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REFLEXÕES SOBRE A ADOÇÃO
DUAS VEZES LEVADA, pela regressão, ao período pré-natal, para melhor definição de certos aspectos, essa pessoa — uma mulher — contou a seguinte história pessoal.
Ainda na condição de espírito, no intervalo entre a existência anterior e a que estava sendo planejada, a pessoa decidiu nascer de determinado casal porque sabia serem eles possuidores de melhor material genético a oferecer-lhe, proporcionando-lhe as condições físicas e mentais de que ela pretendia ser portadora.
Sabia mais, contudo: que o tipo de ambiente desejado para sua educação só poderia ser proporcionado por outro casal, obviamente de seu conhecimento também. O projeto elaborado consistiu, portanto, em nascer de determinado casal e ser adotada pelo outro. O esquema previa, ainda, o nascimento no sexo masculino, o que acabou não se concretizando por causa de uma atitude confessadamente impaciente do espírito renascente.
(Lição número 1: gestos de impulsividade, impaciência e cólera, ainda que momentâneos e, aparentemente, sem conseqüências, geralmente desdobram-se em imprevisíveis e complexas amplitudes.)
Pelo que se depreende do breve relato da moça, o casal que ela escolhera como pais genéticos estava programado para ter dois filhos — uma menina e, ano e meio depois, um menino.
O segundo corpo é que estava destinado à cliente da dra. Helen Wambach. Impaciente, contudo, ela resolveu tomar o primeiro corpo para si e acabou nascendo como menina e não como menino, conforme planejado. Só por ocasião da regressão ela conseguiu entender porque se sentia pouco à vontade naquele corpo feminino. (Lição número 2: a troca de sexos pode acarretar problemas, alguns de considerável gravidade.)
Antes de prosseguir com este relato é necessário abrir espaço para alguns comentários esclarecedores. (Esta observação foi inserida a partir da quarta edição deste livro.)
Por ter sido redigida de maneira sumária e imprecisa, a observação contida dentro do parêntese, como “Lição número 2”, suscitou certas dúvidas e até contestação da parte de alguns leitores mais preocupados com a pureza doutrinária e que teriam entendido o texto como endosso meu à hipótese de que o espírito reencarnante mudara o sexo da criança em gestação, trocando-o de masculino para feminino. Realmente, o que está ali escrito poderia prestar-se a essa interpretação, mas não é o que ocorreu. Uma leitura atenta ao capítulo desautoriza, por si mesma, tal suposição, de vez que a entidade desejava, precisamente, renascer em corpo masculino, como havia planejado. Ainda que ela pudesse e conseguisse mudar o sexo da criança em formação, ela não o faria, exatamente porque era assim mesmo que ela queria.
O que pretendi dizer ali nada tem a ver com a troca de sexo no feto, depois de já estar definida a sua polaridade sexual, e sim, chamar a atenção para o fato de que podem ocorrer determinadas turbulências comportamentais quando essa troca ocorre de uma encarnação para outra. Em diferentes palavras: depois de uma série mais ou menos longa de existências no sexo masculino, a entidade que se reencarnar como mulher poderá — não necessariamente — encontrar dificuldades de adaptação ou sentir-se atraída pela prática do homossexualismo, por exemplo.
Sobre esse aspecto há no Capítulo 8 —“Para que nascemos?” — algumas observações específicas, ainda que breves. A própria moça que viveu esta situação, menciona seu até então inexplicável desconforto com o sexo feminino, no qual se encontrava reencarnada, quando teria preferido renascer como homem.
O leitor interessado em mais amplos comentários sobre o assunto deverá ler o módulo intitulado “Visão dualista do problema da sexualidade”, que escrevi para o livro O espiritismo e os problemas humanos, páginas 163 e 183, do saudoso e querido companheiro Deolindo Amorim.
Feito o esclarecimento necessário, voltemos à narrativa inicial. A modificação introduzida nos planos acarretou outra conseqüência, igualmente imprevista: os pais adotivos estavam “conversados” para receber um menino e não uma menina. A moça não conseguiu lembrar-se de tudo, mas declarou (acertadamente a meu ver) que “provavelmente teve de arranjar as coisas” para que ela fosse adotada e não seu irmão mais moço, cujo corpo ela havia escolhido previamente para ser o seu.
Essa conclusão me parece correta porque, inexplicavelmente, embora decididos pela adoção de um menino, os pais preferiram ficar com a menina, apesar de estarem ambos sendo oferecidos à adoção. (Lição número 3: intenso intercâmbio de idéias, propostas e acordos ocorre nos bastidores do mundo invisível sem que tenhamos consciência de toda essa atividade, a não ser fortuitamente.)
Isto levanta uma questão que eu havia deixado para discutir mais adiante, mas que podemos tratar aqui mesmo, para aproveitar o “encaixe” natural oferecido pelo caso.
É correto e aconselhável adotar crianças alheias?
A questão é bem mais complicada do que possa parecer à primeira vista, e não creio que devamos propor para ela uma resposta maniqueísta, sim ou não, preto ou branco. Como em tantas outras situações da vida, às vezes o melhor tom é o cinzento, e não as alternativas radicais.
O primeiro aspecto a considerar é o cármico. Penso que já deu para entender que os espíritos renascem com programas de vida bem detalhados e específicos, para executar determinada tarefa, especialmente aquelas em que o objetivo é o aprendizado ou reaprendizado do amor, como vimos anteriormente.
Sabemos que as leis de Deus são, ao mesmo tempo, severas e flexíveis, o que significa que não são punitivas, mas educativas, e que não impõem a correção senão na medida suportável pela pessoa, a fim de não sobrecarregá-la acima de suas forças. Se abusamos, por exemplo, da riqueza, é certo que vamos ter uma ou mais existências de pobreza e dificuldades. Se usamos a beleza física como arma ou instrumento de domínio, podemos contar com a feiúra mais adiante.Se esbanjamos de modo inconsequente a saúde, virão deficiências orgânicas.
Se tripudiamos sobre o amor que nos dedicaram pessoas abnegadas, é fácil prever existência futura (talvez mais de uma) em que amargaremos a solidão, o desamor, o abandono. A ação educativa vem, portanto, com os sinais trocados, na medida, extensão e teor do erro cometido.
Nem mais, nem menos, porque quando erramos produzimos automaticamente um “molde” a ser utilizado pelos mecanismos de reparação. Por isso a palavra carma quer dizer ação e reação e, por isso, alguns autores a chamam de lei do retorno. São maneiras diferentes de explicar o mesmo conceito básico de que você é responsável por tudo quanto faz de errado, e contabiliza a seu favor as boas ações praticadas, por mais insignificantes que elas sejam. Tudo conta ponto, de um lado ou de outro, negativo ou positivo. O resultado desse balanço é a medida da nossa paz interior ou dos distúrbios emocionais que ainda remanescem em nós, à espera de solução.
Segue-se que o espírito que nasce sob condições adversas tem algum compromisso pendente por ali, mesmo porque a lei não impõe sacrifícios inúteis ao inocente. Na sua fantástica complexidade, contudo, a lei é também de uma lógica e paradoxal simplicidade em tudo o que movimenta. Como dissemos há pouco, ela não é de uma inflexibilidade incontornável.
Por outro lado, ela não embaraça ou desestimula o exercício da caridade, muito pelo contrário, deixa sempre espaço para que entre em ação, a qualquer momento, a lei maior do amor ao próximo. Isto quer dizer que não devemos cruzar os braços ante um doloroso caso social, ante o sofrimento alheio, a penúria, a dor, a aflição, somente porque a pessoa fez alguma coisa errada no passado e, portanto, merece o sofrimento que lhe foi imposto. Não recusemos, jamais, a ajuda ao que sofre, sob o raciocínio farisaico de que ele tem mesmo de sofrer para aprender.
Qualquer um de nós, em semelhante situação, gostaria de um gesto de solidariedade, de amor, de ajuda, que nos aliviasse o sofrimento, por mais justo e merecido que ele seja. “O amor”, disse o apóstolo Pedro, “cobre uma multidão de pecados.
” Muitas vezes é o gesto fraterno de solidariedade e compreensão que vai disparar no espírito alheio o dispositivo da aceitação, da conformação sem revolta, do estoicismo, que compreendeu que os amplos territórios da felicidade começam logo ali adiante, depois de percorrido o caminho estreito e espinhoso do sofrimento regenerador.
Mas, afinal de contas, devemos ou não devemos adotar crianças?
Disse, há pouco, que não há respostas tipo preto ou branco, uma excludente da outra. Acho que a melhor regra, nesses casos, é agir segundo sua intuição, após ouvir, no silêncio da meditação e da prece, sua voz interior.
Na minha opinião pessoal (Atenção: pessoal, não uma regra geral ou norma.), a adoção é a solução humana indicada para os recém-nascidos abandonados ou para crianças entregues a asilos e orfanatos. Quanto às crianças encontradas em famílias presas a ambientes de pobreza e dificuldades, entendo que devam ser assistidas, ajudadas, orientadas, acompanhadas, porém mantidas no lugar onde estão. A transferência de uma criança de um contexto de pobreza e simplicidade para um de riqueza e sofisticação oferece insuspeitados riscos e inconveniências.
Julgo necessário explicitar melhor este ponto de vista. (Pessoal, não se esqueçam.)
Eu não havia formulado um juízo concreto sobre esse problema. Certa vez, contudo, há não muito tempo, um espírito contou, em nosso grupo, que após uma ou mais existências em que fora daquelas de quem costumamos dizer que “têm tudo” — beleza, riqueza, status social ou poder — ela se viu, finalmente, numa vida em que foi encaminhada para a extrema pobreza, a fim de reeducar-se, pois quando “teve de tudo” usou e abusou de seus poderes para errar, oprimir, impor sua vontade e fazer muita gente sofrer.
Pois bem, renascida em contexto de privação, onde estava programada para levar uma vida dura, difícil, mas honesta e regeneradora, alguém a tirou dali — era uma bela menina — e a levou para criar-se em ambiente de luxo, onde, novamente, se perdeu, atropelada pelas antigas matrizes espirituais de que não conseguira ainda livrar-se. Ao regressar ao mundo espiritual, seus compromissos tinham se agravado, em vez de levá-los pelo menos atenuados, ou, possívelmente, liquidados, quanto aos aspectos que tanto a infelicitavam.
Enquanto viveu, tudo parecia muito bem. Era a menina pobre e anônima que “subira” na escala social, vivendo como uma grande dama uma existência na qual, mais uma vez, empregou seus dotes de beleza física e muito da fingida “finura” de trato para, novamente, dominar e impor sua vontade caprichosa àqueles que a cercavam. Por isso, descera, espiritualmente, enquanto, pelos padrões humanos, havia se “elevado” socialmente.
Ela própria dizia agora, como espírito, novamente desencantada e insatisfeita consigo mesma, que teria sido preferível que a família rica que a adotou, ainda jovem, a tivesse ajudado a ficar lá onde estava, para que se reeducasse e considerasse as pessoas como seres humanos, não como peças de seu tabuleiro pessoal de xadrez, onde a vitória consiste em eliminar tudo o que se coloca no caminho que leva ao xeque-mate.
Sou francamente favorável à atitude de casais sem filhos, ou mesmo já com filhos próprios e alheios, que se decidem pela adoção de crianças abandonadas ou órfãs de pai e mãe. Pelo que tenho tido oportunidade de verificar no longo trato com os espíritos, muitas vezes o caminho para chegar a determinado casal passa por um nascimento desses, aparentemente fortuito e “por acaso”.
Um amigo meu, já idoso e com os próprios filhos criados, certa vez encontrou, à porta de sua casa, um recém-nascido a chorar. Recolheu-o, com todo o amor, e o está criando com o maior devotamento, apesar do sacrifício pessoal que isso significa para ele e para a esposa, já desobrigados de suas tarefas junto aos filhos. Diz-me ele, porém, que o menino — com mais de três anos a esta altura — é a alegria deles, a despeito de todas as canseiras e imprevistos que impõem os cuidados de uma criança. Como eu, também ele pensa que, de alguma forma misteriosa, aquele espírito estava mesmo destinado a eles, e algum vínculo deve existir a uni-los.
Em outro caso, para citar apenas mais um, confirmou-se, posteriormente, a existência de antigas conexões do casal com a menina que, como se diz, praticamente lhes caíra ao colo.
Até aqui tenho falado, neste particular, de minhas opiniões pessoais, enfatizando bem que não constituem regras gerais. Agora, não, falo sobre uma norma universal, infalível, insubstituível e eterna: é a lei do amor. Se você percebeu por aquela criança específica o suave calorzinho do amor, tome-a nos braços e deixe que o amor o inspire.
Se não lhe parece aconselhável pelas razões expostas ou outras que você admitir — levá-la para sua casa, mesmo assim dê-lhe seu amor, materialize esse amor em ajuda concreta, não excessiva, não sufocante e não possessiva, mas sob forma de apoio, para que ela possa viver onde está, minorando dificuldades, sem remover de seu caminho os obstáculos de que ela precisa para se fortalecer, ao aprender a superá-los.
E faça o possível para não interferir com o livre-arbítrio da criança e com o daqueles que a cercam.
Proporcione-lhe a orientação que você entender necessária e oportuna, mas deixe as decisões finais a critério de cada um Com isto, nos antecipamos um tanto ao nosso esquema. Voltemos um passo ou dois, porque ainda não conversamos sobre o que se passa na mente de um espírito nos dramáticos momentos em que ele está renascendo.
É o que iremos ver a seguir.
PAZ!
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