sábado

Morri ! e Agora ? 15

Capítulo Quinze
A guerra 
Eu Darcyllei, Darcy, como me chamavam e chamam, desencarnei numa guerra. Lembro-me de todos os acontecimentos e faço o relato como se falasse a você, amigo leitor.


Vivia encarnado muito bem. Se às vezes reclamava era por aborrecimentos simples ou corriqueiros.

Compreendo agora que era feliz. Família estruturada, pais bondosos, irmãos que me queriam bem, e eu a eles, esposa amada e uma filhinha linda e saudável.

Militar por vocação, almejava fazer carreira e me aposentar com patente de general. Para isso, era dedicado e estudioso.

Surgiu a guerra, num país longínquo. Não tínhamos nada que ver com essa disputa sangrenta.


Fui convocado junto com outros companheiros para participar do conflito. Fomos enviados para patrulhar o local como emissários de paz.

A despedida foi muito emocionante; sofremos. Abraçamos nossos familiares demoradamente. Recebi recomendações e fiz algumas.

Mamãe, minha esposa e minha filhinha abraçaram-me chorando.

- Deus o abençoe, meu filho!

- Tchau, papaizinho!

- Não esqueça de nós, amor!

E, lá fui eu. Terra distante, costumes diferentes, língua incompreensível, tivemos de nos esforçar para fazer nosso trabalho a contento. Fomos bem recebidos pela maioria da população, percebemos que eles sofriam demais. Muitos deles ansiavam pela paz. Soubemos de vários abusos, barbaridades e atrocidades. A guerra dá oportunidades para que muitas pessoas cometam atos que não seriam cometidos em outras épocas.

Percebíamos o sentimento de ódio nos olhares, nos gestos e nas falas.


Ficamos acampados perto de uma cidade. Por ali, eram poucas as famílias que não tiveram um de seus membros padecidos com aquela guerra. Por todos os lados havia sinais de violência; vimos sangue na terra batida de uma estradinha, que por ela íamos em direção a uma fonte de água.

Reuníamo-nos todas as tardes para orar pelos mortos, por aqueles que sofriam e por nós. Estávamos temerosos.

- Não estamos protegidos aqui - disse meu superior. - Eles se odeiam muito e desejam vingança. Não irão parar de guerrear. Devemos estar alertas.


Fomos atacados numa emboscada, à noite. Fui ferido, senti um ardume no peito como se tivesse sendo queimado Foram momentos de agonia, correria, gritos e tiros. Eu sangrava muito. Um médico aproximou-se de mim.

- Salve-me, por favor! Não quero morrer! - roguei.

Ele não entendeu o que falei, mas sentiu meu apelo, olhou-me com bondade.

Examinou-me rapidamente, colocou uma atadura no meu ferimento e disse algo que não entendi.

Compreendi que ele me acalentava, tentava me dar ânimo. Mas percebi seu pensamento, meu estado era grave.

Senti dores, fui sumindo, ou apagando, estava perdendo os sentidos, esforcei-me ao máximo para ficar acordado. Recordei-me.

Foi como ver um filme dentro de minha mente. Vi-me pequeno recebendo os beijos estalados de minha mãe. 

Papai sorrindo, abraçando-me. Meus avós me agradando e fazendo afago. Vi-me andando com mamãe, nós dois, passeando com nosso cãozinho. Minha mãe sorridente cumprimentando a todos: bom dia! E ela me dizendo:


"Filho, devemos desejar com sentimentos bom dia às pessoas! A felicidade está nas pequenas coisas, nos atos simples."

E os cumprimentados respondiam alegres e sorrindo.

Minhas formaturas. Lembrei-me da pré-escola, estava vestido de beca. Vi, num relance, os fatos importantes de minha vida: meu casamento, o nascimento de minha filha...

Ao me recordar dela, tive vontade de lutar pela vida. Com muito esforço abri os olhos.

Os tiros haviam parado, chegou o reforço. Outros médicos e enfermeiros entraram no nosso acampamento, colocaram-me numa maca e entramos numa ambulância. Mais confiante relaxei e apaguei de vez. Dormi


Acordei e senti algo estranho, sem entender como, vi-me sendo levado para o hospital, onde desencarnei. Em lances rápidos vi meu corpo ser levado para meu país e enterrado como herói. Senti por momentos a dor de meus pais, o choro de minha esposa e a lamentação de amigos.

- Não devo pensar nisso - disse baixo. - Não devo dar atenção a sonhos.

Abri bem os olhos e sentei no leito. Olhei curioso para o local em que estava e continuei a falar:

- Estou num hospital!

Estava numa enfermaria com muitos leitos, todos ocupados. Vi, no leito ao meu lado, um companheiro e amigo, estudamos juntos, e fomos convocados na mesma época.

- Você também está ferido? - indaguei-o.

Ele me olhou de forma estranha, parecia embriagado, pensei que talvez estivesse anestesiado.

- Não sei - respondeu ele. - Parece que levei um tiro, senti-o na cabeça e desmaiei. Acordei e não tenho nenhum ferimento.

- Vocês não estão desconfiando de nada? - disse um outro soldado do leito ao lado. - Fomos feridos e não temos ferimentos.


Acho que morremos! Deve ser isso, nosso corpo teve suas funções cessadas e, como espíritos não morrem, estamos nos sentindo vivos, porém estamos mortos.

Olhei para o meu peito, abri a camisa. Nada. Não havia ferimento. Alegrei-me.

Sonhara. Não tivemos ataque e não fora ferido.

Mas por que estava naquela enfermaria?


Senti um medo terrível e indaguei ao moço que falou:
- Por que disse isso? Acha mesmo que morremos?

- Não é agradável essa ideia. Mas estou raciocinando. Estávamos no meio de uma guerra horrorosa. Todas as guerras são horríveis!

Fomos atacados. Fui atingido aqui na testa, senti o sangue escorrer. Agora estou aqui nesta enfermaria
desconhecida. Li alguns livros espíritas, algo a esse respeito. Minha avó segue essa Doutrina e, segundo ela, morrer é assim mesmo. Algo bem natural.

- Não! Não quero morrer! Só tenho vinte e seis anos, estou noivo! Não quero morrer! Por Deus, não quero! 

- Meu amigo gritou desesperado.

Tremi de medo em pensar que fosse verdade, e também de ver meu amigo gritando.


Duas pessoas vestidas de branco vieram correndo para perto de nós. Tentaram acalmá-lo.

Não sei como, fizeram-no dormir, não vi aplicarem nada nem injeção. Fiquei encolhido no leito. Perguntei para a moça que viera com um senhor ajudar meu amigo:

- Estamos mortos? E agora?

- Acalme-se e confie! Em qualquer lugar que estejamos, Deus está conosco!

Tive vontade de chorar; ela se aproximou de mim, pegou na minha mão e continuou a falar:

- Darcy, você está entre amigos, não se desespere, ore e tente ficar tranqüilo.

Vivos estamos sempre, ocorreu com vocês uma mudança e...

- Malditos! Mato-os! Ignorantes! - gritou um rapaz que estava perto de nós e que saiu chutando tudo o que via pela frente.

O outro que estava ao meu lado me disse:

- Darcy, não faça como ele, se sair daqui irá vagar entre os mortos da guerra que se odeiam.

Não odiava, tinha pena de todos, principalmente dos que padeciam e de mim. Fui morto num conflito que nem era meu. A moça sorriu e me disse:

- Ainda bem, Darcy, que não odeia e sente que o conflito não é seu. Deite-se direito, relaxe e durma.

Ela, pelo visto, tinha muito que fazer. Escutei gritos de dor e revolta, e a moça afastou-se apressada. Olhei para o moço ao lado - o que havia falado comigo -, ele sorriu e disse:

- Chamo-me Téo, não se apavore!


- O que irá nos acontecer? - indaguei aflito.

- Temos de dar graças a Deus por estarmos aqui. Pelo que sei, estamos socorridos. Os desencarnados bons devem ter nos trazido para cá e nosso corpo físico deve ter sido enterrado. Venha cá! Venha espiar lá fora pela janela.

Levantou-se e aproximou-se de mim, puxando-me pela mão. Levantei, estava tonto, mas fui com ele até a janela que estava fechada por um vidro.

- Olhe, Darcy! Lá fora há guerra! Veja! Ali estão os que morreram sentindo ódio, eles continuam lutando. Vê aqueles ali? Sentem tanta revolta que se agridem.

Creio que nunca vou esquecer o que vi: muitos mortos como nós, sangrando, feridos; alguns pareciam atirar; outros se agrediam com facas, pedras, murros e tapas.


Xingavam-se e blasfemavam com muito rancor.

Chorei. A moça aproximou-se novamente. Nós dois a olhamos. Pedi explicações com o olhar. Ela falou compassadamente:

- Sentimentos fortes nos acompanham após o corpo físico ter falecido. Aqueles que vemos ali, são todos desencarnados, isto é, vivos em espírito. Não somente guerreiam, mas se odeiam. O ódio os perturba e continuam querendo o mal do próximo, dos que julgam inimigos.

- Até quando ficarão assim? - perguntou Téo.

- Até se sentirem cansados de sofrer e resolverem perdoar e pedir perdão - respondeu ela.

- O que vai ser de nós? - perguntei.


- Serão transferidos para o país de vocês. Lá irão para as cidades espirituais, as quais chamamos de colônias, e que se localizam no plano espiritual, perto da cidade em que residiam quando encarnados. Nesse local irão receber orientações e aprenderão a viver com o corpo que agora revestem: o perispírito. Verão que a vida continua!

Senti muita pena de mim, chorei e lamentei-me:

- Nada será igual! Deixei os que amava!

- Tem razão - disse a moça -, nada será igual! A vida na espiritualidade é diferente, embora muitos a achem parecida.
Darcy, quando amamos, o amor nos acompanha, e esse sentimento nos fortalece. Você vai se acostumar! Também deixei o corpo jovem, família, um noivo e muitos amigos.

Pensei, ao voltar para a espiritualidade, que os havia perdido. Mas não, eles continuaram me amando e eu a eles. Senti muito por ter feito essa mudança, mas como sempre, resolvi reagir. Aceitei a desencarnação quando passei a preocupar-me e ajudar os que sofrem.

Fomos transferidos. Embora achando tudo muito bonito, estava triste. Não queria ter feito a mudança de plano. Mas tive uma agradável surpresa: meus dois avós me esperavam e deles recebi afago, incentivo, carinho e orientação. Não foi fácil, a saudade doía e queria estar encarnado.

Desejava estar em casa, vendo minha filhinha crescer, ajudar minha esposa e beijar meus pais. Atos simples que gostava tanto de fazer e que agora eram tão valiosos para mim.

Meu tempo foi preenchido. Para aprender a viver no plano espiritual fui estudar. Passei a realizar tarefas, a participar de um coral, a praticar esportes e a ler livros.

Um dia, percebi que estava adaptado. Recebi visitas de meus familiares encarnados e pude vê-los em ocasiões rápidas.

Sou útil e me esforço para ser cada vez mais. Nos dois planos, físico e espiritual, faltam servidores. Sabendo disso, desejo ser um servo e fazer com carinho um trabalho de auxílio. Aquela socorrista, que me ajudou no posto de socorro daquele país em guerra, tinha razão: somente estaremos bem quando a preocupação com o próximo for maior do que conosco.

Darcyllei.

Explicações de Antonio Carlos

Não é agradável ver uma batalha onde as pessoas se ferem ou se matam. É mais triste ainda ver esses 
acontecimentos do plano espiritual. Muitos que desencarnam numa guerra podem ser socorridos de imediato, outros não. Vimos, no relato desse convidado, que ele e alguns companheiros puderam receber o socorro. 


Os que odiavam, desligaram-se do corpo físico morto; porém sentiram os ferimentos e a dor lhes dava mais revolta, por isso continuaram guerreando.

Devemos orar sempre para que os homens se entendam e que não se faça mais guerras.

Darcy sentiu a mudança de plano, e é natural que muitos a sintam. Deixar tudo o que se ama não é fácil. Mas, diante da desencarnação, temos de nos esforçar para acostumarmos a viver na espiritualidade e amar também outras coisas e pessoas.

Jesus nos recomendou que nos cingíssemos com cinto para a viagem. Naquele tempo as viagens eram feitas quase sempre a pé e era necessário um bom preparo.

O Mestre Jesus compara a desencarnação com uma viagem que teremos de fazer, e como não sabemos quando iremos viajar, devemos estar preparados. Reencarnar, viver provisoriamente no plano físico encarnado e desencarnar são acontecimentos naturais; sábios são os que conseguem compreender isso. E esse convidado terminou seu relato com uma grande verdade que se resume em: É dando que se recebe.











Paz a todos...

Nenhum comentário: