quarta-feira

A Casa do Escritor IX


V - O JORNALISTA

Que interessante quando as emoções nobres se repetem.

Sempre que isto acontece, temos a impressão de que não é a primeira vez que vivemos estes fatos. Foi isto que me aconteceu quando entrei na sala de aula para ter meu primeiro contato com este novo curso que, pela bondade de Deus e pelos amigos, me foi proporcionado.

E não foi sem razão, pois a alegria que senti naquele momento permanece em meu peito até hoje. Tenho a certeza de que o contentamento achou por bem fazer morada em meu coração.

A perspectiva de poder anunciar aos encarnados pela via mediúnica a bemaventurança que eu vivia e de que era portadora, me enchia de entusiasmo e ânimo para este novo estado e treino telepático.Queria aprender para fazer bem. E, como acontece quando estou muito feliz, sorria sem parar; foi neste estado de satisfação que cumprimentei o professor e alguns alunos que estavam na sala.

Nossa classe era pequena, as escrivaninhas estavam em círculo.

- A Paz seja convosco! - respondeu o professor Aureliano ao meu cumprimento.

- Sente-se, Patrícia, escolha um lugar e fique à vontade. Logo iniciaremos a aula.

Sentei e observei tudo. Na parede, só havia uma lousa. O que dava um toque especial eram as bonitas janelas redondas. Na sala, havia as escrivaninhas e uma enorme estante.

Logo chegaram todos os alunos. Conversamos animados e após alguns minutos já nos conhecíamos como se fôssemos amigos de longa data. Todos agradáveis,instruídos e com vontade de aprender. Seus nomes já estavam gravados na minha mente e no coração.

A doce Ruth, o Carlos Alberto, o mais velho em aspecto, a ruiva Adelaide, o intelectual Henrique, o mais extrovertido José Luiz, Maria da Penha, a que se tornou como mãe de todos, e Osvaldo, o contador de histórias.

O professor Aureliano deu início à aula
.
- Como sabem,Maria Adélia e eu iremos dar este curso tão útil a nossa Literatura Espírita. Não é tão simples assim intuir ou ditar pela psicografia aos encarnados. Aqueles que fazem sem preparo quase sempre não fazem o melhor que poderiam.

O que é mais importante: quando se intui na Literatura ou se dita pela psicografia?

A matéria, sem dúvida. É esta matéria que iremos aprender a fazer.

Certamente aqui estou como coordenador, espero que todos aprendamos juntos. Tanto que quero ser tratado como amigo, sem títulos, só pelo meu nome. Ficarei com as aulas de redação. Maria Adélia dará aulas de Literatura. No seu histórico, vamos conhecer como surgiu a idéia de grafar os acontecimentos.

Os primeiros escritos,as primeiras histórias imaginárias,a Literatura contemporânea a atual e a Espírita com todo o seu encanto e ensinamento.Muito temos para aprender neste curso. Nas minhas aulas aprenderemos a fazer uma redação, um artigo ou um livro.

Também aprenderão a transmitir estes escritos, porque não se pode ditar qualquer coisa, para isto tem que se ter alguns critérios. Estes escritos têm que estar dentro da Doutrina e da codificação de Allan Kardec e trazer ensinamentos bons e cristãos, além de ter-se o cuidado de não fazer revelações que ainda não são permitidas, ou anunciar desgraças com datas marcadas, etc. As revelações têm que ser feitas com conhecimento e devem ser reais e otimistas.

Há tantas coisas lindas para serem ditas.

Todos os que são filiados a esta casa têm que passar seus escritos pela censura. E aqui aprendemos também a censurar. Daremos especial atenção à parte do intercâmbio ao encarnado. Não é fácil a um cérebro que desconhece captar certos fatos. Assim, teremos que escrever para ditar ou inspirar o que o encarnado pode receber.

Este curso é longo porque teremos muitas excursões, nas quais faremos uma coleta de histórias com muita ajuda. E também porque é grande a responsabilidade de todos aqueles que deixam grafados seus pensamentos, principalmente que querem fazer um bem com este evento.

Particularmente nós que iremos pela psicografia, em nome de uma religião, tentar motivar, alertar, recordar os ensinos de Jesus a tantos irmãos. Nos últimos seis meses do curso, vocês estarão aptos a realizar esse trabalho sozinhos, mas ainda contarão com nossa orientação.

Para começar nossa aula de redação, quem de vocês quer contar uma história ou, se for interessante, a da própria existência para que possamos começar o nosso trabalho?

José Luiz levantou a mão.

- Posso falar de mim.

- Sim - disse Aureliano. - Vamos ouvi-lo.

José Luiz sorriu. É magro, alto, cabelos crespos curtinhos muito simpático. Sua voz é agradável e forte. Começou a falar.

- Nasci e cresci na grande cidade de São Paulo. Sempre gostei de jornalismo.

Quis ser jornalista. Não foi fácil, meus pais eram separados e minha mãe dava um duro danado para sustentar os quatro filhos. Era o terceiro. No colegial, fiz um curso técnico em contabilidade à noite e passei a trabalhar durante o dia. Trabalhava numa indústria.

Meu sonho era conseguir emprego num jornal. Uma colega tinha amigos em um grande e influente jornal, tanto pedi a ela que acabou me atendendo. Levou-me lá e me apresentou aos seus amigos que prometeram me ajudar. 

Cumpriram o prometido, acabei empregado. Fiquei felicíssimo, embora o jornal fosse mais longe e ganhasse menos, Mas queria estar ali para aprender.

Sempre fui ótimo, na escola, em redação. Comecei a escrever artigos, era muito difícil conseguir que publicassem, mas fazia sempre na esperança de ser um bom jornalista um dia. Quando terminei meu curso, passei a me dedicar mais ao meu trabalho e a ter mais tempo para fazer as matérias.

Um dia, um dos diretores leu o que escrevi, gostou, e acabou publicando o artigo. Aconselhou-me a ter aulas de redação.

Eram pagas e caras. Porém, este diretor conseguiu que o jornal pagasse a metade do curso. Fiz o curso com entusiasmo. Foi com perseverança que me tornei um jornalista. Comecei a fazer críticas ao governo de maneira fútil. Estávamos nos anos sessenta com a ditadura militar.

Passei a usar um pseudônimo para fazer estes artigos.

Um grupo de idealistas que queriam um Brasil melhor me procurou para que fosse assistir a suas reuniões. Fui e gostei. Eram pessoas honestas e idealistas. Estes companheiros não achavam certo os meios que outros grupos empregavam, porém entendiam que eram necessários tanto para chamar a atenção como para conseguir dinheiro.

Ações como seqüestros e roubos. Nosso grupo se ocupava mais em divulgar nossas idéias. Nestas reuniões, conheci uma moça, Márita, que tinha uma filhinha. Seu companheiro fora morto num cerco com os militares.

Nesta época, já ganhando mais,fui morar sozinho num pequeno apartamento perto do jornal. Tanto escrevia com meu nome verdadeiro artigos não comprometedores, como com pseudônimo artigos contra a ditadura. Apaixonei-me por Márita, tornamo-nos amantes sem, porém, morar juntos.

Passei a participar mais das reuniões, fazer palestras e panfletos. Meus artigos tornaramse mais violentos. Seis anos se passaram. Deram uma batida no jornal e prenderam muitas pessoas.

Umas,torturadas, deram meu nome verdadeiro.Fui preso.Confessei no interrogatório tudo que fiz e escrevi. Mas eles queriam mais, os nomes dos companheiros. Como neguei, começou a tortura.

Um horror! Na história da Humanidade sempre o ser humano torturou outro ser humano. No início, as lutas eram por alimentos e territórios. Depois, vieram as lutas por simples conquistas, nas quais os vencedores tornavam os vencidos escravos e os torturavam.

Após, houve as cruzadas,as lutas por religiões,a Inquisição,os escravos na América, as guerras modernas e os campos de concentração. Depois, pela política, por ideal, foram tratadas com muita desumanidade pessoas que, certas ou erradas, queriam o que achavam o melhor para sua Pátria.

Fui torturado com outros companheiros, de forma brutal e cruel.Nada falei.

Pensava em Márita e na sua filhinha que amava como se fosse minha. Num sofrimento maior desencarnei. Saí do corpo de forma violenta. Tonto e vendo tudo confuso. Levantei. Vi meu corpo caído no canto da sala. Vi meus carrascos e meu corpo ser, amarrado e sangrando. Escutei os comentários.

"Morreu a peste? Sujeito duro e idiota!"

"Morreu!" - disse um outro escutando meu coração.

"Coloque com os outros, iremos enterrá-los nas valas.

Vi desamarrarem meu corpo e levá-lo para outro lado.Confuso e com muitas dores. adormeci.

Acordei mais confuso ainda "Ei companheiro você morreu, acorda!"

Tentei tanto entender o que ele me dizia como reconhecer o sujeito que me dirigiu a palavra. Será nova forma de tortura? - pensei.

Mas não estava amarrado e não conhecia aquele homem.

Tentando ser simpático, disse:

Venha, dê a sua mão, ajudo você. Morreu! Você simplesmente morreu como
eu."

"Estranho!"

"Que nada! Logo você acostuma."

Levantei com a ajuda dele. Levou-me para uma das celas.

Vi com tristeza companheiros mutilados e gemendo.

Vamos ficar aqui."

Ele me ajudou. Deu-me para beber um líquido que me tirou as dores e me fez curativos.

Engraçado" - disse - "você fala que morri, mas continuo machucado."

"É assim mesmo, você é igual a seu corpo.

Só quando fui estudar é que compreendi que me desligara do corpo e pela falta de conhecimento continuei com todas as impressões da matéria, como dores, fome, frio,etc.

Passei alguns dias deitado no chão da cela, vendo meus companheiros encarnados sofrendo. O sujeito, Emílio, cuidou de mim como lhe foi possível. Melhorei.

"Você já está bem. já é hora de passar a nos ajudar. Levante se e venha conhecer os outros."

Pegou em minha mão, ajudou-me a levantar. Fomos andando e me espantei ao atravessar com ele as grades e sair para o pátio.

Como fez isto?!" - indaguei curioso.

"Somos agora almas do outro mundo, ou melhor, desencarnados.

Temos lá algumas vantagens como atravessar pela vontade paredes e portas.

Vou ensinar você a fazer isto. É fácil, aprende-se e pronto."

N.A.E. - Volitar, atravessar paredes são atividades fáceis a desencarnados, porém, necessita-se aprender. Infelizmente, não são só conhecimentos dos espíritos bons, todos podem fazer, basta saber e ter principalmente consciência do seu estado de desencarnado.

No pátio havia um grupo de desencarnados. Alguns homens e mulheres em número menor.

"Clóvis, você aqui!"

Abracei comovido um deles. Era meu amigo, companheiro das nossas reuniões.

Ele havia desaparecido e não conseguimos saber o que ocorreu com ele.

"Morri também!"

"Torturado?"

“Não, com um tiro."

Fez-se um silêncio de minutos que foi quebrado por um deles.

"José Luiz, é o seguinte: estamos todos desencarnados e unidos. Aqui estamos tanto para ajudar os companheiros desencarnados doentes, perturbados ou enlouquecidos pelas maldades sofridas e os amigos encarnados, como também para nos vingarmos de nossos carrascos."

"Podem passar anos, mas me vingarei. Nem que eu tenha que esperar que estes caras morram, eu me vingarei!"- disse Clóvis com ódio.

Sinceramente, não estava com vontade de vingar, mas de ajudar os companheiros. Mas não disse nada, naquela hora parecia não ter outra escolha.

Preferi ajudar outros companheiros desencarnados que estavam perturbados e achavam que estavam ainda vivos no corpo carnal. Para mim, eles estavam enlouquecidos de tantas dores e humilhações. Tentava também ajudar os encarnados.

Meses passaram-se e não via resultado. Parecia que a situação piorava. Os carrascos pareciam mais nervosos e maus.

Dos companheiros desencarnados só alguns melhoraram. Os pobres encarnados sofriam muito. Um dia perguntei ao nosso chefe, o Clóvis.

"Clóvis,será que estamos ajudando mesmo? Será que para isto não é necessário saber?"

“Não sei, José Luiz. Tenho pensado nisto. Mas podemos nos contentar planejando nossa vingança."

"Você não acha que eles colherão do que plantam?"

"Pode ser. Mas vingarei! Vingarei! Nem que Jesus me apareça, eu não perdôo!

Não somos bandidos, nem marginais e fomos miseravelmente tratados por termos um ideal político, por não pensarmos como eles. Saberei planejar e organizar esta vingança, que não só ficará aos que cumprem ordens, mas aos que mandam também."

"Você disse Jesus? Ele por acaso já esteve aqui?"

"Ele não, mas alguns que trabalham para Ele sim. É só orar que um deles aparece."

Pensei muito no que ouvi. Não estava satisfeito ali,lugar triste,vendo sofrimento e sofrendo. Afastei-me do grupo, fui para um canto do pátio e pus-me a orar as orações decoradas que sabia.

Mas depois, a oração saindo do coração, pedi ajuda e chorei.

"Quer ajuda? Está disposto a perdoar?"

"O senhor é Jesus?"

"Não, sou um desencarnado como você, mas que tem outra visão e entendimento."

N.A.E. - Para ajudar, necessita-se primeiro estar bem, depois saber. Nenhum deles tinha condições para isto. Aos desencarnados ainda se consegue uma ajuda precária, mas aos encarnados só se atrapalha mais. Mas vingar, obsediar, sim, conseguem, principalmente se estes vibram negativamente, igual, portanto.

"Perdôo todo mundo. Não quero vingança. Quero melhorar!"

Pegou em minhas mãos e volitamos. Senti um frio na barriga, mas amei voar.

Fui levado para um Posto de Socorro. Achei maravilhoso. Logo estava curado dos meus ferimentos, mas tive que fazer um tratamento psicológico para que pudesse entender os traumas que ficaram em mim pela tortura que sofri, e por ter visto tantos companheiros mutilados.

Depois, fui encaminhado a uma Colônia onde fui entender o Plano Espiritual e passei a ser útil pelo trabalho.

Soube de minha Márita, ela conseguiu fugir com a filhinha, estava bem, casouse de novo e tem mais filhos.

Quando senti que era capaz de ajudar, pedi para auxiliar meus excompanheiros.

Voltei ao lugar em que estive quando desencarnei.Encontrei tudo mudado, ali estavam alguns espíritos que não conhecia. Fixando minha mente neles, localizei-os.

Receberam-me com alegria. Quando comecei a falar de mim, prestaram atenção no começo, mas logo se desinteressaram. Por mais que pedisse, implorasse,Clóvis e o grupo, grande nesta época, não me atenderam. Fizeram um núcleo no Umbral e faziam um cerco cerrado aos que julgavam culpados.

Infelizmente, não consegui convencer nenhum. José Luiz, é nosso amigo, se quiser continuar a sê-lo, não defenda estes miseráveis" - disse Clóvis.

"Não estou defendendo-os. Estou querendo o bem de vocês."

"Nosso bem é condenar os culpados."

Fui embora, mas não desisto,sempre que posso vou até eles na tentativa de ajudá-los.

Aí está minha história. Gosto muito de Literatura, amo o jornalismo, faço este curso para depois trabalhar com encarnados.

Vou tentar intuí-los na divulgação de artigos bons e bem feitos.

José Luiz quietou-se e foi a vez do professor Aureliano voltar a falar.

- Sua história é deveras interessante. Que exemplo bonito você nos deu, perdoando e não querendo vingar-se. Como também de você tentar, mesmo passando tanto tempo, ajudar seus companheiros. Se você tivesse lembrado de pedir ajuda do modo como fez, ao desencarnar, teria sido socorrido antes.

- Será que eles não irão perdoar? - indagou Adelaide.

- Temos nosso livre-arbítrio - respondeu Aureliano. – Sofre muito quem não perdoa.

Esperamos que um dia José Luiz possa fazê-los entender,para que possam ser felizes.

Agora, vamos ao trabalho. Escrevam sobre o que ouviram.

Todos escrevemos. Após, cada um de nós leu e Aureliano deu opiniões.

- Não é bom realçar episódios negativos.

- O seu está muito extenso.

- Poderia ser maior.

- Este pedaço não está bem. Assim fica melhor.

Vi o tanto que ele era rigoroso e como ensinava bem. Entendi o que vinha ser a censura da casa. Há episódios que não se pode comentar. E que não são bons de serem relatados.

Depois de tantas observações, escrevemos de novo. Novamente foi lido.

Aureliano chamou atenção para algumas partes, mas elogiou o trabalho.

- Agora, pensem como o médium, ou como a pessoa encarnada que irão inspirar, que irá receber esta história.

- Acho que o médium, desconhecendo esta parte, não conseguirá captar - disse Ruth.

- Também acho - disse Aureliano. - Assim, terá que mudar este parágrafo.

Pensei bem no que os encarnados gostariam de ler.É uma história real,emocionante, mas teria que o ser também para eles.

Pensei na tia Vera, ela iria captar tudo? Escrevi pela terceira vez.

Percebi que todos voltaram aos seus escritos, reformulando-os. Assim, foram todas as aulas de redação. Era escrita a história, censurada por todos nós com a coordenação do mestre e, após, escrita da forma como o médium poderia receber. Um verdadeiro aprendizado!

O curso decorria tranqüilo, a professora Maria Adélia dava aulas de Literatura.

Começou na parte histórica e acabou na atual. Deu atenção especial à Literatura Espírita e à Espiritualista.

Estudamos juntos as obras de Allan Kardec. Muito já tinha visto e lido sobre o Codificador da Doutrina Espírita, mas como foi agradável estudá-la com um grupo inteligente e com uma orientadora de grandes conhecimentos. 

Maria Adélia falava com tanto amor que a matéria nos fascinava. Ter conhecimentos literários é importante para quem vai ou pretende trabalhar com a Literatura.

Também nas aulas de Aureliano aprendemos todas as leis da censura da casa e passamos nós mesmos a censurar nossos trabalhos. Aprendi muito bem os três itens principais: escrever, o que escrever e para quem escrever.

Nestes dois anos, vim muitas vezes à Terra. Vinha sozinha, estive com familiares e amigos. Também conheci outras Colônias e muito estive na minha querida Colônia São Sebastião. Conheci todas as Colônias que se dedicam à Literatura, como a Casa do escritor, por diversos países da Terra.

De fato, são parecidas, só que cada uma tem um toque especial da arquitetura do seu país Em todas se fala o Esperanto. É o idioma usado para a comunicação com visitantes de outros países. São encantadoras estas Colônias!

Aqui no Plano Espiritual muito se tem feito para que as boas obras progridam.

A Casa do escritor é de fato movimentada. Gostava de passear por suas áreas e ver os detalhes de seus quadros, paredes e pisos. Mas de forma especial gostava de ficar nos seus pátios.

Admirava com muito carinho suas árvores e flores. Suas delicadas flores são de vários formatos e tamanhos, todas clarinhas, predominando as brancas. Passava horas admirando-as.

Que perfeição nos seus contornos! Que maciez! Que beleza!

Mas o pátio oferece outro encanto. É um lugar onde todos se reúnem para conversar. Ali vemos encarnados, os moradores e visitantes. Como é gostoso reunir-se em círculo e bater aquele "papo" edificante. São pessoas instruídas e amantes da arte, da Literatura. Conheci tantas pessoas interessantes, muitos escritores famosos.

Conversadeira, lá estava nas minhas horas de lazer pelos pátios e quase sempre enturmada em alguma roda e conversa vai...

Mas havia preocupações também.

- É com muito pesar que vejo a Literatura ruim ganhando mercado! - disse um escritor conhecido dos encarnados que me pediu para não citar seu nome e explicou o porquê.

- Quando encarnado, tinha outras idéias que os familiares encarnados conservam. Não quero que eles se melindrem por haver citado meu nome. Agora estou morto e acabado para eles.

Pensando nisto, cito neste livro poucos nomes, de preferência somente o primeiro. Porque poderia esquecer o de alguém, o que me parece injusto. Todos os que freqüentam esta casa são grandes para mim e maravilhosos. Mas, voltando à conversa, todos infelizmente concordaram com ele.

- Sabemos que há equipes de irmãos ignorantes, que tentam fazer o mal, esforçam-se mesmo para acabar com a boa Literatura e ajudam, incentivam a ruim. A leitura modifica os pensamentos, tanto para o bem como para o mal - disse o simpático Sr. Rolando que, encarnado, foi um lutador fiel do livro Espírita e que continua ativamente ajudando a causa.

- A literatura edificante tem que ser cativante e interessante para motivar os leitores a lerem cada vez mais - completou com sabedoria e simplicidade Júlio César, um escritor de talento.

- Não podemos desanimar nunca. Nosso trabalho tem que ser incessante - falou com alegria José.

- Mas estamos longe do ideal - acrescentou Rolando.

- Muito se tem que fazer e nossa ajuda é fundamental. Os encarnados necessitam do nosso auxílio. Não devemos negligenciar em nosso trabalho.

E a conversa ia longe. Que gostoso participar, ouvir conversas tão interessantes.

Gostava também de meditar nos bancos confortáveis que estão quase sempre embaixo das árvores floridas. Numa tarde em que meditava, aflorou em minha memória uma das conversas que tive com meu pai.

"Filha" - disse-me ele -, "não deixe que somente o entusiasmo seja o motivo de seu trabalho. Cultive o amor pelo que faz, pois o entusiasmo é da mente e o amor é do coração, do sentimento. O que é da mente é passageiro, o amor é eterno. Procure envolver com amor tudo aquilo que fizer com entusiasmo.

O cultivo da harmonia e fraternidade é o antídoto dos nossos conflitos psíquicos e até dores materiais, pois estes provêm dos conflitos psicológicos. E a felicidade verdadeira só existe quando estamos desapegados de qualquer interesse particular.

Nossa personalidade tem a impressão de que, neste estado isento de egoísmo,perdemos o interesse pela atividade; isto realmente acontece quando só temos como fim nossa satisfação ou nossos prazeres.

Se procuramos ver, amar e sentir Deus nas suas manifestações, somos inundados por um contentamento puro e de alegria não maculada pelo desejo de satisfação própria. Para mim, isto é a real felicidade.

Entre a maioria encarnada, felicidade é sinônimo de poder, seja mental ou material, satisfação, ociosidade e prazer. Todos estes estados são cultivo de futuras dores que não tardarão a florescer.

Observando tantos encantos que o Pai criou, como que numa compreensão simultânea, vislumbrei um pouco das dificuldades da vida humana, até que o homem se volte para viver como parte integrante do universo. Quando esta integração for realidade constante, o ser humano viverá o oposto de todo este sofrimento".

Graças a Deus, eu estava vivendo o oposto.

Como já disse, a Casa do escritor é móvel. Isto é, ela se locomove de acordo com as necessidades do momento. Ela pode estar um dia no Sul e, no dia seguinte, no Norte do Brasil. Como também estar na Crosta, onde estão os Postos de Socorro, ou ir para esferas superiores onde estão as Colônias.

É como se ela volitasse. Quem está dentro da Colônia nada sente. Mas se for a um dos pátios externos, que a circundam, pode ver a viagem como se estivesse num avião. É muito interessante observar a Colônia locomovendo-se.

Esta locomoção é feita pelas mentes dos diretores, ou da equipe de moradores da casa.

A primeira vez que vi, deliciei-me. É muito agradável, a Casa parece deslizar tranqüila pelo espaço. É por isto que se acha a casa por sua vibração. Ao ficarmos dias em excursões ou mesmo em outros trabalhos, para saber onde a Colônia se encontra,basta mentalizá-la e somos levados até ela.

- Vamos ter uma reunião no Norte! - exclamou um dos moradores. - Será uma reunião com encarnados.

Alegrei-me muito por estar de folga. Assim fui ver a Casa locomover-se e pude assistir à reunião. A Casa promove muitas reuniões com encarnados. Seu movimento aumenta. É necessário organizar, marcar com os convidados os locais onde a casa deverá ir.

Esperei ansiosa pela reunião. Que agradável surpresa! A Casa parou sobre a cidade de Manaus. Era de tardinha e a reunião estava marcada para a noite, a uma hora da madrugada.

Os convidados seriam os encarnados da região e também alguns desencarnados. Todos trabalhavam na divulgação do livro Espírita.

Às onze horas, um grupo da casa saiu para ir buscar os convidados encarnados.

O pátio da frente estava radioso, todo iluminado. Uma música suave e bonita se ouvia por toda a parte da frente. A reunião ia ser em um dos salões de porte médio,já que não iriam muitas pessoas.

Fiquei no pátio, curiosa, tanto observando como conversando.

À meia-noite começaram a chegar os convidados.Os desencarnados convidados normalmente chegam primeiro. Os encarnados que deixaram seus corpos dormindo chegaram felizes.

Uns totalmente conscientes cumprimentavam todos alegres,outros chegavam admirados, e alguns infelizmente um tanto alheios. Um dos moradores que estava ao meu lado esclareceu.

- Vemos que nem todos estão amadurecidos igualmente.

Muitos estão acostumados a estes encontros,outros,é a primeira vez que participam. Assim não podem estar igualmente conscientes e interessados. No horário previsto, todos estavam presentes.

Fomos convidados a ir para o salão. Todos acomodados, foi feita uma prece muito bonita e a palestra começou.

Qual não foi a surpresa quando levantou e ficou à nossa frente o Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, que cumprimentou a platéia sorrindo.

- Boa noite, caros irmãos! Que Jesus esteja presente em nossa reunião.

Falou, com sua voz sempre agradável, da necessidade de os encarnados estarem unidos e firmes no trabalho de divulgação da Literatura Espírita. Da necessidade que temos de ler, aprender por meio das boas obras.

Disse conhecer as dificuldades existentes, mas que com boa vontade tudo se resolveria. Brincou com os presentes.

Demos boas risadas. Como é bom ter conversas importantes com alegria. Foi aberto o espaço a perguntas. A platéia no começo perguntou timidamente, depois se indagou muito e o orador respondeu atenciosamente, magnificamente. Foi com pesar que escutamos:

- Está terminada a reunião!

Houve abraços de despedidas. Dois dos encarnados ficaram para uma reunião particular. Os moradores da Casa se aproximaram dos encarnados para levá-los novamente aos corpos que estavam adormecidos.

Estes encontros particulares são atendidos pelo diretor da casa. Se existem pedidos de ajuda, são anotados e analisados imediatamente. O auxílio se inicia tendo em vista a possibilidade da Casa.Seus conselhos e opiniões, o diretor com sapiência e paciência conversa com eles. Todos saem satisfeitos.

Alguns convidados desencarnados e alguns moradores ficaram por ali. Todos queriam continuar desfrutando a presença deste glorioso médico, escritor e espírita brasileiro. Também fiquei e foi com contentamento que dele escutei:

- Temos que incentivar as boas coisas, os fatos importantes. Dar ênfase a tudo que é lindo. O entusiasmo faz parte da vida!

Aos poucos todos foram voltando aos seus afazeres. A reunião acabou. A Casa ficou dois dias ali atendendo consultas, realizando ajudas. Depois partiu. Muitas reuniões assisti com proveito. E que proveito!

Depois de ter assistido a muitas reuniões, fui escalada para fazer parte da equipe que vai buscar e levar os encarnados convidados.

O trabalho começa à tarde, às vezes até pela manhã. Nas primeiras vezes,acompanhei Otacílio, um amigo já experiente que me explicou:

- Hoje vamos levar à reunião Suely, uma jovem que começa a dedicar-se à tarefa de divulgar livros Espíritas.

Logo que a vi, simpatizei com ela. Acompanhamo-la no seu trabalho material
na parte da tarde.

- Suely trabalha muito - esclareceu Otacílio. - Aqui estamos para que tudo dê certo, para que sinta nossas vibrações e fique calma, para que possa dormir tranqüila e ser desligada com facilidade.

Ficamos perto dela. Tarefa agradável, ela é muito simpática.

- Ela está agitada e cansada - disse meu companheiro. – Hoje não poderá ir.Ficará para uma próxima vez.

- Sentirá por não ter ido? - indaguei ao meu companheiro.

- Sim,todos amam muito estes encontros fraternos.Mas no corpo poderá sentir somente uma leve impressão de que ia a um lugar agradável e não foi.

Às vezes, a dificuldade é outra.Como um dos convidados cujo pai havia desencarnado e ele estava no velório. Também encontramos um convidado que fora a uma festa e não estava dormindo no horário marcado. Outro, que havia bebido com os amigos.

- Não podemos levar ninguém com emanações de bebidas alcoólicas. Ele irá numa próxima vez.

Este trabalho de equipe consiste também em determinadas ajudas após as reuniões. Às vezes, os convidados fazem apelos, pedem opiniões e ajuda. São escaladas equipes que vão logo que possível até estas pessoas. As queixas maiores quando fiz o curso foram: falta de poder econômico e ataque dos irmãos ignorantes.

"N.A.E. - Ataques de irmãos ignorantes ou espíritos que temporariamente seguem o caminho do mal tentamos resolver de muitas maneiras, pelo menos tentamos suavizar estas pressões. Não posso descrever o que usamos ou o que fazemos. Mas o principal é incentivar os encarnados a vibrarem melhor para não entrar na onda das vibrações deles.

Começávamos nosso trabalho indo até as pessoas e editoras, estudávamos a situação, tentávamos junto com os encarnados resolver os problemas. Tínhamos pedidos também para inspirar capas, folhetos ou como fazer o melhor livro. 

Como também opinar se este ou aquele livro deveria ser editado. Livros que passam pela Casa do escritor já são aprovados, outros, nem sempre. Quando surgem alguns bons escritores não filiados à Casa, trata-se logo de convidá-los para se filiarem. É gostoso este trabalho.

Indaguei ao Otacílio.

- Sabe de algum convite da Casa para filiação que foi recusado?

- Sim, temos convites recusados. Tanto de escritores encarnados como desencarnados. Muitos não querem seguir os regulamentos da Casa e não se filiam.

Temos recusas de médiuns psicógrafos também pelos mesmos motivos. A causa principal é a pressa. Muitos não têm paciência para um treino maior e muito estudo.

Nem todos os médiuns psicógrafos preparam-se para ser.

- Mesmo sem preparo eles escrevem? - indaguei.

- Sim, têm o livre-arbítrio. Infelizmente, seus trabalhos não saem como deveriam sair.

Fiz parte desta equipe com muito gosto. Como Antônio Carlos havia me dito, a Casa do escritor é muito movimentada e fazer parte desta equipe é estar sempre alerta.

A equipe fica pronta para atender qualquer pedido de ajuda de seus filiados, atendendo chamados de companheiros que trabalham com as bancas, com editoras, com as feiras do livro Espírita.

Foi um trabalho prazeroso e de muito aprendizado para mim.



Patrícia / Espírito
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / médium.

continua...
 
bjs,soninha

Nenhum comentário: