domingo

O Voo da Gaivota XI


Túnel Negro

Na noite seguinte,fomos, Elisa e eu, encontrar com meu pai.Minha amiga foi logo lhe passando os dados do Túnel Negro, com informações que obteve no Posto de Socorro do Umbral, das imediações do local onde Walter estava.

- Obtive os dados com o orientador do Posto de Socorro Caminheiros de Jesus - explicou Elisa.

Colônias ou Postos de Auxílio têm quase sempre a previsáo exata de quantos desencarnados vagam pelo Umbral, e de quantos moradores existem em suas cidades.

Isso, no seu espaço espiritual, para facilitar socorros e orientar socorristas.

Assim, tínhamos nas mãos um mapa do local,com as medidas de todos os compartimentos do Túnel Negro. Seu chefe era mesmo o Natan. Estavam anotados quantos colaboradores eIe tinha, quantos escravos e abrigados, como também todos os detalhes importantes da fortaleza, por dentro. Meu pai leu todos os dados e entregou a folha a Elisa. E nos convidou:

- Vamos!

Volitamos até o Umbral e, lá, fomos andando. Observamos tudo. Perto do Túnel Negro, paramos e examinamos bem o local. Ficamos ali poucos minutos e voltamos.

- Amanhã voltaremos - disse meu pai -, só que um pouco mais tarde, e de lá tiraremos os que quiserem sair. Agora, vou ao Posto, junto ao Centro Espírita, para organizar tudo.

Estávamos caminhando, Elisa e eu mais próximas, e meu pai a uns dois metros de distância, quando ouvimos:

- Café com leite! Uma branca, outra negra! Leite com café!

O desencarnado que falou, riu alto, gostando do que dizia.

Elisa o observou e dirigiu-se a meu pai.

- Sr. José Carlos, por que tanto preconceito? Ontem mesmo, por aqui, nos chamaram de
branquela e negrinha.

- Muitos ainda dão valor ao exterior de tudo, até das pessoas. Preconceito racial tem sido a causa de muitas desavenças terrenas, pois longe estão de entender o que a pessoa é realmente, vendo somente o exterior, criticam tentando ofender. Esse indivíduo tanto quis ofender a uma como a outra.

Tivemos e teremos com certeza muitas existências, vidas físicas, pertencendo a várias raças. A cor da pele muda conforme nossa necessidade de aprendizado, ou por reencarnarmos em determinado local da nossa Terra. Podemos ter sido vermelhos, amarelos,negros e brancos.

Aqui no Umbral também há preconceitos e muitos. Existirão preconceitos até que entendam ser temporário a pessoa vestir um corpo branco ou amarelo. Nosso espírito é e será o mesmo. Devemos tirar lições dos diferentes modos de ser externamente, para nosso aprendizado e progresso.

Meu pai fez pequena pausa e concluiu:

- Muitos têm medo de olhar para dentro de si mesmos, porque só irão encontrar inferioridade e o grande vazio do nada. E, sem a comunhão com a vida, quase sempre o preconceito racial vem à tona.

Assim, não gostam de olhar os mais evoluídos que eles, pois, ao vê-los, confirmam sua própria pobreza. Eis a razão da maledicência. Ao denegrir a imagem do próximo, sentem-se melhores que os alvos de suas críticas.

Ainda não conseguem ver, reconhecer todos como irmãos.

- Eu, se quisesse - disse Elisa -,poderia, agora que possuo um corpo perispiritual, ser diferente.

Modificá-lo e ser branca ou com feições orientais,mas a cor não me faz diferença.

Amo todas as raças e permaneço como fui em minha última encarnação.

- Para os que compreendem,o exterior não faz diferença - disse rindo meu pai.- Uma de minhas encarnações que recordo com carinho foi na Índia, em que fui bem escuro, quase negro.

Eu também já recordei muitas de minhas existências. Também já vesti um corpo físico negro e isso não me fez diferença, pois tive nessa encarnação alegrias. tristezas e problemas comuns de encarnada, como em todas as outras oportunidades. Senti-me bem em ser negra!

Meu pai tem razão,tudo é temporário, tudo passa e nós ficamos com o proveito de cada encarnação.

Despedimo-nos.Cada um voltou aos seus afazeres. Eu voltei à Colônia Vida Nova, Elisa, ao hospital da Colônia Perseverança e meu pai, ao Posto do Centro Espírita. No outro dia, nos encontramos e nos juntamos a um grupo de vinte desencarnados, trabalhadores da equipe do Centro Espírita, da equipe de meu pai.

Conhecia quase todos. Cumprimentamo-nos alegres e rumamos para o Túnel Negro.

Sabíamos que Natan estava sempre ausente à noite, quando se dirigia com freqüência para perto dos viciados encarnados, dizendo que pesquisava o efeito das drogas nos corpos físicos. Saía sempre com seus colaboradores diretos.

Logo chegamos. Íamos entrar meu pai, Elisa e eu, além de cinco da equipe, os demais nos esperariam por perto. O Túnel Negro por fora parecia mais com um castelo, desses europeus antigos, cor cinza e com algumas janelas pequenas. Natan não confinava seus moradores, que ali entravam e saíam quando quisessem, havendo prisões só para os que o desobedeciam.

Mesmo os que ali estavam, e que eram usados para experiências,entravam conscientes do que ia acontecer, e muitos viciados procuravam o Túnel Negro em busca de drogas para uso próprio.

É claro que, para conseguir o que desejavam, tinham que se submeter às regras da casa.

A entrada do hospital, assim eles gostavam de chamar o lugar, era vigiada. Natan não admitia falhas, e seus ajudantes o temiam. Os drogados desencarnados e também os encarnados desprendidos pelo sono físico, entravam ali facilmente. Muitos encarnados transitam pelo Umbral: uns, trabalhadores do Bem, para ajudar, outros à procura de seus objetos de prazer.

Os encarnados viciados são bem-vindos em muitos lugares parecidos com o Túnel Negro, isso porque lá recebem incentivos para continuarem no vício e também orientação para viciar outros. São instruídos para continuar no erro e fazer o que eles querem.

Pensam, esses encarnados, que estão com amigos e acabam como fantoches nas mãos deles. Os drogados vêm sempre ao Túnel Negro em busca das sensações que o tóxico lhes proporciona, e Natan, por aquela área do Umbral, tinha fama de alimentá-los no objetivo de seus desejos.

Ficamos rentes à parede externa, perto da porta da frente. Os guardas estavam, no momento, do outro lado, quando meu pai, representando um viciado, entrou na saleta como se procurasse drogas.

Veio atendê-lo uma enfermeira, ou atendente, uma desencarnada que anotava tudo o que se passava por ali.Acostumada a receber encarnados, atendeu-o normalmente sem desconfiar de nada.

- Quero falar com Dr. Natan - disse meu pai.

- Ele não está no momento - respondeu a mulher.

- Chame-o para mim - insistiu papai.

- Não posso importuná-lo e não sei onde ele está. Você vai ter de aguardar.

- Vá chamá-lo, moça - falou meu pai -, trouxe um material que há tempos ele procura.

A mulher virou-se e entrou por uma porta indo à outra sala. Rapidamente papai nos deu sinal para entrar.

Passamos da sala para um corredor e por muitas outras salas ou cômodos. Ali não havia enfeites como costumamos ver nas cidades umbralinas. Existiam muitos corredores e, para iluminar a casa por dentro, colocaram archotes nas paredes.

Viam-se também alguns quadros com desenhos alucinantes, que tiravam a monotonia do cinza de suas paredes. Havia ali poucas cadeiras, parecia só ter o essencial. A casa possuía área de lazer e acomodações garticulares aos seus moradores, eram cômodos parecidos uns com os outros.

As prisões eram celas pequenas e individuais.Logo após, entramos numa grande sala e nos separamos em grupos; meu pai entrou no laboratório, olhando tudo sem mexer em nada. Possuía bons equipamentos, demonstrando que Natan e sua equipe eram estudiosos.

As salas em que entramos, eram chamadas de enfermarias e sabíamos que numa delas Walter estava. Esses locais em nada lembravam os da Colônia de Socorro, ou mesmo os que existem em hospitais terrenos. Estávamos perto do laboratório, quando, pegos de surpresa, os guardas que estavam dentro da casa não reagiram,pois foram imobilizados pela força mental de nossos amigos.

Quando entramos na enfermaria, a visão que tivemos foi tão patética, quanto horripilante. Não havia leitos, só umas espécies de cabides nas paredes e com vários desencarnados como que dependurados, como se fossem roupas velhas. Elisa e eu ficamos perplexas diante de tão triste visão.

Minha amiga sufocou um grito, quando viu Walter entre eles... Correu ao seu encontro, tirou-o de lá e ele caiu em seus braços. Meu pai veio até nós e, em fração de segundos, foi tirando todos e colocando-os diante da porta, para que nós duas os encaminhássemos para a saída. Não conseguíamos movê-los. Apavorada, indaguei a meu pai:

- Que faço?

- Empurre-os!

No corredor havia carrinhos, talvez para transportá-los. Colocamos todos dentro, pois não conseguiam andar, e os levamos para fora. Quando passamos pela saleta da entrada, um alarme tocou forte e estridente, parecendo uma buzina alta. A fortaleza foi vasculhada por nós, e todos os que quiseram sair, foram tirados de lá.

Fizemos, então, uma fila, dando as mãos, e os puxamos até o vale, perto do Túnel Negro, onde os outros da equípe nos esperavam. Alguns dos desencarnados que estavam presus, foram amparados. O castigo para eles era ficar sem o hipnotismo de Natan e, sem isso, privados da droga, mostravam-se desesperados.

Tínhamos pressa, porque os guardas imobilizados logo voltariam ao normal e poderiam vir atrás de nós ou chamar por Natan, e não queríamos um confronto agora com ele.

Precisávamos auxiliar todos os que queriam ajuda, e os socorridos estavam assustados, sendo que alguns não sabiam direito o que estava acontecendo e nos olhavam com medo.

Meu genitor faiou para eles:

- Aqui estamos em nome de Jesus para ajudar os que querem. Levaremos vocês a um local de socorro, onde seráo tratados com bondade e curados de seus males. Os viciados receberão tratamento especial e ajuda para se livrarem do vício.

Convidamos todos a nos acompanhar,porque tiramos vocês de lá, mas levaremos só os que quiserem. Vamos prosseguir e os que não desejarem ir conosco, podem voltar.

Levaremos, porém, os que não estão em condições de decidir.

Muitos voltaram, inclusive alguns que estavam presos. Trinta desencarnados ficaram conosco e,juntos, fomos para o Posto do Centro Espírita. Já nos esperava a equipe médica, com os enfermeiros, e nos pusemos a trabalhar. Seriam feitos os primeiros socorros em muitos deles.

Walter e seus companheiros, que estavam dependurados, permaneciam inconscientes e completamente dependentes das sensações das drogas administradas a eles através do
hipnotismo de Natan.

Desencarnados viciados iam ao Túnel Negro em busca das drogas, mas Natan hipnotizava-os,fazendo-os sentir como se tivessem desfrutando o objeto do seu desejo, como maconha,cocaína, heroína etc. 

Hipnotizados, esses imprudentes desencarnados serviam para experiências desse médico, que lhes sugava os fluidos vitais, para si e seus companheiros.

Os viciados pensavam que tomavam as drogas, e assim também os que vagavam por ali. Julgavam que lá havia tóxicos. Natan náo tinha nenhuma droga no Túnel Negro. E suas experiências eram cruéis.

Os desencarnados se alucinam e se degeneram muito mais que os encarnados, com os tóxicos.

Deformam seus perispíritos, sendo muito triste vê-los. Todos estavam muito magros, pálidos, sem energias psíquicas, abobalhados e com o pensamento fixo nas drogas. Walter era louro, de cabelos curtos, mas de olhos fundos, vidrados, e os lábios roxos. Elisa o reconheceu mais por senti-lo do que visualmente.

Isso acontece muito no Plano Espiritual, de uma pessoa reconhecer a outra apenas sentindo, pois o perispírito muda muito.Todos os inconscientes e os semi-inconscientes foram medicados e colocados nos leitos. Os outros também tiveram os primeiros cuidados. Alguns dos colaboradores que serviam a

Natan também ali estavam, mas desconfiados.Não eram viciados. Trocaram de roupa e ficaram conversando com os trabalhadores desencarnados do Centro Espírita que, gentilmente, os elucidaram em suas dúvidas.

Meu pai trabalhou na ajuda por duas horas e, após, voltou ao corpo físico. Muitos dos socorridos que não necessitavam passar por uma incorporação mediúnica, foram levados do Posto.

Os viciados conscientes seguiram para hospitais no Plano Espiritual, próprio para eles. Alguns se dirigiram para suas Colônias de origem. Os servidores de Natan que pediram ajuda foram encaminhados para a Colônia na Escola de Regeneração para adaptarem-se à nova vida que lhes era oferecida.

Permaneceram no Posto do Centro Espírita só os que precisavam passar por um trabalho mediúnico de incorporação, quando teriam a consciência retomada, inclusive com a transfusão de tluidos, e então poderiam escolher se queriam ou não a ajuda oferecida.

Muitos desses desencarnados se mostravam com os perispíritos deformados pelo vício, pelos castigos e pelas experiências.

Encaminharam-se rapidamente os socorridos para as Colônias, por dois motivos: para começar imediatamente o tratamento que necessitavam, e para iniciar o aprendizado que os libertaria daquela subjugação. E, também, porque sabíamos que, se Natan os chamasse,acostumados que estavam a obedecê-lo, voltariam ao Túnel Negro e, nas Colônias, essa volta seria mais difícil, por estarem mais longe da Crosta e fora do alcance das mentes trevosas.

Os que precisavam ficar no Posto, foram acomodados em quartos isolados, e aqueles que ainda não tinham consciência de sua situação, ficaram em leitos, amarrados, não podendo sair.

Agora, teríamos de esperar o dia certo em que encarnados e desencarnados se reuniriam para o trabalho de equipe, onde os nossos socorridos seriam orientados em uma sessão, junto aos médiuns da casa.

Elisa ficou no Posto, cuidando de Walter e de todos os que ali estavam, ajudando os trabalhadores desencarnados da casa.

Voltei aos meus afazeres nas salas de aula do curso que ajudava a administrar, esperando,ansiosa, o desenrolar dos acontecimentos.



continua...

bjs,soninha



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