medo terrível, e sofrera muito. Nessa última, confiou plenamente em sua mãe que lhe disse que seria feliz. Mereceu o socorro e fez sua passagem tranquila.

Maria do Carmo sofreu por medo, por se sentir diferente e por solidão. Embora tenha aceitado essa perseguição, lutou contra as sugestões desse desencarnado que a odiava e que dizia: mate-se. Esse obsessor sabia que suicidas padecem muito, e como queria vê-la sofrendo mais, queria que ela se matasse. Mas se ela tivesse se suicidado não teria sido como ele queria, pois seria levado em consideração essa subjugação. Na última encarnação, nossa convidada não fez mal a ninguém e quando teve oportunidade, ajudou os companheiros do asilo. Não reclamou de seu sofrimento, suportou as dores da doença, o câncer, sem se queixar, e não teve receio da desencarnação.

Nem todas as obsessões são como a que aconteceu com Maria do Carmo, em que  houve a reconciliação e nenhuma tragédia. Muitos obsediados trocam ódio com os obsessores e não se perdoam. Infelizmente temos visto muitos obsediados se perturbarem tanto que até adoecem. E muitos outros fazem o que os inimigos desencarnados querem, mais atos errados, aumentando sua colheita de sofrimento. Ou até se suicidam perdendo a oportunidade do aprendizado no plano físico. O perdão é o remédio. O amor é o preventivo. 

Quem ama não faz o mal. E a obsessão é o resultado de maldades, erros e ausência de amor.
11 • KARDEC, Alian. O Evangelho Segundo o Espiritismo. São Paulo: Petit Editora (N.E.). 
12 • Maria do Carmo se refere ao livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 12 "Amai os Vossos Inimigos", item 5 "Os inimigos desencarnados". E também ao capítulo 28 "Coletânea de Preces Espíritas", item 5 "Pelos doentes e obsediados". Se o leitor quiser saber mais sobre o assunto, consulte: O Livro dos Espíritos de Allan Kardec. São Paulo: Petit Editora. Capítulo 9 "Intervenção dos espíritos no mundo corporal" (Nota do Autor Espiritual).

Paz a todos...

sábado

Morri ! e Agora ? 15

Capítulo Quinze
A guerra 
Eu Darcyllei, Darcy, como me chamavam e chamam, desencarnei numa guerra. Lembro-me de todos os acontecimentos e faço o relato como se falasse a você, amigo leitor.


Vivia encarnado muito bem. Se às vezes reclamava era por aborrecimentos simples ou corriqueiros.

Compreendo agora que era feliz. Família estruturada, pais bondosos, irmãos que me queriam bem, e eu a eles, esposa amada e uma filhinha linda e saudável.

Militar por vocação, almejava fazer carreira e me aposentar com patente de general. Para isso, era dedicado e estudioso.

Surgiu a guerra, num país longínquo. Não tínhamos nada que ver com essa disputa sangrenta.


Fui convocado junto com outros companheiros para participar do conflito. Fomos enviados para patrulhar o local como emissários de paz.

A despedida foi muito emocionante; sofremos. Abraçamos nossos familiares demoradamente. Recebi recomendações e fiz algumas.

Mamãe, minha esposa e minha filhinha abraçaram-me chorando.

- Deus o abençoe, meu filho!

- Tchau, papaizinho!

- Não esqueça de nós, amor!

E, lá fui eu. Terra distante, costumes diferentes, língua incompreensível, tivemos de nos esforçar para fazer nosso trabalho a contento. Fomos bem recebidos pela maioria da população, percebemos que eles sofriam demais. Muitos deles ansiavam pela paz. Soubemos de vários abusos, barbaridades e atrocidades. A guerra dá oportunidades para que muitas pessoas cometam atos que não seriam cometidos em outras épocas.

Percebíamos o sentimento de ódio nos olhares, nos gestos e nas falas.


Ficamos acampados perto de uma cidade. Por ali, eram poucas as famílias que não tiveram um de seus membros padecidos com aquela guerra. Por todos os lados havia sinais de violência; vimos sangue na terra batida de uma estradinha, que por ela íamos em direção a uma fonte de água.

Reuníamo-nos todas as tardes para orar pelos mortos, por aqueles que sofriam e por nós. Estávamos temerosos.

- Não estamos protegidos aqui - disse meu superior. - Eles se odeiam muito e desejam vingança. Não irão parar de guerrear. Devemos estar alertas.


Fomos atacados numa emboscada, à noite. Fui ferido, senti um ardume no peito como se tivesse sendo queimado Foram momentos de agonia, correria, gritos e tiros. Eu sangrava muito. Um médico aproximou-se de mim.

- Salve-me, por favor! Não quero morrer! - roguei.

Ele não entendeu o que falei, mas sentiu meu apelo, olhou-me com bondade.

Examinou-me rapidamente, colocou uma atadura no meu ferimento e disse algo que não entendi.

Compreendi que ele me acalentava, tentava me dar ânimo. Mas percebi seu pensamento, meu estado era grave.

Senti dores, fui sumindo, ou apagando, estava perdendo os sentidos, esforcei-me ao máximo para ficar acordado. Recordei-me.

Foi como ver um filme dentro de minha mente. Vi-me pequeno recebendo os beijos estalados de minha mãe. 

Papai sorrindo, abraçando-me. Meus avós me agradando e fazendo afago. Vi-me andando com mamãe, nós dois, passeando com nosso cãozinho. Minha mãe sorridente cumprimentando a todos: bom dia! E ela me dizendo:


"Filho, devemos desejar com sentimentos bom dia às pessoas! A felicidade está nas pequenas coisas, nos atos simples."

E os cumprimentados respondiam alegres e sorrindo.

Minhas formaturas. Lembrei-me da pré-escola, estava vestido de beca. Vi, num relance, os fatos importantes de minha vida: meu casamento, o nascimento de minha filha...

Ao me recordar dela, tive vontade de lutar pela vida. Com muito esforço abri os olhos.

Os tiros haviam parado, chegou o reforço. Outros médicos e enfermeiros entraram no nosso acampamento, colocaram-me numa maca e entramos numa ambulância. Mais confiante relaxei e apaguei de vez. Dormi


Acordei e senti algo estranho, sem entender como, vi-me sendo levado para o hospital, onde desencarnei. Em lances rápidos vi meu corpo ser levado para meu país e enterrado como herói. Senti por momentos a dor de meus pais, o choro de minha esposa e a lamentação de amigos.

- Não devo pensar nisso - disse baixo. - Não devo dar atenção a sonhos.

Abri bem os olhos e sentei no leito. Olhei curioso para o local em que estava e continuei a falar:

- Estou num hospital!

Estava numa enfermaria com muitos leitos, todos ocupados. Vi, no leito ao meu lado, um companheiro e amigo, estudamos juntos, e fomos convocados na mesma época.

- Você também está ferido? - indaguei-o.

Ele me olhou de forma estranha, parecia embriagado, pensei que talvez estivesse anestesiado.

- Não sei - respondeu ele. - Parece que levei um tiro, senti-o na cabeça e desmaiei. Acordei e não tenho nenhum ferimento.

- Vocês não estão desconfiando de nada? - disse um outro soldado do leito ao lado. - Fomos feridos e não temos ferimentos.


Acho que morremos! Deve ser isso, nosso corpo teve suas funções cessadas e, como espíritos não morrem, estamos nos sentindo vivos, porém estamos mortos.

Olhei para o meu peito, abri a camisa. Nada. Não havia ferimento. Alegrei-me.

Sonhara. Não tivemos ataque e não fora ferido.

Mas por que estava naquela enfermaria?


Senti um medo terrível e indaguei ao moço que falou:
- Por que disse isso? Acha mesmo que morremos?

- Não é agradável essa ideia. Mas estou raciocinando. Estávamos no meio de uma guerra horrorosa. Todas as guerras são horríveis!

Fomos atacados. Fui atingido aqui na testa, senti o sangue escorrer. Agora estou aqui nesta enfermaria
desconhecida. Li alguns livros espíritas, algo a esse respeito. Minha avó segue essa Doutrina e, segundo ela, morrer é assim mesmo. Algo bem natural.

- Não! Não quero morrer! Só tenho vinte e seis anos, estou noivo! Não quero morrer! Por Deus, não quero! 

- Meu amigo gritou desesperado.

Tremi de medo em pensar que fosse verdade, e também de ver meu amigo gritando.


Duas pessoas vestidas de branco vieram correndo para perto de nós. Tentaram acalmá-lo.

Não sei como, fizeram-no dormir, não vi aplicarem nada nem injeção. Fiquei encolhido no leito. Perguntei para a moça que viera com um senhor ajudar meu amigo:

- Estamos mortos? E agora?

- Acalme-se e confie! Em qualquer lugar que estejamos, Deus está conosco!

Tive vontade de chorar; ela se aproximou de mim, pegou na minha mão e continuou a falar:

- Darcy, você está entre amigos, não se desespere, ore e tente ficar tranqüilo.

Vivos estamos sempre, ocorreu com vocês uma mudança e...

- Malditos! Mato-os! Ignorantes! - gritou um rapaz que estava perto de nós e que saiu chutando tudo o que via pela frente.

O outro que estava ao meu lado me disse:

- Darcy, não faça como ele, se sair daqui irá vagar entre os mortos da guerra que se odeiam.

Não odiava, tinha pena de todos, principalmente dos que padeciam e de mim. Fui morto num conflito que nem era meu. A moça sorriu e me disse:

- Ainda bem, Darcy, que não odeia e sente que o conflito não é seu. Deite-se direito, relaxe e durma.

Ela, pelo visto, tinha muito que fazer. Escutei gritos de dor e revolta, e a moça afastou-se apressada. Olhei para o moço ao lado - o que havia falado comigo -, ele sorriu e disse:

- Chamo-me Téo, não se apavore!


- O que irá nos acontecer? - indaguei aflito.

- Temos de dar graças a Deus por estarmos aqui. Pelo que sei, estamos socorridos. Os desencarnados bons devem ter nos trazido para cá e nosso corpo físico deve ter sido enterrado. Venha cá! Venha espiar lá fora pela janela.

Levantou-se e aproximou-se de mim, puxando-me pela mão. Levantei, estava tonto, mas fui com ele até a janela que estava fechada por um vidro.

- Olhe, Darcy! Lá fora há guerra! Veja! Ali estão os que morreram sentindo ódio, eles continuam lutando. Vê aqueles ali? Sentem tanta revolta que se agridem.

Creio que nunca vou esquecer o que vi: muitos mortos como nós, sangrando, feridos; alguns pareciam atirar; outros se agrediam com facas, pedras, murros e tapas.


Xingavam-se e blasfemavam com muito rancor.

Chorei. A moça aproximou-se novamente. Nós dois a olhamos. Pedi explicações com o olhar. Ela falou compassadamente:

- Sentimentos fortes nos acompanham após o corpo físico ter falecido. Aqueles que vemos ali, são todos desencarnados, isto é, vivos em espírito. Não somente guerreiam, mas se odeiam. O ódio os perturba e continuam querendo o mal do próximo, dos que julgam inimigos.

- Até quando ficarão assim? - perguntou Téo.

- Até se sentirem cansados de sofrer e resolverem perdoar e pedir perdão - respondeu ela.

- O que vai ser de nós? - perguntei.


- Serão transferidos para o país de vocês. Lá irão para as cidades espirituais, as quais chamamos de colônias, e que se localizam no plano espiritual, perto da cidade em que residiam quando encarnados. Nesse local irão receber orientações e aprenderão a viver com o corpo que agora revestem: o perispírito. Verão que a vida continua!

Senti muita pena de mim, chorei e lamentei-me:

- Nada será igual! Deixei os que amava!

- Tem razão - disse a moça -, nada será igual! A vida na espiritualidade é diferente, embora muitos a achem parecida.
Darcy, quando amamos, o amor nos acompanha, e esse sentimento nos fortalece. Você vai se acostumar! Também deixei o corpo jovem, família, um noivo e muitos amigos.

Pensei, ao voltar para a espiritualidade, que os havia perdido. Mas não, eles continuaram me amando e eu a eles. Senti muito por ter feito essa mudança, mas como sempre, resolvi reagir. Aceitei a desencarnação quando passei a preocupar-me e ajudar os que sofrem.

Fomos transferidos. Embora achando tudo muito bonito, estava triste. Não queria ter feito a mudança de plano. Mas tive uma agradável surpresa: meus dois avós me esperavam e deles recebi afago, incentivo, carinho e orientação. Não foi fácil, a saudade doía e queria estar encarnado.

Desejava estar em casa, vendo minha filhinha crescer, ajudar minha esposa e beijar meus pais. Atos simples que gostava tanto de fazer e que agora eram tão valiosos para mim.

Meu tempo foi preenchido. Para aprender a viver no plano espiritual fui estudar. Passei a realizar tarefas, a participar de um coral, a praticar esportes e a ler livros.

Um dia, percebi que estava adaptado. Recebi visitas de meus familiares encarnados e pude vê-los em ocasiões rápidas.

Sou útil e me esforço para ser cada vez mais. Nos dois planos, físico e espiritual, faltam servidores. Sabendo disso, desejo ser um servo e fazer com carinho um trabalho de auxílio. Aquela socorrista, que me ajudou no posto de socorro daquele país em guerra, tinha razão: somente estaremos bem quando a preocupação com o próximo for maior do que conosco.

Darcyllei.

Explicações de Antonio Carlos

Não é agradável ver uma batalha onde as pessoas se ferem ou se matam. É mais triste ainda ver esses 
acontecimentos do plano espiritual. Muitos que desencarnam numa guerra podem ser socorridos de imediato, outros não. Vimos, no relato desse convidado, que ele e alguns companheiros puderam receber o socorro. 


Os que odiavam, desligaram-se do corpo físico morto; porém sentiram os ferimentos e a dor lhes dava mais revolta, por isso continuaram guerreando.

Devemos orar sempre para que os homens se entendam e que não se faça mais guerras.

Darcy sentiu a mudança de plano, e é natural que muitos a sintam. Deixar tudo o que se ama não é fácil. Mas, diante da desencarnação, temos de nos esforçar para acostumarmos a viver na espiritualidade e amar também outras coisas e pessoas.

Jesus nos recomendou que nos cingíssemos com cinto para a viagem. Naquele tempo as viagens eram feitas quase sempre a pé e era necessário um bom preparo.

O Mestre Jesus compara a desencarnação com uma viagem que teremos de fazer, e como não sabemos quando iremos viajar, devemos estar preparados. Reencarnar, viver provisoriamente no plano físico encarnado e desencarnar são acontecimentos naturais; sábios são os que conseguem compreender isso. E esse convidado terminou seu relato com uma grande verdade que se resume em: É dando que se recebe.











Paz a todos...