domingo

Nossos Filhos São Espíritos // 27

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“ATÉ UM DIA!”

QUERIDA LEFFORA E CARO LEITOR, é chegada a hora de nos despedirmos. Pelo menos por algum tempo. Nunca se sabe onde e quando iremos encontrar uns com os outros novamente, mesmo porque, como já foi dito páginas atrás, a vida jamais se utiliza do ponto final.

Nosso livro não foi concebido e realizado com o propósito de resolver todos os problemas possíveis nesta área tão ampla e complexa, ou de responder a todas as perguntas formuláveis, mesmo porque não teríamos todas as respostas. Limitou-se a ser uma reflexão acerca da infância do ser humano na Terra, e que ainda vemos envolvida em denso véu de equívocos.

Como pudemos observar, temos a respeito de tudo isso muitas coisas para desaprender e inúmeras outras para aprender. Dificilmente poderemos botar móveis novos na casa em que moramos —nossa mente —, a não ser que se desocupe espaço, que antigas peças inservíveis estão atravancando indevidamente. Mas a renovação não consiste apenas em desfazer-nos de tudo o que possuíamos para adquirir tudo novo em folha. 

Para certos aspectos, basta nova disposição nos arranjos ou restauração das peças antigas que ainda podem ter serventia.

Sabemos, por exemplo, de remotas crenças, que o ser humano é dotado de alma e que essa alma é imortal, ou, pelo menos, que sobrevive à morte do corpo que ocupa na Terra. Tudo bem.

Há, porém, um móvel imprestável obstruindo a sala, num dos seus pontos mais importantes —o de que essa alma é criada no momento da concepção ou do nascimento, quando em verdade ela já existia antes, em outras vidas e, certamente, voltará mais vezes, em futuras existências na carne.

O conceito da responsabilidade pessoal de todos os seres pelos atos que praticam pode e deve continuar compondo nosso mobiliário intelectual, mas tem de passar por certas alterações e modernizações. Não se responde, com a condenação eterna, ao cabo de uma só vida e de maneira irrecorrível, pelos erros dessa existência. Como, também, não vamos direto para o céu, por mais perfeita que tenha sido a vida, do ponto de vista humano. 

Mesmo porque o céu também é peça que só nos pode continuar servindo se passar por boa restau­ração. Oportunidades de recuperação nos são incansavelmente concedidas pelas leis divinas. Se a nós o Cristo recomendou perdoar setenta vezes sete, quantas vezes nos perdoaria Deus? A resposta é: sempre. Acontece que também o conceito de perdão precisa de umas escovadelas e talvez de um estofamento novo, porque perdoar não é apagar o erro cometido com um passe de mágica. A mágica é ilusão e as leis são realistas e objetivas. O perdão, que as leis nos concedem, expressa-se em oportunidade de fazer de novo aquilo que fizemos errado. Até aprender.

Morrer não é tragédia alguma e quase sempre — se o procedimento da pessoa foi satisfatório, mesmo dentro de suas óbvias limitações — é um momento de libertação e de reencontro com inesquecíveis amores. Nascer é que é problemático, porque trazemos programas e tarefas, obrigações e compromissos que nem sempre conseguimos cumprir de maneira adequada, quando não os agravamos com novos erros.

Entre vivos e mortos, ou seja, entre pessoas vivendo na carne e pessoas que vivem no mundo póstumo, há um intercâmbio muito mais intenso e ativo do que suspeitamos, ainda que dele nem sempre tomemos conhecimento consciente. Pessoas dotadas de faculdades especiais podem servir de intermediárias entre essas duas faces da vida, pondo em ação um processo que nos mostra importantes aspectos das condições que nos aguardam do lado de lá. 

Sempre é bom lembrar, porém, que tudo é vida, tanto deste lado como do outro. E que os “mortos” são pessoas, como nós. As crianças são gente, também. Pessoas adultas, vividas, experi­mentadas e dotadas, às vezes, de maior capacidade intelectual e maior bagagem cultural do que muitos de nós. A dificuldade que experimentam, nos primeiros anos de vida na carne, é apenas a de movimentar satisfatoriamente sua maquininha de viver na Terra, que só fica “pronta” para funcionar aí pela adolescência e, nas suas melhores condições, lá pela maturidade.

As limitações demonstradas pelas crianças, portanto, não são devidas à precariedade de seus espíritos, mas às deficiências do instrumento de que estão se utilizando para viver na Terra, ou seja, seus corpos físicos. Não poucos anos são consumidos em adaptar-se a esse corpo, à espera de que possa responder adequadamente aos comandos da mente que a ele se acoplou, quando o espírito dele se apossou no início da gestação. O aprendizado é lento e difícil, pois envolve muitas complexidades, ditadas pela necessidade de adaptação ao meio, desenvolvimento de um correto sistema de comunicação, formação cultural, recuperação de habilidades físicas e mentais, bem como uma técnica de convivência com os seres junto aos quais fomos colocados.

Os mecanismos da vida são sutis e inteligentes. Na formação do corpo físico pode-se observar uma recapitulação de multimilenares conquistas biológicas. E como se o corpo repassasse, em cerca de nove meses, todos os milênios de sua experiência filogenética, desde que, no dizer de Lyall Watson, a vida aprendeu a duplicar-se, ou seja, a reproduzir-se. Se Watson não se aborrece comigo, eu diria de outra maneira: não foi a vida que aprendeu o processo da duplicação, foi ela que o ensinou aos seres, porque tinha sobre todos nós planos que nem de leve poderíamos imaginar, pois não dispúnhamos, sequer, de imaginação.

Também o espírito parece fazer uma espécie de recapitulação do seu processo evolutivo.Embora venha para a existência corporal com todo seu potencial devidamente preservado e pronto para interagir com o meio, esse conhecimento e essa experiência pregressa ficam como que segregados em compartimento fechado, mas não de todo inacessível. Ele precisa de uma oportunidade, de um recomeço, como se recém-criado, simples e ignorante, como dizem nossos instrutores, o que vale dizer, em estado muito semelhante ao de pureza e inocência que se costuma atribuir às crianças.

Talvez tenha sido por isso que Jesus recomendou aos discípulos que não impedissem que viessem a ele as crianças, porque delas era o Reino de Deus. Regredido à sua infância espiritual, o espírito costuma ser simples, puro, ingênuo, espontâneo e autêntico. Está na fase em que se põe ao alcance de alguma influência, seja num sentido ou noutro, isto é, para o bem ou não. Muito do sucesso ou fracasso de tais influências vai depender das estruturas e matrizes comportamentais que a criança traga consigo, como espírito preexistente que é. Em intensidade maior ou menor, estaremos sempre abertos a certo grau de influência alheia, mas em nenhuma fase é tão evidente essa predisposição como na infância.

Daí a grave responsabilidade de pais, tutores, orientadores e educadores de crianças, que poderão ser estimuladas a dar importante passo à frente, desenvolvendo faculdades e potencialidades que trazem em si mesmas, como também poderão estacionar na ociosidade, ou até mesmo recair em situações que já poderiam ter sido superadas se lhes fossem incutidos os adequados hábitos de vida, as motivações corretas, o sadio propósito de caminhar no sentido da realização pessoal, como espírito, na ampla e luminosa perspectiva do processo evolutivo.

É da maior importância, em tudo isso, a presença de Deus, não como mero conceito teológico, ou necessidade de crer e conveniência de pertencer a esta ou àquela instituição religiosa, mas como convicção, como princípio ordenador de toda a existência, essência mesma do processo da vida.

Não temos de ser, necessariamente, cristãos, muçulmanos, budistas ou judeus para “salvar” nossa alma, de ir ao encontro das huris, de alcançar o nirvana ou de nos aninharmos no seio de Abraão. Tudo isso são imperfeitas imagens, maneiras inadequadas de figurar uma realidade única — a da perfeição espiritual, que Jesus conceituou como sendo a realização do Reino de Deus em nós.

Os livros sagrados de todas as religiões dignas de seu nome e tradição contêm princípios aproveitáveis, mas não é lendo tais livros, como se fossem meros tratados de filosofia ou praticando uma bateria de ritos e posturas, que vamos chegar ao estado de perfeição que a todos nos aguarda. É praticando mesmo, com convicção, as singelas leis do amor fraterno, pois o universo é uma só e imensa fraternidade, distribuída em incontáveis comunidades de seres inteligentes, espalhados pelo cosmo afora, de galáxia em galáxia.

Teríamos, pois, muitas perguntas a colocar em debate. A belíssima aventura de viver apresenta inúmeras facetas e aspectos. Um de tais aspectos é, justamente, o estimulante esforço da busca. Um espírito amigo, dotado de poderosa inteligência e rico de conhecimentos confessou-me, certa vez, que, longe de sentir-se frustrado pelo que ainda ignorava, a respeito das maravilhas da vida, mais fascinado se sentira perante as belezas que ainda tem a aprender nos imensos livros do infinito, mesmo porque ele, como nós, aqui, levava consigo mais perguntas do que respostas. Viver nunca será um ofício rotineiro.

Não foi nosso propósito, por isso, ensinar como são as crianças, como devem ser encaminhadas ou como podem ser desencaminhadas por nossa incúria: o objetivo foi o de questionarmo-nos juntos, trocar idéias, suscitar a doce ânsia de aprender mais, de decifrar outros enigmas da vida, ampliando o espaço do conhecimento, sempre conquistado pacificamente ao território desconhecido da ignorância, onde permanece a imensa reserva do saber futuro.

Se posso pedir-lhe algo, leitor, é que continue pensando, questionando e meditando. Se soubermos perguntar, com verdadeiro propósito de aprender e com a dose certa de humildade, a vida irá respondendo, ou, para dizer a mesma coisa de outra maneira, Deus em nós responde com a luz, fazendo recuar as sombras. É assim que podemos ver o quanto é belo e vasto o mundo que Ele fez para nós e que não estávamos percebendo precisamente porque a sombra estava em nós, não no mundo.

Como somos todos companheiros de jornada e a vida é um modo de viajar -. e não uma estação, como disse alguém —, é provável que nos encontremos por aí, durante a viagem. Ou que já nos tenhamos encontrado alhures, no passado.

Até um dia, portanto...

* * *

PS. — Alguns aspectos deixaram de ser aqui considerados, em primeiro lugar, para não avolumar demais o livro; em segundo, porque foram tratados em outros estudos meus, ou alheios. Ocorre-me lembrar quatro de tais aspectos: a educação, a família, a sexualidade e as drogas, que têm, todos, muito a ver com a temática deste livro. Ao leitor interessado recomendo o livro do querido amigo e companheiro de ideal Deolindo Amorim, O espiritismo e os problemas humanos, para o qual escrevi os capítulos finais, precisamente sobre os temas acima mencionados. É preciso não esquecer, contudo, que aprendemos mesmo é abrindo o
livro supremo da própria vida, para que ela mesma nos revele seus mistérios...




paz a todos...

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