sábado

A Casa do Escritor XV


XI - FATOS INTERESSANTES
Aprendi muito tomando parte nas conversas pelos pátios.

Eram conversações sadias e cheias de conhecimentos. Grupos afins, estudiosos e amantes da boa Literatura. Quase todos ali estavam por amar os livros, mas havia algumas exceções. Não que estas exceções não amassem a literatura, mas ali estavam também por outra finalidade ou por motivos diferentes da maioria.

- Patrícia - disse Marcelo - sou uma destas exceções. Gostava e gosto muito de ler. Tentei aprender a escrever, mas não deu, estou desistindo.

- Por quê? - indaguei.

- Queria aprender por amor. Não por amor à Literatura, mas a uma pessoa. Amo muito uma mulher. Estamos juntos há muitas encarnações. Faz cinco anos que desencarnei e ela ainda está encarnada, fomos casados por trinta e dois anos.

Vivemos felizes e unidos. Tenho saudades dela aqui e ela lá de mim. Quando ela desencarnar estaremos juntos, demorará ainda alguns anos, enquanto a espero, tento estudar e ser útil. Vim aqui estudar porque ela gosta muito de poesias e reclamava por não conseguir escrever nenhuma a ela. Pensando em agradá-la, quis vir aprender aqui, para que, quando estivesse desencarnada, ela pudesse ler belas poesias. Mas vi logo que este estudo não é para banalidades românticas. Não devo ocupar lugar de outro e nem o meu tempo.

- Marcelo, como sabe que estarão juntos você e ela, na próxima encarnação?

- Não temos porque nos separar. Não erramos, não temos carma negativo a quitar.

Temos um pelo outro um amor sincero, somos companheiros de progresso.

Depois, somos realmente almas gêmeas.

Conversamos mais um pouco e ele se despediu.

- Até breve, amiga! Desejo-lhe êxito nos seus planos. Devo partir logo.

Marcelo saiu, fiquei pensando no que me disse e querendo saber de mais detalhes. Foi uma felicidade encontrar o diretor e, após os cumprimentos, demonstrei vontade de fazer algumas perguntas.

- Patrícia, pergunte o que quiser, responderei como puder - disse rindo.

- Conversava com Marcelo, que se despediu. Abandona o curso? - indaguei,sorrindo, e contente por achar alguém para me esclarecer.

- Abandonar não é o termo certo. Não irá concluí-lo por não ter vocação, dom para escrever, ou mesmo interesse sincero.

- A Casa do escritor não sabia deste detalhe ao inscrevê-lo?

- Sim, sabíamos. Tanto que o colocamos como excedente no seu curso.

Aceitamos porque estava entusiasmado dizendo querer muito. Costumamos aceitar casos assim, como este de Marcelo. Alguns, ao nos procurar, dizem desejar concluí-lo e que estão realizando seus sonhos. Sabendo-se da possibilidade de não concluírem o curso, colocamo-los como candidatos a mais na sala de aula, para não ocuparem o lugar de outro.

Mas, no decorrer do curso, alguns podem concluir com êxito e outros, logo que o curso começa, vêem por si mesmos que estão deslocados, que não são capazes de cursá-lo e pedem para sair. Patrícia, se não aceitarmos suas inscrições, podemos estar recusando a um destes que acabam por concluí-lo e que podem vir a ser ótimos escritores e trabalhadores da Casa. Como também podemos estar impedindo alguém de estudar e ser útil neste campo. Marcelo queria aprender para fins particulares, como agradar o espírito que ama. Este nosso estudo, que envolve trabalhos de tantos, só pode dar certo para fins úteis a muitas pessoas.

- Ele me disse que na próxima encarnação encontrará e ficará junto com a sua amada. Isto é mesmo possível?

- Sim, os dois estão unidos e caminhando para o progresso. São dois espíritos abnegados que cuidaram com amor por muitos anos de um asilo de idosos, com muita honestidade, caridade e paciência. Não tem por que, se é da vontade deles, separá-los.

Certamente quando forem reencarnar combinarão para se encontrarem e ficar juntos.

- Existem muitos casos como o dele? De pessoas que combinam ficar juntas?

- Existem, sim, mas não são a maioria. Nem todas as pessoas estão juntas por afinidades de sentimentos sinceros. Tenho visto muitos casais que encarnados são exemplos de carinho e de ajuda mútua. São casais como Marcelo e sua amada. Não precisam ser exatamente bondosos como eles foram. Se não for por aprendizado ter de separá-los, ficam juntos como é da vontade deles.

- Ele me disse que são almas gêmeas.

- Patrícia, almas gêmeas é uma expressão, um modo romântico para designar pessoas afins. Mesmo irmãos gêmeos na carne podem ser bem diferentes, costumamos dizer que espíritos afins são aqueles que combinam, têm os mesmos gostos e ideais e que às vezes estão juntos há muitas encarnações. Tanto podem ser bons ou maus.

Devemos amar cada vez mais a todos, tentando nos educar moralmente, progredir e ajudar o maior número de pessoas a progredir também para o Bem. Amar todos como irmãos é evoluir. E não se deve ter este amor a número limitado de pessoas.

- O que você me diz do que estão fazendo algumas pessoas casadas encarnadas que se separam, dizendo que encontraram sua cara-metade e querem ficar juntos?

- Na carne, deveriam levar a instituição do matrimônio mais a sério, não casar sem pensar e nem separar sem pensar duas vezes. Principalmente tendo filhos. Os casais deveriam se conhecer melhor, casar conscientes do que seja viver junto. Uma vez casados, tudo deve ser feito para que a união dure.

A desculpa dada de ter encontrado sua outra metade não é válida. Mesmo que tenha acontecido este fato, não se deve construir nossa felicidade sobre a infelicidade de outras pessoas, principalmente de filhos, que são sempre os que mais sofrem com os erros dos pais.

Agradeci a este meu simpático amigo, diretor da casa, estava sempre a indagar e ele sempre gentilmente me atendendo.

Numa tarde, estudava no pátio embaixo de uma árvore frondosa, cheia de flores perfumadas e brancas.

- Bom dia! - cumprimentou-me um senhor em Esperanto.

- Posso me sentar aqui?

- Bom dia! Fique à vontade.

- Tenho que ler este livro e resumi-lo.

Sorri ao meu companheiro dando-lhe as boas-vindas, respondi também em Esperanto, gostamos de conversar neste idioma. O livro que trazia consigo era Renúncia, de Emmanuel, psicografado por Francisco Cândido Xavier. Leu algumas páginas em silêncio, depois voltou a conversar comigo.

- Chamo-me Norberto. E você?

- Patrícia.

Conversamos sobre cursos, falei o que fazia e por quê.

- Eu - disse ele - preparo-me para escrever aos encarnados. Logo que o curso termine e iniciar outro, irei cursá-lo. Por enquanto, estou lendo a Literatura Brasileira, principalmente a Espírita e aprendo a Língua Portuguesa. Venho de um país da Europa.

Vivi lá na última encarnação, onde fui escritor. Escrevi sob a orientação de um espírito muito querido. Ele desencarnado me intuía a escrever. Agora, eu estou desencarnado e ele encarnado no Brasil, por isso vim estudar aqui.

- Gosta daqui? - indaguei.

- Sim, muito.O Brasil é muito bonito. Mas o que mais encanta é a Literatura Espírita, ela é farta e rica. Não só quero intuir meu amigo como também trabalhar junto ao meu país de origem, motivando-os a traduzirem obras Espíritas para instruir meu povo.

- Você disse meu país, meu povo. Você ainda separa. Não sente a Terra por
moradia?

- Estou chegando lá, riu. Foi uma forma de dizer. Corrijo-me: quero levar a Literatura Espírita para todos os outros países da Terra. Como este livro que estou lendo. Para melhor aprender a Língua Portuguesa, estou fazendo trabalhos assim, leio livros e resumo em Português. Aprendo duas vezes, porque as lições que estes livros nos dão são encantadoras.

- Que tal falarmos em Português? - disse-lhe. - Leia e o corrigirei.

Assim fizemos, ele leu e eu ia ensinando-lhe a pronúncia. A Língua Portuguesa é de fato muito difícil. Mas nosso amigo estava com vontade e aprendeu.

Uma vez ao sair do teatro encontrei Laura, já á a conhecia, mas foi a primeira vez que trocamos confidências.

- Sabe, Patrícia, matriculei-me no curso que prepara para ditar aos encarnados. Enquanto espero, estou tendo aulas de Português e Literatura. Gosto muito desta Colônia, amo-a mesmo. Mas encontro dificuldades, não gosto de ler nem de escrever.

- Por que quer fazer este curso, então? - indaguei curiosa.

Laura é moça, desencarnou aos vinte e cinco anos, é muito bonita. É morena clara, cabelos negros longos, olhos azuis sombreados por longos cílios.

- Quando encarnada namorei um escritor, vivemos juntos alguns anos. Fui a musa inspiradora dele. Ele só escreveu e escreve bobeira. Quero aprender a tentar intuílo.

- É melhor fazer o que gosta, Laura; só quando amamos fazemos bem feito.

Despedimo-nos. Dois meses depois, ela me procurou para despedir-se.

- Vou embora, Patrícia. Não consigo render nos meus estudos. Gosto mesmo é de lidar com crianças.Volto muito feliz para minha tarefa de cuidar dos nenês no Educandário da Colônia Amor Divino, de onde vim.

- Irá deixar seu escritor?

- Bem, a equipe da Casa irá visitá-lo e oferecer ajuda, se ele aceitar. Um espírito competente e com talento irá fazer o que eu almejava. Se ele não quiser, pelo menos se tentou. Acho que eu não conseguiria ajudá-lo.

- Boa sorte, Laura!

- Obrigada!

Uma tarde estava no pátio da frente e vi o diretor conversando com um senhor. Meu amigo me chamou e me apresentou.

- Este é José e esteve conosco uns meses, agora volta à sua Colônia de origem.

Após os cumprimentos, o diretor convidou José a falar de seu problema.

- Desencarnei por um acidente. Tinha alguns conhecimentos Espíritas, mas não o suficiente para me ter libertado do fascínio material. Mas, tudo bem, não posso me queixar, logo estava bem. Fui estudar e trabalhar. Desejando ditar aos encarnados, vim para tentar fazer o curso, mas desisto.

- E por quê? - indaguei.

- Não gosto nem de ler nem de escrever. Desisto por achar tudo muito difícil.

- Por que desejou fazê-lo? - perguntei novamente.

- Minha esposa é médium psicógrafa, embora não se interesse em trabalhar com seu dom. Queria estudar para tentar fazer com que ela trabalhasse com sua mediunidade e fosse útil. Fico pensando o que será dela quando desencarnar e vier com o seu talento enterrado. Não produziu, não multiplicou. Mas, como o diretor me dizia, todos temos o livre-arbítrio.

- Mas ela não tem um orientador desencarnado? – indaguei curiosa.

- Já teve. Um espírito bondoso e instruído tentou por muitas vezes ajudá-la no seu trabalho, mas ela desiste sempre arrumando desculpas. Como este espírito é laborioso, afastou-se e foi trabalhar com outra pessoa. Mas, se ela quiser voltar ao trabalho, poderá atrair um outro espírito capaz e instruído para ajudá-la. Isto também vai depender de sua intenção, porque nem estudar nem ler ela quer.

José se despediu e se afastou. O diretor me disse ainda:

- Nenhum dos dois têm vontade firme. Tanto que se ele quisesse e se esforçasse conseguiria estudar. Ler é um hábito adquirido. Aprenderia a escrever o suficiente, se quisesse, para treiná-la. Quanto à esposa, é pena deixar de fazer. Outra que conheci quando se despedia foi Florinda. É moça ainda. Este moça ou idosa a que me refiro é o aspecto, quase sempre é como desencarnou. É bonita e simples. Depois das apresentações, me disse:

- Não quero escrever, não tenho dom, não sei. Também não gosto de estudar.

Queria só fazer parte da equipe da Casa.

- Por que seu desejo de trabalhar na equipe? - indaguei.

- Acho lindo os livros, admiro quem gosta de ler. Queria incentivar as pessoas a lerem bons livros. Só assim poderia salvar muitas pessoas com a boa leitura. Mas não deu certo. Os professores são gentis, mas não me interesso. Acho que vou estudar na Colônia de Socorro e trabalhar com equipes de socorro.

Desejando votos carinhosos de êxito, despedimo-nos.

Mas indaguei o professor Aureliano que estava a par de seus problemas.

- Por que, Aureliano, Florinda não pôde ficar conosco?

- Para fazer parte da equipe da Casa do escritor é preciso ter preparo e conhecimentos. Infelizmente nosso trabalho é com intelectuais. Como ajudar sem o ser?

Como incentivar a boa leitura, se não lê?

Pensei muito neste fato. Só damos o que temos, só ensinamos o que sabemos,só podemos incentivar outros a fazer, se fazemos.

Mas, num ponto, Florinda tem razão, a boa leitura ajuda muitos, ah, como ajuda!

No final de uma palestra, Ana declamou uma linda poesia de sua autoria.

Encantou a todos. Quando terminou a reunião, ficamos conversando e Ana estava presente. Ela já estudou em nossa Colônia, atualmente faz parte do grupo de organizadores da casa.

Encarnada, foi uma excelente poetisa. Escreveu com muito talento obras belíssimas.

- Ana - indagou uma companheira -, você teve dificuldades para escrever quando encarnada?

- Para escrever, não. Sempre amei a poesia. Mas para editar, sim. Anos atrás o preconceito contra a mulher era grande. Usei até um pseudônimo. Mas valeu lutar pelo que amo.

- Que você faz atualmente? - indagou outro companheiro.

- Estudo poesias e as escrevo. Trabalho junto com a equipe da Casa. Logo, no ano vindouro, também lecionarei em cursos aqui.

- Você irá reencarnar logo? - perguntou um senhor.

- Certamente, daqui a alguns anos voltarei à carne e pretendo ser escritora e poetisa. Espero exaltar as belezas do Criador nos meus escritos.

Um companheiro me disse baixinho:

- Ana é muito culta e instruída. Fez os cursos da Casa todos de uma só vez, mas só para tê-los concluídos, porque sabia tudo que os cursos oferecem. Será uma sábia instrutora.

Na Casa do escritor só vemos adultos, uns mais jovens outros mais idosos.

Raramente vemos crianças freqüentando cursos da Casa. Estas, sim, enfeitam a Casa, quando vêm em excursões que são verdadeiro aprendizado.

A primeira vez que vi uma criança ali estranhei. O diretor me apresentou.

- Esta é Rosângela, nossa companheira de aprendizado.

Nosso diretor afastou-se e ficamos conversando.

- Patrícia, desencarnei há um bom tempo. Estava com oito anos de idade. Fui levada para um Educandário. Amo lidar com crianças, sentir-me criança. Logo estava ótima. Por estudos de outras existências, tenho uma inteligência desenvolvida. Encarnada, era excepcional de QI elevado. Nesta época em que me achava recolhida no Educandário, um grupo de três garotos estava com problemas de adaptação.

Comecei a conversar com eles e os ajudei. E meu trabalho por anos ficou sendo este. Muitas vezes,uma criança ajuda mais outra criança que um adulto. Estudei, trabalhei e não mudei meu perispírito. Porque, se quisesse, poderia crescer, tornar-me jovem ou adulta. Prefiro ficar assim. Sempre gostei de escrever, interessei-me em aprender e aqui estou pronta a começar logo a estudar. Pretendo escrever histórias para crianças. Histórias com enredo interessante que distraia e eduque. E nada como uma criança escrever para outra criança.

Assim, sinto que às vezes sou adulta e, às vezes, criança. É com esta minha parte infantil que quero escrever a muitas crianças.

- Pretende escrever desencarnada ou encarnada?

- Quero fazer os dois. Quero, se possível, ditar pela psicografia.

Depois reencarnar e ser uma escritora.

- Você se sente bem? É feliz?

- Muito! Sou realmente muito feliz! Aqui nosso livre-arbítrio é respeitado.

Rosângela tem realmente muito talento.

Osvaldo, nosso companheiro de curso, narrando sua história à classe, disse que veio para a Casa por amor a sua noiva.

- Estava noivo com casamento marcado, quando desencarnei por um acidente.

Era católico, mas a família de minha noiva era Espírita. E foram eles que me ajudaram.

Fui socorrido e aceitei a desencarnação, logo estava bem. Minha ex-noiva tinha um parente que psicografava. Fui evocado, gostei demais de escrever. Assim, sempre estava dando notícias a minha noiva e minha família, que após virou Espírita. Fui convidado a estudar para aprender como é a vida no Mundo Espiritual. E o tempo passou e eu a escrever. Para melhor escrever e impressionar minha amada me inscrevi no curso e concluo. Só que muita coisa mudou. Passei a amar a Literatura e a querer dedicar-me a ela com carinho.

Atualmente, mensagens particulares escrevo só para a família e isto raramente. Minha ex-noiva casou-se e está muito bem. Aprendo aqui e o médium lá, treinamos e quem sabe editaremos mais tarde. Como vê, vim à Casa por um fato particular e aqui aprendi a pensar em fazer o bem a mais pessoas com a facilidade que tenho para exprimir.

- Você, quando reencarnar, vai querer se dedicar à Literatura?

- Isto são planos para um futuro mais remoto.Quero, sim, ser um escritor encarnado.

Afinal, trabalhar com a Literatura é tão agradável e ser útil através dela é prazeroso!



Patrícia / Espírito
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / médium.
 
bjs,soninha
 

Nenhum comentário: