18 - DEUS MORRE QUANDO OS HOMENS SE APEGAM À LETRA QUE
MATA
Revistas inglesas, norte-americanas, alemãs e francesas vêm há meses anunciando a
morte de Deus. Uma revista brasileira aproveitou o assunto e os dados das revistas
estrangeiras. Não há nenhuma novidade no assunto, que outras publicações do mundo
inteiro vão repetindo. Nem se trata de campanha contra a idéia de Deus, como pretendem
alguns religiosos de vistas curtas. Simples questão de interesse jornalístico. Mas a verdade
é que tudo começou com os teólogos, os doutores da ciência de Deus, que já não sabem
mais o que fazer com essa ciência.
A existência de ateus e a propagação do ateísmo não são novidades. Os ateus já
dominam politicamente mais da metade do mundo. Ideologicamente representam a maioria
das pessoas cultas. Para todos eles, Deus já morreu há muito tempo. As igrejas são
importantes para devolver-lhes a fé. Esse o motivo do desespero dos teólogos, que chegam*
à conclusão de que Deus está morrendo e é necessário salvá-lo. Mas é preciso não
confundir Deus com a concepção antropomórfica de Deus. O que está morrendo, e ninguém
jamais conseguirá reabilitá-la, é essa concepção, oferecida ingenuamente pelos pregadores
bíblicos a um mundo que não vive mais a fase agrária da civilização judaica antiga.
Os fanáticos da Bíblia não podem evitar a morte de Deus. Quanto mais falarem e
escreverem sobre Deus, mais o afastarão do espírito arejado dos homens modernos. Porque
a idéia de um Deus semelhante ao homem só podia servir para criaturas ingênuas, numa
fase primária da evolução humana. Enquanto os teólogos, os pregadores, os religiosos em
geral, não se convencerem de que as Escrituras Sagradas não são tabus e devem ser
estudadas no seu espírito, sem apego à letra, nada poderão fazer contra o ateísmo.
A concepção bíblica de Deus é alegórica, como já afirmamos numerosas vezes. O
Livro dos Espíritos ensina isso desde as suas primeiras páginas. A própria Bíblia proíbe que
façamos imagens de Deus, pois essas imagens são perecíveis. Quando elas morrem, Deus
pode morrer na alma desolada dos crentes. Se quisermos evitar a morte de Deus na
consciência humana, evitemos o literalismo bíblico e a idolatria. Uma imagem mental de
Deus é também um ídolo perecível, e quem a cultua não é menos idólatra que os adoradores
de imagens materiais. A concepção espírita de Deus está acima dessas controvérsias
teológicas. O Deus espírita não é um ídolo, mas aquela realidade que, como dizia
Descartes, está na consciência do homem como a marca do artista na sua obra.
19 - JESUS PROCLAMOU EM NAZARÉ O ANO AGRADÁVEL AO SENHOR
Jesus declarou, na sua prédica primeira na Sinagoga de Nazaré, ao ler Isaías e
interpretá-lo: "O espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os
pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos,
para por em liberdade os oprimidos e proclamar o ano aceitável do Senhor". É o que consta
dos versículos 18a 19 do Cap. IV do Evangelho de Lucas, tradução de Almeida, revista e
atualizada no Brasil. Outras traduções mencionam, em lugar de "ano aceitável" o "ano
agradável ao Senhor".
Esse ano era uma tradição judaica a que o Levítico se refere de maneira minuciosa
(XXV: l-34). Havia o ano Sétimo, o Sábado do Senhor, por analogia com a semana que era
o ano do descanso da terra cultivada. E havia o Ano do Jubileu, ou Qüinquagésimo, que era
o da Justiça, caracterizado na proclamação de Jesus. De cinqüenta em cinqüenta anos se
procedia a uma verdadeira reforma da estrutura agrária do Estado para o reequilíbrio das
condições sociais, com libertação dos escravos. Jesus serviu-se dessa tradição para anunciar
a sua missão como a proclamação do Ano Agradável ao Senhor, ou seja, de uma nova fase
da vida na Terra.
Um famoso pastor, o rev. Stanley Jones, chamado o Cavaleiro do Reino de Deus,
estudou essa tradição em suas ligações com o Cristianismo dos primeiros tempos,
demonstrando que os cristãos primitivos queriam realmente estabelecer na Terra o Ano
Agradável ao Senhor. A idéia do Novo Ano como oportunidade de renovação, de volta do
homem para Deus e de sujeição das leis humanas às leis de Deus vem das próprias
Escrituras. Em O Livro dos Espíritos, de Kardec, obra básica do Espiritismo, essa idéia se
traduz num esforço profundo de renovação pessoal e social, afirmando os Espíritos que a
função da doutrina é renovar o mundo para aproximá-lo das leis de Deus cujo centro de
gravitação é a "Lei de Justiça, Amor e Caridade", estudada num capítulo especial.
Aproveitemos a oportunidade do Novo Ano para ler esse capítulo do Livro III de O
Livro dos Espíritos e meditar sobre as palavras de Jesus na proclamação de Nazaré. O
Cristianismo é o foco central de um processo histórico que vem do Judaísmo e se
desenvolve no Espiritismo, segundo a promessa de Jesus no Evangelho de João. A
finalidade do Espiritismo é estabelecer na Terra o Ano Agradável ao Senhor, com a
substituição do egoísmo e da ambição do homem velho pelo amor e a fraternidade do
homem novo. Que o Novo Ano nos ajude nessa renovação cristã.
20 - A GÉNESE EXPLICADA À LUZ DOS PRINCÍPIOS ESPÍRITAS
O Espiritismo rejeita a concepção bíblica da gênese ou procura explicá-la? Como
temos dito, repetindo afirmações de Kardec e Denis, o Espiritismo é a grande síntese do
conhecimento. Originada pelo desenvolvimento histórico do Cristianismo, essa síntese
obedece à orientação do Cristo: não vem destruir ou negar, mas confirmar e explicar. No
caso da criação do mundo e do homem, segundo a Bíblia, ele confirma a realidade na
alegoria e dá a explicação desta. Impossível tomar-se hoje a Bíblia ao pé da letra. É
necessário penetrar o sentido dos seus símbolos, dos seus mitos, das suas alegorias.
No capítulo quatro de A Gênese, Kardec estuda o problema à luz das conquistas
científicas do seu tempo. Mostra que o poema bíblico da Criação é uma explicação
figurada, à semelhança da gênese de todas as religiões antigas, e conclui: "De todas as
antigas gêneses, a que mais se aproxima dos dados científicos modernos, apesar dos seus
erros, hoje evidentemente demonstrados, é incontestavelmente a de Moisés". Alguns dos
seus erros, acrescenta, são mais aparentes do que reais, decorrendo de falsas interpretações
de palavras nas traduções, de modificações semânticas ao longo dos milênios e de se tomar
ao pé da letra as suas expressões e formas alegóricas. O Livro dos Espíritos, no capítulo
primeiro de sua terceira parte, traz um estudo intitulado "Considerações e concordâncias
bíblicas referentes à Criação", que esclarece bem este assunto. No capítulo décimo segundo
de A Gênese, reproduzindo o texto bíblico, Kardec o estuda em relação aos dados
científicos, oferecendo um quadro comparativo da alegoria dos seis dias da criação com os
espíritos da formação geológica determinados pela Ciência. Acentua, porém, que a
concordância não é rigorosa e não pode ser tomada como tal, mas basta para provar a
intuição da realidade na alegoria bíblica.
Kardec conclui o capítulo afirmando: "Não rejeitemos, pois, a gênese bíblica, mas
estudemo-la, como estudamos a história da origem dos povos". Hoje, os próprios teólogos
católicos e protestantes estão endossando as explicações espíritas. Há uma revolução
teológica em marcha, que vem apenas confirmar a legitimidade da interpretação espírita das
Escrituras. Só os crentes fanáticos da Bíblia, os literalistas amarrados ao texto, ainda
investem contra o Espiritismo de Bíblia em punho.
J.Herculano Pires
Paz e Luz!