quarta-feira

A Ingratidão e o Amor

 
As decepções oriundas da ingratidão não serão de molde a endurecer o coração e a fechá-lo à sensibilidade?

Fora um erro, porquanto o homem de coração, como dizes, se sente sempre feliz pelo bem que faz. Sabe que, se esse bem for esquecido nesta vida, será lembrado em outra e que o ingrato se envergonhará e terá remorsos da sua ingratidão. Questão Nº 938 – O Livro dos Espíritos.

Tudo isso está presente na mais execrável e comprometedora ingratidão: a dos filhos.

Impossível efetuar um levantamento completo dos benefícios que recebemos de nossos pais, particularmente na infância. É preciso que tenhamos nossos próprios filhos para que possamos avaliar devidamente o assunto. Não há sacrifícios em favor de alguém que se comparem aos da solicitude materna. Começam pela gravidez, que altera algo extremamente importante para a mulher - a ética'>estética corporal -, impondo-lhe deformações das quais nunca se recuperará plenamente. Depois, as dores do parto, a insegurança diante do recém-nascido, as noites de vigília, a ciranda das fraldas e das mamadeiras, as angústias em face de enfermidades, as preocupações que se estenderão por toda a existência em relação ao bem-estar e à felicidade do filho...

Ao pai está reservada idêntica carga de cuidados, não tão envolvente e intensa, mas acrescida do compromisso de trazer para a família “o pão de cada dia”.

No entanto, para muitos casais idosos sobram, na velhice, um fundo de quintal, um asilo de luxo, um progressivo distanciamento.

Com a indefectível racionalização humana, a disfarçar o egoísmo, alegam os filhos problemas de convivência, conflito de gerações, caduquice dos velhos, com o que anestesiam a consciência. Esquecem-se de que os pais não fizeram o mesmo quando o “conflito de gerações” envolvia um casal às voltas com a “caduquice” de pirralhos iniciantes na arte de pensar.

- Eu não pedi a meus pais para vir ao Mundo - justificam muitos ingratos.

Ledo engano!

No Plano Espiritual não só pedimos como, não raro, imploramos a casais em disponibilidade que nos dessem a oportunidade de um retorno às experiência humanas, reconhecendo-as indispensáveis à nossa edificação e à solução de problemas cármicos.

Mas há outro lado da questão.

Curioso observar como as mães mais ternas, mais virtuosas, nunca cobram dos filhos os benefícios que lhes prestam.

É que só podemos cobrar o que vendemos. A mãe não “vende” dedicação ao filho porque o faz por amor, que é, em sua manifestação mais pura, um ato de doação.

Esta é uma lição que deveríamos aprender com as mães, a fim de não reclamarmos quando os beneficiários de nossas iniciativas frustrarem nossas expectativas.

Quem cobra gratidão é mero vendedor de benefícios.

Isto aplica-se a tudo o que fazemos em favor de alguém, no lar, na rua, no local de trabalho, na atividade religiosa, na vida social.

Os melindres, os desentendimentos, as decepções surgem quando cobramos amizade, respeito, compreensão, consideração, daqueles aos quais eventualmente tenhamos beneficiado.

Pomos a perder gratificantes oportunidades de servir porque vendemos muito e doamos pouco, no empório de nossas ações.

Quem se doa, em benefício de um filho, de um amigo, de um necessitado, jamais pensa em retribuição. A recompensa está na própria doação, já que quando assim fazemos, assumimos nossa filiação divina, habilitando-nos a receber em plenitude de bênçãos de Deus, que não se perturba com os ingratos, nem deixa de atendê-los, porquanto, como ensina Jesus, “faz nascer o sol para bons e maus e descer a chuva sobre justos e injustos”.

O que seria do Cristianismo se Jesus, magoado com a ingratidão dos homens, com a multidão que o insultara, com os amigos que o abandonaram, com os discípulos que se acovardaram, recusasse comparecer ao colégio apostólico, após a crucificação?

E o que fez, diante dos companheiros assombrados com a gloriosa materialização? Revelou-se aborrecido? Criticou-os acremente?

Nada disso!

Jesus simplesmente saudou-os desejando-lhes paz, como nos dias venturosos do passado e, retirando-os do angustiante imobilismo, sedimentou para sempre, em seus corações, a disposição de trabalhar pela edificação do Reino de Deus. 

 O Mestre demonstrou, em inúmeras circunstâncias, que, se o amor persevera, o ingrato acabará defrontando-se com a própria consciência, que lhe imporá irresistíveis impulsos de renovação.

Richard Simonetti

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