domingo

Nossos Filhos São Espíritos // 28

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O OFÍCIO DE VIVER

OFICIALMENTE, ESTE LIVRO terminou no capítulo anterior, no qual até nos despedimos, o leitor e eu. Um problema, contudo, me restou ainda, como que “engastalhado” nos canais por onde circulam os pensamentos, no sistema que o amigo espiritual referido alhures caracterizou como sendo o condutor,sem chegar especificamente ao expressor. Resolvi examiná-lo de perto e disso preciso dar conta ao leitor, mesmo depois de devidamente despedidos um do outro.

É o seguinte.

Não há dúvida de que o leitor e a leitora familiarizados com os aspectos da realidade espiritual abordados neste pequeno debate sintam-se perfeitamente à vontade com as idéias aqui ventiladas e com os conceitos colocados sobre a mesa. Acontece que o livro é objeto que circula por toda parte e a todos leva sua mensagem, às vezes potencialmente perturbadora, no sentido de que pode causar certa “desarrumação” em nosso microcosmo pessoal. 

Nossas idéias têm certo arranjo, ao qual estamos acostumados. Sabemos perfeitamente onde encontrar isto ou aquilo e como caminhar pelos corredores e aposentos da mente, com a segurança da pessoa que, após viver muitos anos numa casa, é capaz de achar até um livro em determinada estante em plena escuridão,porque tudo lhe é familiar.

De repente alguém se mete em nossa casa, muda tudo de posição e trocam até a serventia dos cômodos, levando os móveis do quarto de dormir para a sala de almoço e a biblioteca para a copa, ou os estofados para o jardim.

Como reordenar toda essa caótica situação?

É justo, pois, considerar o caso daqueles leitores inteligentes e abertos a novas idéias e propostas mas que não haviam ainda pensado na possibilidade de tais coisas serem mesmo verdadeiras, ou, pelo menos, não haviam pensado nisso a sério, como elemento vital da ordenação de suas vidas e na maneira de considerar as crianças que nos cercam — filhos, netos, sobrinhos ou apenas de famílias amigas e conhecidas.

Então, é verdade mesmo que somos todos seres preexistentes? Quer dizer que já vivemos antes e até podemos ter conhecido nossos pais, irmãos e amigos de outras existências? Quer dizer, então, que a morte não é essa coisa definitiva e irrecorrível que pensávamos ser? Será que estou na religião errada e devo mudar toda a minha filosofia de vida?

Vamos com calma “leitor leitora.”

Se seu sistema interno de aferir os valores da vida estiver mesmo defasado com relação aos conceitos básicos que expusemos no livro, é certo que você está precisando de boa reformulação estrutural. Isso, porém, não é o que se costuma chamar sangria desatada, embora constitua, a meu ver, importante prioridade para você cuidar. Você não será a primeira, a única, nem a última pessoa a ver-se, de repente, colocada perante uma realidade da qual não havia ainda suspeitado ou que não havia considerado com a devida atenção. Não importa. Vamos por partes.

Talvez seja oportuno voltarmos por uns momentos ao precioso livro da eminente dra. Helen Wambach, pois ela teve sob seus cuidados pessoas que também passaram por esse período de perplexidade.

Eu próprio fui testemunha de um episódio desses, através de uma gravação, na qual a pessoa hipnotizada discorreu, com os detalhes necessários, sobre uma de suas vidas anteriores e, em seguida, foi despertada e ouviu seu incrível depoimento. Era um homem de boa cultura geral e técnica (dentista de profissão), inteligente, sensato e bem-posto na vida, falando de sua própria encarnação anterior, coisa que nunca lhe passara pela cabeça.

Além do mais, como conciliar aquilo com suas crenças e práticas protestantes, ele que, segundo seu próprio relato, fora sacerdote católico da vez anterior? Costumo dizer que quando não podemos mudar os fatos — o que, aliás, acontece com freqüência — temos de mudar nossa postura diante deles. Como na conhecida história de Maomé e a montanha. Se a montanha não vem até onde estamos, temos de ir até onde ela está, se é que temos mesmo de galgá-la. E temos!

O universo pesquisado pela dra. Helen Wambach é integrado por um grupo heterogêneo de pessoas, ligadas a diferentes sistemas religiosos ou desinteressadas de especulações desse tipo.

Muitas dessas pessoas se viram na contingência de descrever “impressões que estavam em conflito com suas crenças conscientes”.

Não foram poucas as surpresas e perplexidades. Eu continuava a achar que as informações que me chegavam à mente (dizia uma pessoa) eram insensatas, mas suas perguntas sucediam-se com rapidez e eu me lembro das minhas respostas. Tinha a impressão de que se eu tivesse mais tempo, as teria respondido de modo diverso, porque elas estão em conflito com aquilo em que creio.

Isto é certo. Com tempo para pensar, o consciente interfere e molda as respostas segundo o que a pessoa acha certo, não as deixando sair nos termos em que a informação está emergindo do subconsciente, ou seja, da própria individualidade espiritual ali presente.

A grande maioria de meus pacientes (escreve a dra. Wambach), ao expressarem seus pensamentos a mim, após a experiência, confessaram-se perplexos acerca do material que emergiu e que precisariam de algum tempo para digerir aquilo tudo. (Destaque meu.)

Conscientizei-me de como sou um mistério para mim mesma (diz outra senhora) e fiquei a meditar sobre as potencialidades contidas em meu esquecido passado (...)

Como pode o leitor perceber, não estamos aqui cuidando de vagas e passageiras impressões, mas de realidades insuspeitadas, que mexem com as profundezas do nosso ser e trazem consigo uma forte carga emocional. Tenho por hábito destacar, em experiências desse tipo, o importante fator da emoção suscitada, e observo, com alegria, que também a dra. Wambach o valoriza adequadamente. É dificil, senão impossível, fingir emoções de tal intensidade.

Elas são autenticadoras, mesmo porque ninguém está ali para armar uma farsa ou representar um papel. Para iludir a quem? A si mesmo? Ainda mais que em expressiva percentagem, a realidade contemplada pela pessoa não confere com aquela que ela acredita ser verdadeira. Acreditar que as coisas se passam desta ou daquela maneira é bem diferente de observar como, de fato, ocorrem.

Por tudo isso a dra. Wambach informa que, após as experiências de regressão, seus pacientes apresentavam-se um tanto pensativos.

“Tinham todos”, escreve ela, “um olhar distante (...), pareciam notavelmente pensativos e contidos (...)“

É que acabavam de regressar, como disse uma delas, de “uma longuíssima jornada” por insuspeitada região de si mesmos.

* * *

Insisto em dizer ao caro leitor e à querida leitora, nestas linhas finais, que este livro não foi elaborado com intenção proselitista, ou seja, com o objetivo de atraí-los para as fileiras do movimento espírita. Não sou muito chegado a essas questões, meramente estatísticas, mesmo porquê, como também já foi dito, o espiritismo não se considera proprietário dos conceitos básicos em que se apoiam suas estruturas doutrinárias. 

A verdade não tem dono, porque é de todos. É, portanto, sua também, “leitor leitora.” O importante na tarefa de administrar o relacionamento “pais filhos” está na nítida convicção da realidade espiritual. Ou seja, a de que trazemos em nós um vasto e pouco explorado universo inespacial extremamente rico em potencialidades, cujo conhecimento muito poderá ajudar-nos a entender melhor aquilo a que costumo chamar de o oficio de viver.

Outro conceito favorito meu é este: só progredimos substituindo idéias obsoletas e inservíveis por idéias novas, ainda que, de início, um tanto traumáticas ao nosso sistema pessoal de pensar e viver.

Eu costumava dizer, também, que — além de Deus, que é imutável — só existe uma coisa permanente na vida: é a mudança. Mas um dia descobri que Heráclito havia dito a mesma coisa, e então perdi o direito de propriedade sobre uma das “minhas” frases prediletas. Enfim, Heráclito também é um sujeito inteligente e a frase continua válida. (Atenção para o tempo presente:

Heráclito é, pois continua tão vivo quanto você e eu.) No fundo, podemos sentir certa saudade das antigas e superadas idéias, que nos pareciam confortáveis e definitivas, mas acabamos gostando melhor da nova arrumação, ao verificar que sobrou mais espaço para pensar e viver.

Pelo menos até que tenhamos de trocar, uma vez mais, velhas peças inúteis por novas, e dar-lhes, em nossa mente, disposições ainda mais harmoniosas.

Um dia, acabamos surpreendidos com a realidade de estar já vivendo no tão sonhado Reino de Deus.

Mas, afinal, a vida é isso mesmo: movimento, maturação, realização, evolução a desdobrar-se pelo infinito afora...

Caro leitor, como você está cansado de saber, isto não é um livro e sim uma conversa e conversa com amigos não tem fim. Muita coisa aconteceu depois que foi lançada a primeira edição deste texto, em 1989. Eu ficaria frustrado se não lhe contasse que, em 1991, ganhei uma espécie de “diploma de pai”. Achei, pois, que era de meu dever partilhar com você essa alegria. Se você, por acaso, vislumbrar uma pontinha de orgulho nos meus olhos molhados, que fazer? Afinal, ninguém é perfeito e nem de ferro...
 Vire a página e confira.


paz a todos...

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