sábado

O Voo da Gaivota XVIII

Gaivotas voando sobre o mar
A História de Elisa
Numa das minhas folgas, fui visitar Elisa. Queria rever minha amiga e tinha muito interesse em acompanhar a recuperação de Walter. O desiquilíbrio psíquico causado pelo uso das drogas traumatiza de forma profunda o perispírito do usuário.

Atualmente, esse vício atinge boa parte dos nossos jovens encarnados, trazendo-lhes morte corporal e levando a voltar à espiritualidade com muitas mazelas. O caso de Walter era de meu interesse,pelo socorro de que participei e pelo muito que aprendi. Marquei encontro em meu horário livre, de lazer, coincidindo com o dela, para podermos conversar calmamente, trocando ideias, pois gosto muito de diálogos edificantes.

Elisa esperava-me na portaria do hospital em que, no momento, trabalhava e onde Walter estava internado. Alegramo-nos quando nos vimos.

- Patrícia - exclamou Elisa feliz -, programava ir vê-la. Que bom tê-la conosco!

Quero agradecer-lhe. Foi muito atenciosa conosco.

Sorri em resposta e minha amiga, como boa cicerone, acompanhou-me para conhecer o hospital.Quase todas as Colônias têm um hospital próprio para viciados em álcool, tabagismo e tóxico.

Em algumas outras colônias, esses doentes ficam em alas separadas, em hospitais tradicionais.

Na Colônia Perseverança, o hospital é separado, grande e com muitos trabalhadores dedicados que ajudam na recuperação de desencarnados viciados.(16) Lugar calmo, com muitos jardins, salões para palestras e encontros; suas principais terapias são o trabalho, a música e o teatro. Suas enfermarias são separadas por alas masculinas e femininas e pelo tipo de vício que o infermo possui.

Primeiramente, vimos a parte central onde se situam as salas de orientações, os alojamentos de seus trabalhadores, a biblioteca e os salões. Após,Elisa me levou para conhecer o atendimento aos desencarnados que, no corpo físico, foram fumantes. Estes, se tinham só esse vício, não ficam internados, só vêm ao hospital para serem ajudados a se libertar da vontade de fumar.

Só em casos raros é que um ex-fumante se interna, e isso se pedir, mas, mesmo assim, sempre por pouco tempo. O tabagismo intoxica bastante o perispírito e, nessa parte, fazem tratamento para que o assistido se liberte da dependência, sendo assim, ele recebe conhecimentos sobre o assunto, orientação e apoio que o ajudarão a resolver o problema.

Mas só o conseguirão se, novamente reencarnados e tendo oportunidade, não fumarem. Ressalvo o termo oportunidade, porque, se estiver encarnado e, por algum motivo, não puder fumar, não quer dizer que tenha solucionado a questão. Isso acontece com todos os vícios, e só podemos dizer que os vencemos, quando temos oportunidade de voltar a eles e os ignoramos.

A ala dos alcoólatras é grande.O álcool danifica o cérebro, e o aparelho digestivo, sendo muitos os doentes a se recuperar em vários estágios nessa parte do hospital. Os infermos, quando melhoram, assistem a muitas aulas, fazem terapia de grupo e avaliam todos os acontecimentos passados por eles, decorrentes do vício, e apreciam as oportunidades de melhora oferecidas.

A parte que nos interessava, era a que Elisa se dedicava com todo carinho, a ala dos toxicômanos. Infelizmente esse local do hospital e os de todas as Colônias têm sido ultimamente ampliadas. São muitos os imprudentes que desencarnam vítimas, direta ou indiretamente, das drogas.

Os que estão ali socorridos, têm aspecto bem melhor dos que os que vagam ou os que estão no Umbral. Nas Colônias, são separados pelo grau de perturbação em que se encontram e o tratamento normalmente é longo, requerendo esforço do internado, e muita dedicação e amor dos trabalhadores.

Não pensem os leitores que nesses hospitais só se vêem tristezas. Nada disso. Tristeza é sentimento negativo. Não ajuda e para nada serve, pois só construímos e progredimos com (16) - Muitos desencarnados estão tão agarrados à matéria, que se sentem por muito tempo como encarnados, daí a minha referência a "desencarnados viciados". (N.A.E.) o trabalho alegre. Os trabalhadores dali tinham sempre no rosto o sorriso bondoso e agradável, a palavra amiga e o amor que irradiava e contaminava os internos e, assim, os temporariamente abrigados se sentiam seguros,incentivados, amados, e com disposição para se recuperarem.

O hospital da Colônia Perseverança é muito bonito e acolhedor. Elisa me levou à ala onde Walter estava abrigado, e ele nos esperava no jardim interno que circunda a parte de sua morada provisória. Recebeu-nos sorrindo e estava com aparência sadia, com normal equilíbrio.

- Patrícia - disse sorrindo -, queria tanto conhecê-la e agradecer. Obrigado!

- De nada - respondi. - Como tem passado?

- Melhoro, graças a Deus e ao pessoal do hospital. Vou ficar bom logo.

Walter estava com a aparência de adolescente, como aparentava naquela reunião do Centro Espírita. E continuaria assim porque queria essa aparência, a que tinha antes de se drogar.

Isso lhe dava mais confiança. Outros, após o tratamento no hospital, podem retomar, se quiserem, a aparência de quando desencarnaram, só que com aspecto sadio.Sentamos os três num banco e fizemos alguns comentários. Elisa falou alegremente:

- Estou gostando muito de trabalhar neste hospital. Aqui vim por Walter, mas agora não penso em deixá-lo. Quando Walter tiver alta, ficarei, de vez que já decidi e obtive autorização.

Estudarei, para aprender e melhor servir neste campo de ajuda. E você, Patrícia, quais são seus planos para o futuro?

- Como você sabe, gosto muito de ensinar. Logo, Marcela, a quem substituo, retomará a seus afazeres. Devo, então, voltar à Colônia Casa do Saber, continuar os estudos e trabalhar transmitindo meus conhecimentos a outros desencarnados.

Admirei o banco em que nos sentávamos, muito bonito e de contornos diferentes.

Notando, Walter explicou:

- Esses bancos são feitos por internos em nossas oficinas.

- O trabalho é de grande ajuda e uma das melhores terapias para nossos abrigados - disse Elisa,olhando carinhosamente para Walter. - Mas não só para eles e, sim, para todos nós,encarnados e desencarnados. O trabalho é bênção. Corpos e mentes ociosos estão com as portas abertas aos vícios, enquanto que o trabalho nos mantém ocupados e nos abre outras portas opostas a eles.

Aqui em nossas oficinas se faz muita coisa. No Plano Espiritual, tudo pode ou poderia ser plasmado. Mas os que sabem dar formas às coisas são poucos, pois necessita-se de tempo e de muito aprendizado para a tarefa. O trabalho é uma bênção que ajuda intensamente a todos nós e, na espiritualidade, representa importante benefício, existindo trabalho, do mais simples ao mais difícil, para todos os que quiserem. Inúmeros desencarnados ainda estão muito apegados ao modo de vida na Terra e, assim, quando trabalham, lhes é dado o bônus-hora.

Os que já superaram esse apego, entendem o porquê do trabalho e não mais necessitam esse tipo de remuneração. Pessoas que já trabalham sem esse apego, quando chegam ao Plano Espiritual, participam da vida aqui, exercendo suas tarefas pelo Amor ao trabalho, não exigindo nada em troca. No hospital, os internos que ali auxiliam, rece bem os bônus-hora, mas são poucos os trabalhadores que servem no hospital e que os recebem. Há muito tempo que não os necessito, mas lembro-me de minha alegria, quando obtive meu primeiro bônus-hora.

Foi uma euforia trabalhar e ter uma compensação. Agora, minha alegria é somente ser útil. Não almejo recompensas.

Quietamo-nos por alguns segundos. Meus pensamentos vagaram pela trajetória vivida por pessoas como Walter. Suas existências, até serem socorridos, são uma verdadeira tragédia.

Elisa quebrou o silêncio.

- Patrícia, você não pode imaginar o tanto que sonhei, por todos estes anos de desencarnada,com este momento. Estar assim com meu Walter, em plena recuperação. Sou muito grata a Deus por esta oportunidade.

Fechou os olhos por momentos e depois começou a falar com sua voz suave.

- Tudo começou em nossas encarnações anteriores, em que fomos unidos pelo afeto maternal.

Fui mãe dele, meu nome era Gertrudes. Nasci e cresci num bordel de uma cidade pequena, onde me tornei prostituta logo mocinha. Aos vinte anos, tive um filho, José, que é o Walter de agora.

Até os seis anos, minha avó, que morava perto, cuidou dele. Quando ela desencarnou, ele veio morar comigo. Mimei-o demais, dando-lhe tudo o que queria e, muitas vezes, eu justificava minhas atitudes, falando que isso era bom para ele. Menino ainda, começou a tomar bebidas alcoólicas, e achei linda sua atitude.

O tempo passou rápido e ele tornou-se moço, foi então que percebi que ele andava se embriagando demais e tentei fazê-lo parar, só que não consegui. Quando chamava sua atenção, me respondia grosseiramente:

"Bebo por você ser o que é. Gostaria de ter uma mãe trabalhadeira e honesta!"

Isto me feria muito. E ele se embriagava cada vez mais, até que passou a ficar quase que somente bêbado. Desencarnamos quase que na mesma época. Fiquei doente e desencarnei após muito sofrimento. Ele ficou pelo bordel, onde todos o conheciam e lhe davam de comer, além de bebidas. Desencarnou ao cair de uma ponte alta e bater a cabeça nas pedras.

Sofremos,vagando juntos, pelo Umbral. Ele, sempre me culpando, dizia:

"Se tivesse me batido na primeira vez que bebi e não achado graça, eu não teria me tornado um bêbado."

Depois de muitos sofrimentos, fomos auxiliados e levados para um Posto de Socorro, onde ficamos por um período. Aconselhados a reencarnar, pedimos para renascer em famílias de costumes rigorosos que nos ajudassem a superar nossos vícios.Atenderam-nos e reencarnamos, e viemos somente como conhecidos, nem amizade tivemos. A família que me abrigou, educou-me com costumes rígidos, o que achava certo, pois me sentia segura.

Queria acertar, queria vencer o vício e consegui. Fui uma moça honesta e trabalhadeira e,por ser bonita, fui assediada por muitos rapazes, mas não dei importância a nenhum. Não desejava namorar, pois sentia que ia desencarnar logo e não queria deixar ninguém mais a sofrer por minha causa. E, realmente, tive câncer e desencarnei.

Meus pais e meus irmãos sentiram bastante minha falta, mas não me atrapalharam e muito me ajudaram com suas preces. O resto você já sabe.Walter prestou muita atenção no que ouvia e, após uma pausa, disse:

(17) - A Colônia Casa do Saber, que descrevi no terceiro livro, A Casa do Escritor, é onde moro atualmente, ao escrever este livro. E tenho planos de ficar aqui por muito tempo, sendo que virei raramente à Terra, para o contato com os encarnados. Foi uma opção que fiz, atendendo convite de superiores. É tarefa que faço com muita alegria, porque somos sempre os beneficiados pelas responsabilidades que nos oferecem. Devemos, pois, participar de todas elas com muito regozijo e amor, e dessa forma tudo o que realizarmos ficará bem feito.(N.A.E.)

- Ao ouvir Elisa falar, as cenas vieram-me à memória. Recordo... Era pequeno e já gostava de bebidas alcoólicas, e como minha mãe não proibia, passei a tomar muito, prejudicando-me.

Gostava do bordel, porque ali todos me tratavam bem. Depois me tornei tão dependente do álcool, que só ficava embriagado e, assim, quando desencarnei, sofri muito. Reencarnado, nesta última vez, como Walter, tive outra oportunidade, mas logo o gosto pela bebida aflorou forte em mim. Bebia escondido, porque meus pais me proibiam e, como a bebida deixava cheiro, dificultava-me dissimular.

Eles me vigiavam, regulavam meus horários e, percebendo minha tendência para a bebida, cheiravam minha boca sempre que voltava para casa. Então,enturmei-me com colegas na escola e experimentei a maconha e, depois de algum tempo, a cocaína. Comecei a tirar notas baixas, sendo ainda aprovado naquele ano, mas no ano seguinte, em que já me viciara pesado, as notas pioraram e meu comportamento estava péssimo. Meus pais foram chamados pela diretora e souberam de tudo.

Levei uma surra, tiraram-me da escola e passaram a me vigiar mais ainda. Desesperado com a falta da droga, fugi de casa e fui morar com viciados e traficantes num barraco. Meus familiares sofreram muito e meu pai, que era o mais rígido, mandou me dizer que ele ainda me aceitava em casa, se largasse o tóxico. Se quisesse ficar entre os criminosos, que os esquecesse, porque eu estava morto para eles. Como queria a droga, fiquei naquela vida.

Minha mãe vinha me visitar, às escondidas, e trazia roupas, alimentos e dinheiro, mas chorava sempre quando me via. Continuei me drogando cada vez mais...

Ao recordar esses momentos dolorosos, Walter começou a gaguejar, falando com dificuldade as últimas frases. Começou a ter uma crise. Elisa e eu lhe demos um passe, que o acalmou, provocando-lhe sono e nós o levamos para o leito na enfermaria. Elisa, então, terminou a narração do que aconteceu com Walter.

- Ele contraiu dívidas por causa das drogas e, como não conseguiu pagá-las, foi assassinado.

Desencarnou e continuou desesperado, alucinado pelas drogas, quando procurou o Túnel Negro.Naquele local eles ensinavam os desencarnados viciados a vampirizar encarnados para satisfazerem o vício e, também, o hipnotismo de Natan os fazia sentir como se tivessem usando drogas.

Nós ajeitamos Walter no leito e ele, sonolento, virou-se para mim e disse:

- Elisa não é culpada! Ninguém é responsável pelos nossos erros a não ser nós mesmos. Se antes eu a acusava, foi na tentativa de culpar alguém, de colocar em outros a responsabilidade que era só minha. Nesta última encarnação tive pais que se importaram comigo, honestos, exemplificaram o Bem e não tive a quem culpar a não ser a sorte, sendo que nossa sorte nos mesmos é que a fazemos. Não venci meu vício!

- Mas vencerá! - exclamei.

Walter dormiu.

- Como o tóxico prejudica a tantos imprudentes – disse Elisa. - Walter fará o tratamento muito tempo ainda, e só estará bem quando lembrar-se de tudo o que lhe aconteceu e não sentir nada. Ele tem aula de Evangelização, faz orações, tem terapia e acompanhamento psicológico. E também, Patrícia, como foi boa a regressão para Walter, a doutrinação que ele recebeu, na reunião Espírita.

Elisa ajeitou o lençol do leito dele com carinho de mãe e, em seguida, saímos silenciosas do quarto.

continua....

bjs,soninha

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