sexta-feira

A Casa do Escritor VII



III - RECORDANDO O PASSADO (conclusão)


Escolhi o filho de Frederico para obsediar, este era sensível, um médium.

Escolhi porque achei que,fazendo o menino sofrermeu ex-sogro,Frederico e Hortência sofreriam juntos. Tinha razão.

Comecei logo a executar meu plano de vingança. Colei-me a ele. Logo o pequeno Nicásio foi prostrando, adoentou. Frederico preocupado não achava a causa de sua fraqueza. O menino foi piorando.

Levaram-no a outros médicos, a cidades maiores,tomou muitos remédios e piorava sempre. Por dois anos ali fiquei sem me afastar um segundo. Trocando energias com o garoto, sentia-me melhor e mais animada. Tinha o objetivo de me vingar e era incentivada e aplaudida pelos outros, que tanto como eu queriam a infelicidade dos moradores da casa, principalmente do Sr. Nicásio.

Para aumentar minha revolta, narraram com detalhes as infelicidades que padeceram por causa do avô do menino. Ali estavam somente alguns a quem ele havia feito terríveis maldades, muitos o perdoaram. Eram ex-escravos, colonos, pequenos proprietários de terra, até uma mulher que foi seduzida e abandonada por ele. Nossa permanência tornou-se fácil porque naquele lar não havia religião, não se costumava orar, se orações eram feitas, eram decoradas sem serem sentidas.

Ria, ríamos com a preocupação de Hortência, com a tristeza de Frederico e com o desespero do meu ex-sogro que tanto me havia desprezado. Tudo me parecia normal, quando o pequeno Nicásio contraiu crupe. Assustei. Tinha verdadeiro horror a esta doença. Vi desesperada Frederico angustiado examinar o filho e dizer:

-Não, de novo! Crupe, doença ingrata que leva meus afetos.

Primeiro a esposa adorada, agora meu filho!

Saí de perto do garoto, mas não da casa. Apavorei-me pela primeira vez,raciocinei sobre o mal que estava fazendo. Fiquei arrependida. Pedi auxílio aos espíritos que ali estavam. Queria curar o menino. Não queria sua morte e nem a de ninguém.

- Ajudem-me, por favor! Não podem deixar que ele morra! Piedade! - exclamei a chorar.

- Ora, que pensa você que somos? - disse-me um deles. – Só Deus pode fazer o que nos pede. Você pensa que o matou? Não é nada para isto. Todos morrem porque têm que morrer.

“Só Deus” - pensei. “Só Deus para ajudar”. Mas como achá-lo? Como pedir a Ele?

O menino piorou e desencarnou tranqüilo. Estranhei, porque ele não ficou ali.

Vimos, os espíritos obsessores e eu, uma luz maravilhosa levá-lo. É que foi socorrido ao desencarnar. Sofri muito. Saí daquela casa, retornei ao Umbral. Gritava sem parar:

"Sou assassina! Sou assassina!" Como me arrependi de ter retornado àquela casa. Fiz sofrer um inocente e ele desencarnou.

Pensava nisto o tempo inteiro. Como sofri. O remorso é como um fogo que queima sem descanso. Andava de um lugar a outro no Umbral sem descanso, chorando desesperada e repetindo:

"Sou assassina”!

Como compreendo agora os que sofrem e vagam pelo Umbral. Sofre-se tanto que não posso comparar com nenhum sofrimento que se tem quando encarnado.Naquele tempo, quando vagava, não lembrava de Deus, não queria, sentia imensa vergonha.

Achava que era indigna até de pronunciar Seu nome. Encontramos quase sempre dois tipos de sofredores no Umbral. Um, como fiquei, com remorsos destrutivos, achando-me indigna, merecedora de castigo e envergonhada. Outros que se revoltam, acham que não merecem o castigo, blasfemam e odeiam.

Todos são infelizes e carentes de auxílio.Os que sofrem,mas lembram de Deus, pedem perdão, estes são mais fáceis de serem socorridos.

Um dia, quando andava desolada, escutei:

- Senhora, por favor!

Há muito não escutava alguém se referir a mim em termos tão suaves e educados.Virei e observei.Vi uma suave luz,prestei mais atenção,vi um vulto,sem distinguir quem era.

- Quero conversar com a senhora, venha aqui, por favor, perto de mim.

Fui, sentamos numa pedra. Parei de gritar, aquieci como por encanto.É que naquele momento sentia os fluidos de harmonia que me doava o visitante. Conversei em tom normal e indaguei.

- Conhece-me?

- A senhora não quer falar um pouco de si? Por que está tão triste?

- Não sei se devo... Não estou triste, estou desesperada, sofro tanto!

Ele pegou a minha mão.Pela primeira vez desde que desencarnei senti um pouco de paz.

- Fale-me da senhora. Que lhe aflige?

Comecei a falar, como o vulto parecia interessado narrei toda minha vida.

Chorava às vezes, mas meu choro desta vez era calmo e sofrido. Por momentos, o vulto passou a mão, com imenso carinho, na minha cabeça. Percebi que o vulto era de pequena estatura. Uma criança talvez. Não omiti nada, falar tudo me deu um certo alivio. Quando acabei, ele me disse:

- Por que se atormenta assim? Sabe que não é possível um desencarnado matar um encarnado. Você o obsediou, mas foi porque ele aceitou. Teria o pequeno Nicásio como lição passar por tudo isto. Por que você não pede perdão a Deus e a ele? Tenho certeza de que, se for sincera, ambos a perdoarão.

- Tenho vergonha. Como posso pedir perdão a Deus tão bom e justo pelo meu crime tão feio? E Nicásio, como achá-lo? Não me perdoaria.

- Perdoaria sim.

- Como sabe?

- Porque eu sou o Nicásio.

Foi então que o vi.O pequeno Nicásio lindo, risonho e tranqüilo.Olhava-me sereno.

Quis fugir, mas ele segurou forte minha mão.

- Não fuja! Fique comigo. Quero tanto continuar conversando com a senhora.

- Tenho vergonha.

Fez-se um silêncio. Abaixei a cabeça, mas fui olhando devagar para ele.

Continuava a me olhar sorrindo.

- Não está com ódio de mim? – atrevi-me a perguntar.

- Não. Não tenho ódio, prefiro cultivar o amor. É bem melhor.

- É, deve ser - disse com voz baixa. E pensei: "Enquanto eu odiava e sofria, ele amava e era feliz".

- Por que não perdoa a si mesma? Você não faria nada do que fez de novo, não é?

- Não! Não faria! - comecei a chorar.

Nicásio esperou que me acalmasse para depois dizer:

- Você foi imprudente, mas não foi má. Nada tenho contra você. Quero ajudála.

- Não mereço ajuda, sim, sofrer.

- Já sofreu e muito. Permite que eu a abrace?

Ele me abraçou com carinho. Senti seu fluido. Ajoelhei a seus pés.

- Nicásio, pelo amor de Deus, me perdoe!

- Perdôo-a! Venha comigo.

Levantou-me com carinho. Segui-o de mãos dadas.Levou-me a um Posto de Socorro. Como me senti bem neste local de auxílio.Grata, era obediente, não gritei mais, só chorava de arrependimento.

Nicásio vinha me ver sempre, seu afeto sincero e sua bondade me ajudaram muito. Logo melhorei. Quando tive alta do Posto de Socorro,fui para uma Colônia aprender e trabalhar. Um dia, Nicásio me levou ao meu antigo lar.

Lá nos esperava Hortência que também havia desencarnado dois anos após o filho. Ao vê-la envergonhei-me. Como é triste ter de enfrentar os que prejudicamos.

Mas ela me abraçou com tanto carinho que logo me senti à vontade. Sentamos na varanda para conversar.

- Roseléa, seu ódio,seu rancor não teve razão de ser,se tivesse procurado entender, compreender, tudo teria sido mais fácil a você. Frederico sempre a amou. O remorso muito o tem castigado.Não fez por mal ou com intenção de prejudicá-la.

Pensava que você com os conhecimentos de enfermeira e sendo tão forte não adoeceria.Sofreu tanto com seu desencarne! Tempos depois casamos por conveniência. Fomos, somos somente amigos.Sempre fui apaixonada por outro homem.Adolescente,apaixonei-me por um moço pobre, e nos encontrávamos escondidos.

Meu pai, ao saber, mandou matá-lo. Sofri muito. Quando meus pais e meu irmão desencarnaram fiquei sozinha. Frederico e eu nos consolávamos mutuamente.Casamos para ter filhos. Tivemos uma vida tranqüila e falavam sempre dos nossos amores. Mas, Roseléa, sofri muito com tudo por todos.

Chorei baixinho. Agora não estava perturbada, mas o remorso não me abandonou. Vi o tanto que fui imprudente. Hortência sofreu tanto e eu agravei seu sofrimento obsediando o filho.

- Perdoe-me, Hortência.

Ela me abraçou carinhosamente.

Rever Frederico me emocionou muito. Entendi que ele sempre me amou. Estava viúvo por duas vezes e não pensava em casar novamente, de fato não o fez.

Amava e dedicava-se cada vez mais à Medicina. O porão da casa era um pequeno hospital cheio de doentes pobres. O Sr. Nicásio estava louco com a morte do neto que adorava, e os obsessores puderam atormentá-lo. Quis ajudá-lo incentivada por Hortência e o menino Nicásio, me fiz visível a eles aos obsessores, pedi, implorei que o perdoassem e viessem conosco.

Falei a eles o que ocorrera comigo e o tanto que era bom estar em paz, das belezas dos Postos de Auxílio. Deram-me atenção, senti que se interessavam, alguns vieram, outros não. Muitas vezes fui até eles e tentei ajudá-los como também auxiliar o meu ex-sogro.

Pouco que fiz me deixou contente. Após muitas conversas, todos os obsessores vieram conosco. Mas o Sr. Nicásio tinha uma dolorosa colheita, plantou muitos males. Quando desencarnou, o neto pôde socorrê-lo. Demorou para se recuperar.

- Sabe, Roseléa - disse uma vez o pequeno Nicásio. - Se você me obsediou foi porque eu aceitei. Por erro do passado, tinha como colheita uma lição dolorosa. Por escolha minha, iria adoecer e desencarnar jovem. Como obsediei desencarnado, queria passar por uma obsessão para dar valor à tranqüilidade alheia. Se não fosse você, iria ser um dos obsessores do meu avô a me obsediar. Aprendi muito nesta curta existência.

Agora estou feliz. Como é bom estar quites conosco mesmo, com nossa consciência. Frederico dedicou toda sua vida à Medicina e às duas filhas.Desencarnou velho. O tempo passou. Sentia vontade de reencarnar, estando apta, pedi a reencarnação como bênção para esquecer e para ter um recomeço.

Minha mãe,reencarnada, ia engravidar. O Plano Espiritual provocou um encontro entre nós duas Pedi a ela que me aceitasse por filha, falei que por aprendizagem ia desencarnar jovem.

Minha mãe aceitou, amava-me, ama-me.

Pela programação que escolhi, ia passar o que o pequeno Nicásio passou.Reencarnaria num lar feliz, adolescente ia ficar doente, ia passar de médico em médico,sofreria uma doença incurável e desencarnaria.Antes mesmo de Frederico desencarnar reencarnei. Hortência e o pequeno Nicásio haviam reencarnado.

Mas não ia encontrá-los, íamos reencarnar em locais diferentes.As lembranças findaram. Sequei as lágrimas do rosto, recordações sempre nos são penosas. Porém elas me deram um alívio. Agora sabia de tudo. Olhei para Frederico que estava quieto, acompanhando minhas lembranças. Olhou-me sorrindo e concluiu:

- Patrícia, depois que você desencarnou, vivi de lembranças. Casei com Hortência, porque queria dar continuação à família, sempre fomos amigos. Minha encarnação também não foi fácil.

Cuidei de minhas filhas, elas foram felizes, casaramse e sempre estiveram comigo.

Trabalhei muito e fui bom médico. Quando desencarnei,fui socorrido e logo estava bem. Nunca deixei de estar com você.

- Frederico, não ia ficar doente? Desencarnei com saúde.

- Patrícia, doenças são miasmas negativos que são queimados pela dor ou pela bondade, pela sinceridade, pela transformação interior para melhor. Você queimou estes miasmas pela segunda opção. Você se transformou interiormente para melhor. E seu corpo não adoeceu.

- Frederico, quando pequena tive difteria. Sarei, a doença não teve conseqüências.

- Você trouxe pelo remorso os miasmas da doença no perispírito que transmitiu ao corpo.

- Remorso por ter o pequeno Nicásio desencarnado com esta doença. Também porque, quando a tive, não aceitei, sinto que necessitava desencarnar daquela forma. Sofri com a doença, mas a não aceitação não deixou que queimasse todos os miasmas que trazia comigo.

- Você, na encarnação anterior,como Roseléa, ia desencarnar jovem, íamo-nos separar para um aprendizado necessário pelos erros cometidos anteriormente.

- Já estivemos juntos mais vezes?

- Sim.

Naquele momento saber desta me bastava. Meditei sobre tudo e indaguei a Frederico, tirando a última dúvida.

-Não fiquei doente, não poderia também ter ficado encarnada por mais tempo?

- Você não quis. Quem vai à Terra pela encarnação e volta no tempo certo,pode se dar por feliz. O corpo lhe era uma prisão que você abençoou e deu o devido valor. Com o tempo vencido era justa sua absolvição.

Frederico me deixou no meu gabinete. Pensei muito em tudo que recordei e desejei ver o pequeno Nicásio. Na primeira oportunidade, pedi a Frederico, que me atendeu. Marcamos dia e hora para que pudesse revê-lo.

No dia marcado, voltamos para a Terra. Descemos numa cidade do interior muito singela e agradável. Entramos numa bonita e confortável casa.

- Aqui está Hortência - disse Frederico. - Está casada com seu eterno apaixonado, o rapaz que o pai mandou matar no passado.

Nossa Hortência, que atualmente tem outro nome,está feliz e tem por irmão o pequeno Nicásio que agora se chama Nelson. Venha, vamos vê-lo.Para minha surpresa, entramos num simples mas agradável Centro Espírita.

Reconheci logo que o vi. É um homem,jovem ainda,muito bonito, fisionomia tranqüila. Estava orando concentrado. Aproximei-me dele, ajoelhei ao seu lado e beijei-lhe as mãos. Frederico segurou minha mão e me levantou.

- Vamos assistir à sessão. Fiquemos aqui.Nelson agora irá trabalhar.É um médico de profissão e dentro do Espiritismo um médium ativo.

Envergonhei-me do meu rompante. Fiquei quieta no lugar indicado. A reunião da noite foi muito bonita e proveitosa. No final, Frederico incorporou ajudando, aconselhando os encarnados presentes. Nelson emocionou-se. Amava aquele espírito, um médico chamado Frederico que ia regularmente ao Centro Espírita ajudar a todos.Não me atrevi mais a me aproximar de Nelson.

Quando terminou, Frederico foi abraçado e cumprimentado pelo pessoal desencarnado da casa. Logo em seguida, convidou-me a partir.

- Frederico- disse -, como gostaria de ajudar Nelson. Como queria retribuir o que ele fez por mim.

- Patrícia, Nelson não necessita desta ajuda paternalista que você almeja lhe dar.Ele é espírito que cresce e progride. Depois, Patrícia, quem perdoou não é carente de ajuda. Você poderia, por sentir-se devedora, o que não tem razão de ser, querer fazer o que compete a ele fazer. Nelson é bom, correto, luta e cresce, talvez porque os problemas que aparecem sejam por ele mesmo solucionados.

Poderá, sim, seguir o exemplo que ele lhe deu e fazer o bem para os que carecem de ajuda. Nem sempre é possível retribuirmos o bem recebido ao nosso benfeitor. Mas, como a nós foi feito, devemos fazer a outros.Compreendi.

Minha gratidão pelo pequeno Nicásio, por Nelson, é grande.Aprendi a reverter minha gratidão em vibrações carinhosas que remeto a ele todos os dias. Com Nelson aprendi que sempre devemos fazer o Bem, mesmo para aqueles que nos fizeram mal. Porque o bem realizado a nós mesmos retorna, nos tornando auto-suficientes e fazendo-nos úteis cada vez mais.

O passado está em nós e não podemos mudá-lo um pingo que seja. Mas podemos, sim, tirar lições para o futuro e entender o presente. As recordações fizeram com que eu ficasse mais grata e entendesse os que sofrem, principalmente os que vagam pelo Umbral, os que se consomem pelo remorso. Motivaram-me a ser melhor no futuro.Do passado, devemos tirar só lições que nos ajudarão a progredir sempre.



Patrícia / Espírito
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / médium.


continua...

bjs,soninha

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