terça-feira

Morri ! e Agora? 16

 Capítulo dezesseis
Somos espíritos
Tinha muito medo, pavor mesmo de espíritos. Se me falassem que em tal lugar havia espíritos não passava nem perto. Somente depois de ter voltado à pátria verdadeira, a espiritualidade, foi que compreendi que somos espíritos e que eles coexistem no corpo físico.

Minha vida encarnada foi complicada. Éramos cinco irmãos, meu pai era pessoa severa, que nos educou dentro dos bons costumes, porém ele não tinha muita paciência comigo. Meus familiares achavam que eu era estranha, diferente dos outros.

Normalmente sabia o que iria acontecer com todos nós, quem da família morreria ou se acidentaria etc., isto é, previa o futuro. Via vultos, ouvia risadas e tinha horríveis pesadelos que se repetiam. Sonhava que estava num caminho estreito que contornava uma cachoeira alta e as águas batiam nas pedras. Pegava três crianças e as jogava lá de cima, e ria. Depois escutava um homem dizendo:

"Recorda seu crime! Você pagará por ele!"

Corria desesperada e caía. Acordava quase sempre gritando, suando e tremendo.

Não gostava de estudar e frequentei a escola somente por quatro anos. Meus irmãos arrumaram empregos e eu fiquei ajudando minha mãe nos serviços de casa. Mesmo sendo estranha, medrosa e saindo pouco de casa, arrumei um namorado, que era nosso vizinho. Meus pais gostaram dele, pois era um moço simples, trabalhador e bondoso.

Num domingo, meu pai, um dos meus irmãos e esse moço foram pescar. Aconteceu  um acidente: eles estavam num barco e afastaram-se muito da praia, quando foram surpreendidos por uma forte tempestade. O barco virou e somente meu irmão se salvou.

A tragédia me abalou muito e nunca mais fui a mesma. Sentia-me perseguida, ouvia sempre as risadas, os pesadelos se intensificaram e comecei a ver meu ex-namorado afogado me pedindo para tirá-lo do mar.

Sofri muito. Não ficava sozinha, passei a dormir com minha mãe. Estava sempre chorando, minha família me levou a médicos e tomei medicações fortes. Depois de um tempo parei de ver meu ex-namorado.

Minha mãe me levou a muitos lugares para receber bênçãos, mas não melhorava.

Fomos a um centro espírita e lá disseram para mamãe que eu necessitava voltar mais vezes. Mas com medo até do nome do local que tinha espírita, não quis ir mais Passei a ver nos pesadelos o dono da voz que me acusava, era um homem que deveria ter sido bonito, mas quando me olhava com seu olhar frio, transmitindo ódio, era aterrorizante. Acordava e sentia-o ao meu lado.

Anos se passaram. Minha mãe ficou doente e se preocupava muito comigo. Meus irmãos casaram e ela sabia que quando morresse não iriam me querer na casa deles. Às vezes, até meus sobrinhos tinham medo de mim.

Escutava uma voz, sabia ser daquele homem que via nos pesadelos, ele me dizia:

- Suicida! Não seja covarde! Se você matou as crianças, tenha coragem e se mate!

- Não! - respondia e às vezes até gritava. - Não vou me matar! Não vou assassinar mais ninguém!

Todos achavam que eu falava sozinha, mas estava respondendo à voz que escutava, do obsessor.

- Mamãe - eu pedia -, vigie-me, não quero me matar!

Um dia saí de casa para dar uma volta e tive vontade de me jogar na frente de um caminhão. Cheguei a ficar parada no meio da rua escutando a voz: "Mate-se covarde!

Morra!".

Pessoas que passavam pela rua ao me ver ali parada, gritavam comigo: - Sai da rua, Maria do Carmo! Vai para casa!

Uma vizinha me pegou pelo braço e me levou para meu lar. Chorei muito e resolvi não sair mais de casa sozinha.

Esse espírito me falava muito para que me matasse.

Mas resisti, somente iria morrer quando Deus quisesse, quando findasse meu tempo de encarnada.

Tomava remédios fortes que me davam um pouco de alívio, mas tinham muitas contra-indicações, davam-me dores no estômago e na cabeça.

Como é ruim estar o tempo todo com alguém que nos odeia.

Mamãe passou a frequentar um centro espírita, melhorou de sua doença e eu também. Embora com muito medo eu ia, às vezes, com ela e comecei a me sentir melhor.

As pessoas que frequentavam esse centro espírita eram bondosas e me tratavam muito bem. Para não dizer que ia num lugar onde tinha o nome espírita, referia-me a ele: A Casa do Caminho, era como chamava. Eles me deram de presente O Evangelho Segundo o Espiritismo" e passei a lê-lo, gostava muito do capítulo: Amai os inimigos e as orações pelos obsessores'2.

Foi-me recomendado que perdoasse aquele desencarnado quê me perseguia e lhe pedisse perdão. Comecei a falar com ele quando o sentia por perto

- Meu irmão, não sei o que lhe fiz. Deve ter sido uma grande maldade para você me odiar assim. Peço-lhe que me perdoe! Se fui má, não o sou mais. Hoje não faço nem sou capaz de fazer mal a ninguém. Rogo por Deus que me perdoe! É perdoando que somos perdoados!

Quando mamãe desencarnou eu estava com quarenta e dois anos e meus irmãos me colocaram num asilo. Não achei ruim, pois lá não ficava sozinha, dormíamos em quartos coletivos. Eles me deixavam ir duas vezes por mês na A Casa do Caminho.

Um dia, aquele homem, o obsessor, num sonho, despediu-se de mim, dizendo:

- Vou embora, Maria do Carmo! Adeus! Aproveite os anos que lhe restam na carne e seja boa!

Não tive mais pesadelos. Sentindo-me melhor, passei a ajudar meus companheiros. Minha família me esqueceu, raramente recebia a visita deles.

Desencarnei com cinqüenta e oito anos. Fiquei doente por meses, câncer nos pulmões, sofri muito, mas tive uma mudança de plano tranquila.

Mamãe me esperava, foi um reencontro alegre, adaptei-me facilmente a minha nova maneira de viver.

Naturalmente, recordei-me de alguns fatos da minha reencarnação anterior. Tive por amante um homem, aquele que foi meu obsessor, que era casado e tinha sete filhos.

Ele não me quis mais e me vinguei dele. Consegui enganar seus dois filhos pequenos que brincavam com um priminho deles.

Levei os três para um lugar perigoso, numa cachoeira que ficava perto de onde morávamos. Joguei-os nas pedras. Os três desencarnaram. Ninguém ficou sabendo do que fiz, porém meu ex-amante desconfiou.

- Foi você quem os matou! - acusou-me.

Como neguei, ele fez um juramento.

- Se foi você, eu saberei um dia e aí você me pagará, saberei cobrar até o último centavo!

Separamo-nos e não o vi mais. Anos depois, sofri um acidente e fiquei paralítica. Passei a morar sozinha numa casinha simples e pobre, necessitava de esmolas para me alimentar.

Numa tempestade, um raio caiu em minha casa, e essa acabou pegando fogo. Não podendo sair, morri queimada.

Sofri muito quando desencarnei, foi um horror defrontar com a realidade, ir para a espiritualidade com tantos erros cometidos e sendo homicida. Padeci no umbral por anos. Fui socorrida quando me arrependi com sinceridade, e fiz uma promessa a mim mesma de não errar mais. Reencarnei e recebi o nome de Maria do Carmo e esse que fora meu amante, o pai de duas das crianças que assassinei, ao desencarnar soube de toda a verdade, procurou-me, encontrou-me encarnada e vingou-se obsediando-me.

Vivi no envoltório físico atormentada. Quando começamos, mamãe e eu, a frequentar o centro espírita, os trabalhadores desencarnados de lá foram orientando-o e aos poucos ele foi compreendendo que o ódio não é bom, que deveria perdoar e cuidar da vida dele, pois ele também errara, traíra a esposa, havia me iludido e depois me perseguido.

Fiquei livre do seu ódio, mas não da reação de meus erros. Vivi sozinha, sendo incompreendida, sofri muito com medo e por minha doença, o câncer.

Desencarnei sem perceber, tive uma crise forte e essa foi suavizando, adormeci tranquila e acordei sentindo-me bem. Como tinha escutado o pessoal da A Casa do Caminho falar muito sobre desencarnação, desconfiei que estava na espiritualidade e quando vi minha mãe, tive certeza, e foi uma alegria.

- Mamãe - disse ao vê-la -, o que será de mim agora?

- Será feliz, porque merece!

Confiei na minha mãezinha e hoje sou feliz, como também muito grata por termos a oportunidade da reencarnação. Desencarnar tendo como bagagem os erros cometidos é muito triste, deixa-nos inseguros e com medo. Mas quando voltamos ao plano espiritual sem erros e com algumas boas ações, esse retorno é agradável.

Às vezes, perseguições como obsessões, impulsionam as pessoas a melhorar seu caráter. Esse meu ex-amante me perseguiu, mas não me impediu de progredir.

Quando me senti adaptada tivemos um encontro. Ele se preparava para reencarnar. Pedi-lhe perdão, perdoamo-nos e abraçamo-nos como amigos.

Fui, quando encarnada, obsediada! E isso foi possível porque somos donos de nossos atos. Sentindo-me culpada deixei que outro me cobrasse. Tudo o que fazemos prejudicando o nosso próximo nos faz correr o risco deste não nos perdoar e nos perseguir.

Estou estudando muito para poder fazer parte de uma equipe que ajuda tanto os obsediados quanto os obsessores.

Quero, com carinho, auxiliá-los, motivando-os a se perdoarem.

Hoje, acho engraçado o medo que eu tinha dos espíritos. Somos todos nós espíritos, esteja esse revestido ou não do corpo físico.

Maria do Carmo

Explicações de Antonio Carlos

Maria do Carmo tem razão, são obsediados os que permitem. Sentindo-se culpados e devedores aceitam a interferência de outros que lhes cobram, que querem que sofram o que fizeram sofrer.

Ambos, obsediado e obsessor, necessitam de tratamento onde o perdão tem de ser sincero. A reconciliação é necessária.

Nossa convidada recordou-se de duas de suas desencarnações e pôde compará-las:

na anterior, em que fez a mudança de plano levando consigo muitos erros, fora homicida, sentira um medo terrível, e sofrera muito. Nessa última, confiou plenamente em sua mãe que lhe disse que seria feliz. Mereceu o socorro e fez sua passagem tranquila.

Maria do Carmo sofreu por medo, por se sentir diferente e por solidão. Embora tenha aceitado essa perseguição, lutou contra as sugestões desse desencarnado que a odiava e que dizia: mate-se. Esse obsessor sabia que suicidas padecem muito, e como queria vê-la sofrendo mais, queria que ela se matasse. Mas se ela tivesse se suicidado não teria sido como ele queria, pois seria levado em consideração essa subjugação. Na última encarnação, nossa convidada não fez mal a ninguém e quando teve oportunidade, ajudou os companheiros do asilo. Não reclamou de seu sofrimento, suportou as dores da doença, o câncer, sem se queixar, e não teve receio da desencarnação.

Nem todas as obsessões são como a que aconteceu com Maria do Carmo, em que  houve a reconciliação e nenhuma tragédia. Muitos obsediados trocam ódio com os obsessores e não se perdoam. Infelizmente temos visto muitos obsediados se perturbarem tanto que até adoecem. E muitos outros fazem o que os inimigos desencarnados querem, mais atos errados, aumentando sua colheita de sofrimento. Ou até se suicidam perdendo a oportunidade do aprendizado no plano físico. O perdão é o remédio. O amor é o preventivo. 

Quem ama não faz o mal. E a obsessão é o resultado de maldades, erros e ausência de amor.
11 • KARDEC, Alian. O Evangelho Segundo o Espiritismo. São Paulo: Petit Editora (N.E.). 
12 • Maria do Carmo se refere ao livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 12 "Amai os Vossos Inimigos", item 5 "Os inimigos desencarnados". E também ao capítulo 28 "Coletânea de Preces Espíritas", item 5 "Pelos doentes e obsediados". Se o leitor quiser saber mais sobre o assunto, consulte: O Livro dos Espíritos de Allan Kardec. São Paulo: Petit Editora. Capítulo 9 "Intervenção dos espíritos no mundo corporal" (Nota do Autor Espiritual).

Paz a todos...

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