segunda-feira

Nossos Filhos São Espíritos // 17


17
DOM BIAL E SEU AMIGO BLATFORT


FISICAMENTE PERFEITO E SAUDÁVEL - nascera com quatro quilos e duzentos gramas —, esse menino parecia feliz e tranquilo. Logo se percebeu, contudo, que se agitava bastante durante o sono e parecia ter pesadelos. Com três meses de idade, resmungava enquanto dormia e até engatinhava, o que ainda não fazia em vigília.

Foi nesse período, em que ainda não dispunha de um mínimo de vocabulário para dizer o que pensava, que começou a manifestar verdadeiro horror por cenas de violência. Até uma simples discussão mais veemente o deixava em pânico, muito pálido e em pranto. Outro aspecto que contribuía para compor um quadro meio traumático, era o pavor que suscitava na criança qualquer som que lembrasse estampido de arma de fogo. 

Em vez de mero susto, que seria normal, ele se punha literalmente aterrorizado, rígido e pálido, incapaz de emitir um som. Certa vez, depois de acalmado pelo pai, que lhe garantira sua proteção ante uma série de estampidos de fogos de artifício nas vizinhanças, o garoto conseguiu expor suas razões (já era um pouco maior):

— Neném tava sentado — explicou, muito sério —, irmão entrou e: pum!,pum!, pum!

O dramático relato foi acompanhado do gesto característico: o dedinho apontado como arma de fogo. Não é preciso falar da emoção do pai, ao ouvir aquilo de uma criança de ano e meio.

Viveu os anos seguintes, até aí pelos seis, sempre em sobressalto ante a simples visão de qualquer arma de fogo, mesmo de brinquedo, dessas que pais desavisados costumam dar a filhos pequenos.

— Mamãe — perguntava ele —, guarda tem revólver? Revólver mata!

Guarda mata neném?

Era preciso assegurar-lhe que o policial não estava ali para matar neném.

Aí pelos seis anos, entrou espavorido em casa e saltou no pescoço da mãe, a chorar.

Momentos após, entrou uma menininha de oito anos com um revólver de plástico na mão.

Estavam brincando de “mocinho e bandido” e ela sacou a arma.Sem saber como cuidar daquela psicose que a punha também em sobressalto e aflição, a mãe comentou a situação com uma amiga, que lhe deu um conselho escorado em uma hipótese, a única aceitável sob tais condições: provavelmente o garoto havia sido assassinado a tiros em existência ainda recente, e a lembrança do episódio se transferira para a presente. 

Em vez de reprimi-lo ou repreendê-lo, o melhor era uma conversa adulta e franca, da qual se incumbiu a amiga, na presença da mãe.

— Flavinho — começou ela —, a gente vive muitas vezes. Nasce, cresce, fica velho, morre e depois nasce outra vez. Alguém já matou você com um revólver ou outra arma qualquer. Mas isso foi há muito tempo. 

Numa outra vida.

Você nasceu outra vez e agora tem outra vida. E nesta vida ninguém vai matar você de novo com uma arma. 

Não precisa ter medo.

— Então eu já morri, Didi?

- Já, sim, amor. Já.

— Alguém me matou e eu nasci outra vez?

— Exatamente.

— E não vai mais me matar?

— Não, não vai. Agora você tem o papai, a mamãe e eu. E nós não vamos deixar ninguém matar você.

— Eu nasci de novo? Da barriga da mamãe?

— É, isso mesmo.

Como se pode observar, a criança absorveu com naturalidade a explicação e formulou suas próprias deduções complementares. Na realidade o conceito de nascer de novo parece ter despertado nele profundo interesse, porque ele voltou várias vezes ao assunto, em busca de mais informação. Isso parece tê-lo tranquilizado, a ponto de poder, com o tempo, até tocar em arma de brinquedo, embora jamais a quisesse para si mesmo.

Na festinha de primeiro aniversário, Flávio revelou outro ângulo traumático de suas memórias ocultas. Foi tudo muito bem até o momento em que se fez silêncio para o início do clássico “Parabéns pra você”. A criança ficou lívida e tensa, deu um grito e se pôs a chorar em altos brados. A amiga providencial, considerada pela família — e pela criança — como segunda mãe, retirou-a da festa e levou-a para seu apartamento, ao lado. 

Com muita dificuldade, o menino acalmou-se, para cair em visível estado de depressão, caracterizado por um choro sentido e contínuo, com o qual, obviamente, traduzia emoções profundas que, de outra forma, não teria como expressar.

Uma análise posterior da situação levou à conclusão de que, por ser o primeiro aniversário, ele talvez tivesse se assustado com toda aquela agitação, e o incidente logo foi esquecido.

No segundo aniversário, desta vez em sua casa mesmo (o anterior fora em casa da avó), repetiu-se o fato, para consternação geral. Mãe e avó, sem saberem o que pensar e como agir, desataram também a chorar. Novamente a amiga tomou o menino nos braços, retirou-o do ambiente e saiu com ele, procurando distraí-lo, até que se acalmasse, o que demorou bastante.

A amiga (que o menino tratava de Didi) procurou a mãe para uma conversa esclarecedora.  
Decididamente, entendia ela, havia na memória dele um episódio altamente traumático ligado àquele tipo de festa e, mas especificamente, ao momento em que todos assumiam uma atitude mais ou menos solene. Era até possível que o assassinato a que ele se referira, em sua linguagem infantil, houvesse ocorrido em semelhante festinha, de aniversário ou casamento, em existência anterior.

Seja como for, parecia indicado para o caso uma reformulação nas festas, ou, eventualmente, a suspensão delas, se fosse o caso. Daí em diante, as coisas se acomodaram. As festinhas de aniversário continuaram a reunir os amiguinhos, havia bolo e brincadeiras, mas nada de parabéns cantados. As velinhas permaneciam apagadas, e na hora que julgasse apropriada, a mãe cortava o bolo, sem nenhuma solenidade especial.

Mas o trauma não se limitava às festas pessoais. Mesmo em festas alheias, ele sentia a inevitável opressão do drama íntimo. Na hora da solenidade dos parabéns, ele fugia para algum canto, onde poderia ser encontrado deprimido e, usualmente, em lágrimas.

Aos quatro anos de idade um episódio desses deu margem a uma solução inteligente para o caso. Contra sua vontade expressa, mas em obediência à autoridade materna, Flavinho não teve alternativa senão acompanhar a mãe a uma das detestadas festinhas em casa de amigos.

Acompanhar é bem a palavra, pois ele seguia a certa distância, com evidente má vontade. A certa altura ela parou para esperá-lo e notou, consternada, que as lágrimas escorriam dos olhos dele.

— Que é isso, meu filho? Você está chorando? — perguntou.

— Pois é, mamãe. Você sabe que eu não gosto de festas, mas me obriga a ir... então eu vou.

Foi o toque que faltava para a mãe entender, em toda a extensão e profundidade, o drama da criança. 

Bastante comovida, ela abaixou-se, enxugou-lhe as lágrimas e disse:

— Não, meu filho, você não precisa ir; se é assim tão importante. Vamos voltar para casa. Mamãe nunca mais vai obrigar você a ir a nenhuma festa que você não queira.

Assim foi feito.

Embora tenha conseguido vencer suas inibições a ponto de aceitar uma festinha, com parabéns e tudo, aos oitos anos de idade, Flavinho não gosta mesmo desse tipo de atividade.

Prefere uma reunião informal com o pessoal da casa e pouquíssimos amigos.Flavinho é dotado de uma personalidade muito marcante, firme, seguro de si, um pouco autoritário. Não gosta de ser repreendido e tem pouca tolerância com a pessoa que lhe falta à palavra empenhada, seja isso simples promessa relativamente irrelevante. 

Também de si mesmo exige idêntico comportamento. É correto, cortês, educado e de hábitos aristocráticos. Com um ano e meio já comia sozinho; com dois anos sentava-se à mesa, como um adulto, manipulando adequadamente os talheres e o guardanapo. É certo que a mãe exerceu importante papel nisso tudo, pois sempre tratou seus filhos como pessoas dignas de atenção e até respeito, embora com a necessária autoridade, quando era preciso. O importante, porém, é que a atitude da mãe encontrava plena resposta na maneira de ser dos filhos.

Fragmentos de outras vidas pareciam, às vezes, aflorar na memória de Flávio, suscitados, certamente, por estímulos do momento. Desde os dois anos, por exemplo, com freqüência repetia uma palavra (Ou seria mais de uma?) que soava como (Dombial). Perguntado a respeito, certa vez, respondeu, com naturalidade:

— É neném. Neném é Dombial!

Teria sido algum nobre espanhol conhecido como dom Bial? Ou Vial? O certo é que ele sempre esteve convicto de ter sido essa personagem. Certa vez, deixou suas brincadeiras para vir colocar-se junto ao rádio, que estava transmitindo um trecho de música erudita, uma ópera, ao que se recorda a mãe.

— Que é isso, meu filho? Você não gosta dessa música! (Ela sabia que ele era fã do Roberto Carlos.)

— E — retruca ele. —Agora neném não gosta, mas quando neném era Dombial, neném gostava muito!

Em outra oportunidade, mergulhado em profundas meditações, declarou, ao ser interrogado, que estava pensando em “sua” cidade, que no seu dizer ficava muito, muito longe, era bonita e às vezes ficava toda coberta de branco.

E destacava o detalhe com um amplo gesto, como ilustrando a vasta área sob o lençol de neve. Flavinho foi bastante assediado por entidades espirituais hostis, que lhe perturbavam o sono desde os primeiros meses de vida, como vimos, ou lhe acarretavam até movimentação sonambúlica (engatinhando) e pesadelos.

Mesmo a mãe, inexperiente em tais assuntos, era de opinião que parecia haver pessoas invisíveis em torno do bercinho dele perturbando-o. A amiga espírita aconselhou-a a conversar mentalmente com essas pessoas, tentando apaziguá-las e pedindo-lhes que deixassem em paz o menino, que era apenas um indefeso bebê. 

Que lhe dessem uma oportunidade. Seja porque as entidades se deixaram convencer ante os apelos da mãe, seja porque foram afastadas, as coisas ficaram mais tranquilas. É certo, porém, que ele via tais entidades, pois dispunha, evidentemente, de faculdades mediúnicas, como demonstrou em inúmeras oportunidades.

Mesmo antes de conseguir emitir um som, via “coisas” que o deixavam literalmente apavorado, apontando aflitivamente para algum ponto no espaço, onde os pais nada podiam ver.

Havia, também, amigos invisíveis, que pareciam proporcionar-lhe certa forma de proteção e companhia. Desde muito cedo, entre um ano e meio e três de idade, ele brincava com “alguém” que ficava sentado em determinada poltrona na sala de visitas. A mãe, muito nervosa, tentava distraí-lo, mudava os móveis de lugar, mas não adiantava: Flavinho voltava a demonstrar que ali estava alguém com quem ele se entendia de alguma maneira misteriosa. 

Certa ocasião a mãe acabara de dar-lhe a mamadeira e tentava fazê-lo adormecer quando ele se virou para a poltrona e sorriu. Ela trocou de posição, insistiu em fazê-lo dormir, e ficou a niná-lo, aflita, ansiosa para que ele se esquecesse logo “daquilo” que estaria vendo na poltrona. A essa altura lembrou-se de uma panela no fogo e deixou o filho por uns momentos, para ir à cozinha. Quando voltou, pouco depois, estacou na entrada da sala. O menino se levantara e estava diante da poltrona, com as mãozinhas pousadas em invisível colo, enquanto contemplava, satisfeito, um ponto mais alto da poltrona, onde “alguém” deveria estar sentado.

Dessa vez a mãe não conseguiu conter sua aflição e chorou. No dia seguinte, ainda profundamente abalada, foi confidenciar com a amiga e vizinha e logo começou a chorar de novo, num desabafo do que vinha tentando reprimir há algum tempo: a angústia ante aqueles fenômenos tão estranhos que, no seu entender, só podiam ter um sentido — o de que seu querido bebê era uma criança um tanto alienada. Vinha pedir socorro. Alguma coisa precisava ser feita, e logo, pois aquilo não podia continuar assim.

— É horrível — disse — ver meu filho ali, com as mãos postas num colo que não existe e sorrindo para uma pessoa que não existe.

A amiga tentou acalmá-la, dizendo que a pessoa existia, sim, ela é que não a via, mas prometeu ajudar, sem saber no momento o que fazer. Teve, depois, a ideia de conversar mentalmente com a pessoa invisível que,intuitivamente, julgava ser a bisavó do menino, falecida já há algum tempo.

Disse-lhe mais ou menos o seguinte:

— Olha, sei que a senhora está lá para ajudar e proteger o Flavinho. A senhora não iria querer fazer nenhum mal a ele, mas a mãe dele não sabe disso. Não entende disso e está justamente assustada. Não é justo que ela fique assim, nervosa. Portanto, peço à senhora que, por favor, fale com ela quando for possível e lhe explique as coisas. Ela veio pedir ajuda a mim, mas só a senhora pode dar-lhe essa ajuda. Por favor, fale com ela para tranquilizá- la. Eu lhe fico muito grata.

Essa pequena “conversa” foi à noite, pouco antes de adormecer. No dia seguinte, logo cedo, a mãe do menino foi procurar a amiga. Estava eufórica, os olhos brilhantes e foi logo perguntando:

— Você fez alguma coisa, não fez?

E contou a novidade. Deitara-se, na véspera, e estava quase dormindo quando, de repente, se viu em casa de sua mãe. Sua avó estava sentada numa poltrona, com Flávio ao colo.

— Ué, vovó — disse ela —, então a senhora está aqui?

Comparem, agora, o que respondeu a avó com os termos em que o pedido fora formulado (mentalmente) por Didi:

— Sou eu, sim, minha filha — começou ela. — Trouxe você aqui para dizer-lhe que aqui estou para ajudar a proteger o Flavinho. Mas não é justo que você fique assim tão nervosa. Se você continuar nervosa, vou ter de ir embora.

Dizendo isto, colocou o menino no chão e ele correu para o quintal, enquanto as duas se dirigiam para a varanda.

— Está vendo? — perguntou a avó. — Ele fica lá, brincando, e eu tomo conta dele para você. Pode ficar tranquila, minha filha.

No momento seguinte a mãe do menino despertou.

Só então Didi contou o que havia feito, e a amiga pôs-se a chorar. Desta vez, porém, era de alegria. Afinal de contas era apenas a vovó que estava tomando conta de seu filho e não uma figura alucinatória.

* * *

Em outra misteriosa personagem parecem emergir fragmentos de mais uma existência passada de Flavinho. Trata-se de um menino — também invisível aos demais membros da família, como no caso de Divaldo Franco — ao qual ele chamava de Blatfort, com especial pronúncia que, a seu ver, ninguém reproduzia com fidelidade.

Ao que tudo indica, o espírito apresentava-se aos seus olhos como outro menino, mais ou menos de sua idade. Brincavam e conversavam o tempo todo e, às vezes, até pareciam desentender-se, não se sabe se com Blatfort ou com outro menino que participava das atividades.

Acontecia, por exemplo, esconderem de Flávio um dos seus brinquedos e ou não permitirem que ele brincasse com eles. Prontamente a queixa era endereçada à mãe:

— Mãe, o menino não quer me dar o carrinho!

Mais familiarizada a essa altura com os fenômenos, graças a orientação colhida nas longas conversas com a amiga Didi, a mãe começava a considerar com mais naturalidade os incidentes.

Em vez de atemorizar-se ou repreender o filho, limitava-se a dizer-lhe, como se fosse a coisa mais natural do mundo (e não é?):

— Deixa com ele um pouquinho, Flávio. Depois ele devolve.

Blatfort podia até cometer inocente indiscrição, contando a Flávio o prato que sua mãe estaria preparando secretamente para fazer-lhe surpresa, mas era ponderado, amadurecido e tranqüilo. Deu-se um episódio revelador quando Flávio, com os naturais receios do “desconhecido”, teve de enfrentar seu primeiro dia de jardim de infância, aventurando-se por um universo que ainda não era o seu. Relutou e acabou cedendo, um tanto a contragosto. A saída, porém, as coisas tinham mudado radicalmente. Logo revelou à mãe o motivo:

— Sabe quem estava lá, mamãe? O Blatfort! Ele disse que não preciso ter medo, que escola é bom para mim.

A mãe guardou para si uma pontinha de inquietação. E se a professora ficasse sabendo da existência desse Blatfort? Parece, contudo, que a interferência foi só no primeiro dia, com a clara finalidade de encorajar o amiguinho. Flávio até passou a reclamar, dizendo que Blatfort não estava indo à aula com ele...

Aos nove anos de idade, ocorreu dramático incidente. Flavinho, em pranto, foi em busca da mãe, que naturalmente o recebeu um pouco aflita. Que foi?, que não foi?, e ele, muito sentido:

— eu vi o Blatfort, mamãe?

— Ué, e daí? Por que o choro?

— eu vi ele, mamãe. Mas ele não é mais criança. Ele é um homem agora.

E me disse que não vai mais aparecer pra mim. Que eu não vou mais ver ele.

É claro que nem sempre a mãe sabia o que dizer ou fazer ante o insólito de tais situações. Ao que parece, o espírito se incumbira de uma tarefa junto ao amigo encarnado e chegara a vez de deixá-lo seguir, não propriamente sozinho, mas com espaço suficiente para suas próprias iniciativas e decisões.

Na hora da despedida, apresentou-se tal como era, ou seja, como um espírito amadurecido e adulto, se é que tais palavras se aplicam mesmo, ao caso. Ou, então, estaria partindo para uma nova existência na carne; ou, ainda, iria apenas acompanhar Flavinho, sem mais aquela presença constante e visível.

Esse intercâmbio com seres invisíveis constituía eloquente testemunho das faculdades mediúnicas de Flávio. Não somente sua vidência era bem desenvolvida, como conversava e brincava com seus amigos de outras dimensões. Era frequente saber de coisas que não lhe haviam sido reveladas ou até mesmo lhe fossem deliberadamente ocultadas.

Um desses casos foi a morte, por atropelamento, de um pobre beberrão que morava numa tapera nas proximidades de uma casa de veraneio da família de Flavinho. Entendiam-se bem, Flávio e ele. Quando o homem desapareceu, a família preferiu dizer que ele ficara doente e morrera, para não chocar o menino. 

Flávio parece ter aceitado a piedosa mentirinha, mas dias depois de estar de novo na casa de campo “cobrou” a verdade aos mais velhos. Não era fato que o homem tivesse ficado doente.

— Não foi, não — afirmou com segurança. — Ele falou comigo e me contou. Ele foi atravessar a estrada e foi atropelado. Morreu, mas continua lá, na casa dele. E todo dia vai lá pro bar, como fazia antes.

Há também premonições bem marcadas e testemunhadas, dessas que costumam integrar as faculdades que compõem o quadro mediúnico. Como a vez em que declarou, taxativamente, que a família não deveria tomar aquele ônibus e sim esperar o seguinte, pois aquele iria enguiçar sobre a ponte (RioNiterói). Foi o que de fato aconteceu.

De outra vez foi uma kombi que, segundo sua convicta “profecia”, iria atolar. Mas, como?

Com um belo dia daqueles? Não deu outra. Já de volta do passeio, o motorista (tio do menino) resolveu tomar um atalho para encurtar o percurso e deu com um atoleiro memorável, do qual custaram a livrar-se.

Previsão semelhante foi feita quando Flavinho conseguiu convencer o pai —já de passagem comprada para Minas — a adiar a viagem porque, segundo o filho, se ele fosse naquele ônibus, não voltaria vivo. Deu-se com o ônibus fatídico grave acidente, no qual várias pessoas morreram, entre os quais um parente de conhecido cantor popular nordestino.

Em outra oportunidade, Flávio previu, sem nenhum estímulo especial ou solicitação, que o tio iria “tirar um carro na sorte”, e que era um carro preto.

(Parecia vê-lo, portanto.) O tio, que comprara um bilhete de rifa e não pensara mais no assunto, viu-se premiado mesmo com o carro preto da sorte.

Flavinho previu, ainda, o nascimento de uma prima e anunciou a gravidez da mãe, antes que ela própria soubesse, acrescentando que seria uma menina.

Ao escrevermos estas notas, Flávio está se aproximando dos treze anos de idade. É um menino perfeitamente normal, sadio, forte e intelectualmente muito bem-dotado. Aprendeu a ler praticamente sozinho, manipulando brinquedos educativos. Na escola, aprende com notável facilidade, como se aquilo não exigisse nenhum esforço especial. (Não é sem razão que Sócrates ensinava que aprender consiste apenas em recordar.) A impressão de sua querida Didi, experimentada professora, é a de que o sistema educacional
vigente não lhe proporciona as condições ideais para um desenvolvimento de mais amplas dimensões.

Realmente, pesquisas modernas demonstram que a criança superdotada acaba prejudicada pela mediocridade dos métodos pedagógicos, porque não encontra, na atividade escolar, o estimulo do desafio, importante ingrediente na formação cultural dos mais inteligentes, nem a liberdade de que necessita para fazer suas opções quanto ao currículo, e a ênfase que deseja colocar nesta ou naquela matéria de sua preferência.

Na verdade inteligência não é dom especial, nem traço hereditário, e, sim, testemunho de uma vivência maior, marca de um espírito mais experimentado e amadurecido, já habituado, de muitas vidas, com o trato dos problemas da mente, da cultura, da sabedoria, enfim.

Um dia saberemos como lidar adequadamente com essas pessoas especiais, muitas das quais se estiolam e se perdem no anonimato porque, no momento certo, não puderam contar com os estímulos necessários. 

Apesar disso, são muitos os que superam tais dificuldades e seguem em frente, até mesmo abrindo novos caminhos para outros que venham atrás.

Parece legítimo esperar que Flavinho seja um desses.

A grande lição que ressalta desse caso é a do excelente relacionamento entre as pessoas envolvidas: pai, mãe, filhos e a amiga da família. Problemas e dificuldades que poderiam ter provocado pânico ou lamentáveis conflitos são examinados com seriedade e a possível tranqüilidade, após superado o impacto emocional do primeiro momento de perplexidade.

É de reconhecer-se que operou aqui um feliz conjunto de circunstâncias que desaguaram em soluções de bom senso para as crises ocorridas.

Inexperiente no trato de situações potencialmente estressantes, como as suscitadas por certas manifestações inabituais da psique humana, a mãe encontrou uma pessoa de sua total confiança, em condições de lhe proporcionar segura orientação.

Seriam, contudo, imprevisíveis as conseqüências, se a pessoa consultada fosse uma dessas afoitas e despreparadas “entendidas”, que não hesitam em dar os mais extravagantes palpites sobre questões desse tipo.

Vamos, pois, reiterar observações feitas alhures, neste livro: não entrem em pânico se seus filhos começarem a lembrar-se de existências anteriores, ou revelar algum potencial mediúnico.

Mantenham-se calmos, dêem aos incidentes a atenção que merecem, observem tudo com serenidade, façam perguntas com naturalidade, mani­festem seu amor e compreensão à criança, assegurem-lhe sua proteção ante seus temores e jamais a ameacem ou castiguem para que deixe de “inventar”coisas. Procurem informar-se com alguém que esteja familiarizado com esses problemas, mas é preciso que você não apenas tenha confiança nessa pessoa como nos conhecimentos que diz possuir, antes de pôr em prática o que lhe for
sugerido.

Este ponto é o mais crítico de todo o processo, porque são muitos os que se julgam profundos conhecedores dos mecanismos do espírito, mas não passam de meros curiosos, totalmente despreparados, a pontificarem, cheios de empáfia e mistério, munidos apenas de lamentável primarismo.

A mediunidade não é uma doença mental ou desequilíbrio emocional, e, sim, uma sensibilidade especial do psiquismo humano, uma faculdade nobre que, bem-orientada e adestrada, serve maravilhosamente bem de instrumento de ligação entre os seres que vivem encarnados e os que estão, no momento, vivendo no mundo que, para nós, é invisível.

Uma boa palavra aqui é esta: calma! Outra coisa, não menos importante, é a seguinte: se não sabe, aprenda a orar.
Paz a todos...

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