quarta-feira

Morri ! e Agora? 14

Capítulo Quatorze
Os abusos do Sexo


- Você morreu, Mercedes! Está mortinha! - exclamou com maldade um homem de aspecto sinistro.

- Não! É mentira! - gritei desesperada.

- Está morta, sim! Infelizmente é verdade! - disse uma mulher suja e muito pintada.

- Quem é você? - indaguei-a.

- Pombagira (9)!

Estava muito perturbada, cansada e com falta de ar. Estava no meu quarto, no casarão - chamávamos de casarão o bordel. Era uma construção antiga, muito grande e com vários quartos. Residia ali havia anos e gostava muito. A casa era organizada, os proprietários eram um casal de estrangeiros,que alugava os quartos, promovia festas, mantinha os empregados e seguranças. Eu não frequentava nenhum culto ou igreja, mas orava e pedia sempre para Nossa Senhora me amparar. Algumas mulheres do casarão frequentavam um terreiro de candomblé e elas diziam que Pombagira era a protetora das prostitutas.

Olhei-a, examinando-a. Achei que estava sonhando.

A porta do meu quarto abriu e três mulheres que residiam comigo entraram conversando.

-Vamos pegar para nós as roupas da Mercedes, as que podem nos servir. O resto vamos doar.

- Que morte estúpida! Vocês não acham?

- Toda morte é um horror! Não acredito que Mercedes tenha se suicidado!

- Para mim, ela não se suicidou! É mais fácil para a polícia e para os proprietários dizer que ela se matou. Um
crime sempre é mal visto.

- Temos de nos cuidar! Ninguém dá valor à vida de uma prostituta!

Conversavam sem parar, falando de mim. Pegaram tudo o que era meu e saíram.

- Quero acordar! - gritei batendo a cabeça na parede.

- Mercedes - falou a mulher que se denominou Pombagira -, calma! Você de fato morreu!

- Eu?! Morri?! E agora? Faleci como? Eu não me suicidei!

- Claro que não! Se tivesse se suicidado estaria junto de seu corpo físico, vendo e sentindo os vermes devorando-a. Vou ajudá-la a se lembrar. Chantageou aquele homem e ele a matou de forma que pudessem achar que você se suicidou.

Lembrei-me, estava encontrando ultimamente com um homem que tinha fama de maldoso. Ele estava me tirando dinheiro e eu o ameacei: "Se ele não parasse eu ia contar para a mulher dele tudo o que fazia de errado". Ele riu e não se importou. No dia da minha morte eu estava na banheira tomando banho e ele apareceu de repente, devia estar escondido no banheiro. Tampou meu nariz e boca com um pano molhado em algum remédio que me fez perder os sentidos, depois afundou minha cabeça dentro d'água e afoguei-me.

- Que horror! - falei chorando. - Ele não vai ser punido? Assassinou-me!

- Nossas companheiras de prostituição têm razão, ninguém se interessa muito pelo que acontece com uma prostituta. Ainda mais quando já se está ficando velha! Mas, ele matou, é um homicida, pode até ficar sem punição no corpo físico, mas um dia terá a reação. Pois tudo o que fazemos de ruim fica marcado em nós, pecados nos pesam de tal maneir'a que não conseguimos ir para lugares melhores.

- Você não está alegre! Pombagira não é animada?

- Fui prostituta quando encarnada e não consigo me livrar dos meus vícios de fumar, beber e fazer sexo, por isso, fico mendigando as sensações dos encarnados.

- Está tudo complicado demais! - expressei-me, lamentando. - Não entendo, morri e estou viva! Irei para o
inferno?

- Será que você ainda não percebeu que inferno é tudo isso? Vou lhe mostrar como será sua vida de agora em diante! - falou ela.

Puxou-me pela mão e me levou a um lugar estranho, mas conhecido por mim.

- Você, Mercedes - explicou-me a mulher-, vinha aqui quando deixava seu corpo carnal dormindo. Estamos ligados ao que cultuamos - suspirou. - Tive um nome quando encarnada, chamava-me Vera. Agora me chamam lá no terreiro de Pombagira. Você também será uma Pombagira, uma das secundárias como eu. Vai viver neste lugar e para se alimentar terá de sugar energias dos que estão encarnados lá no bordel. Você é viciada, e a morte não nos livra dos vícios.

Sentirá vontade de fumar, beber e fazer sexo, como também de se alimentar, terá sede e dores. Você deve ter cuidado e ser cautelosa. Aqui temos chefes e a aconselho a obedecer, senão receberá castigos terríveis.

Aquela mulher me mostrou tudo. Ali havia algumas casas e um salão enorme para festas. Vi muitas pessoas que pareciam ter relações sexuais no chão, pelo gramado feio e seco, sem se importar com os outros. Havia pessoas ali que eram diferentes.

Ela me explicou:

- Esses com cordões são encarnados e os outros, desencarnados como você e eu,

Encarnados afins visitam este lugar quando seu corpo físico dorme. Alguns lembram como sonhos eróticos.

- Está sempre na penumbra? - perguntei.

- Sim está - respondeu ela. - Mercedes, ali naquela casa, mora a chefe que comanda este local. Se ela precisar de você, manda chamá-la. Para viver razoavelmente aqui é melhor evitar complicações e brigas. 

Agora tenho de me ausentar, você fica por aí, à noite venho buscá-la para levá-la ao bordel.

Fiquei sozinha, tive medo e vontade de chorar. Um homem tentou me agarrar, tive de lutar para me livrar dele. Vi outro homem chorando, sentei perto dele que me falou desabafando:

- Estou cansado! Nunca pensei que cansaria de sexo. Tenho pensado muito na minha avó, no que ela me dizia:

"Todo abuso cansa!". E esse cansaço me faz sofrer!

Uma mulher o puxou e rolaram pelo chão.

Quando minha companheira veio me buscar, falei a ela:

- Aqui, alguns parecem estar infelizes! Por quê?

- A morte do corpo é complicada e ao mesmo tempo simples. Sentir de um jeito ou de outro depende da pessoa. Por isso não complique a sua. Aqui, Mercedes, não é um paraíso, deve ter percebido. Você não estaria num local desses. Inferno também como nos ensinaram, fogo eterno, também não o é, chamamos esse lugar de umbral. E aqui, especialmente, moram os que abusaram do sexo, sejam homens ou mulheres.

Para uns é uma escola de correção, para outros ainda é por algum tempo uma fonte de prazer.

- Não pensei que depois de mortos continuaríamos abusando do sexo - falei.

- Somente o corpo de carne morre. Continuamos vivos e nós construímos, encarnados, a nossa vida depois que desencarnamos.

Somos agora desencarnados e não usufruímos do sexo como os que estão no plano físico; para ter as sensações temos de vampirizá-los. Não percebe, Mercedes, que isso aqui é um castigo!

- Você sente-se bem, é feliz? - indaguei-a.

- Não sou! Queria ter morrido mesmo. Acabado! Meu corpo físico ficou doente, morreu e continuei a viver erradamente. Chega de conversas desagradáveis. Vamos ao bordel.

Lá, vi muitos desencarnados ficarem perto de encarnados e sentirem como se estivessem fumando, embriagando-se e sentindo os prazeres do sexo.

Senti muita vontade de fumar e fiz como os outros desencarnados que estavam lá.Saciei minha vontade,senti como se estivesse fumando etc.

E assim vivia, ora estava no umbral, naquele estranho lugar onde era visitada por muitos encarnados, ora estava no bordel vampirizando os encarnados. Tornei-me uma Pombagira secundária, aquela que somente pode vampirizar e fazer pequenos favores aos frequentadores do bordel para ter o gozo de seus vícios.

Via sempre meu assassino que continuava a enganar, a trair e não tinha nenhum remorso de ter me matado. 

Ele estava envolto por uma sombra negra, característica dos homicidas. Não gostava de vê-lo.

Cansei de viver daquele modo. O vazio dentro de mim passou a doer. Comecei a sofrer. Tinha medo de dizer e receber castigo.

Passavam por ali, no umbral, alguns desencarnados diferentes que eram chamados por nós de muitos nomes depreciativos. Comecei a prestar atenção neles, observava-os de longe. Eram tranquilos e felizes. Um dia, aproximei-me deles e pedi com sinceridade: 

- Por Deus, ajudem-me! Não quero ser mais má! Quero auxílio!

Eles me levaram para um hospital. Fui tratada pela primeira vez como um ser humano, como o próximo deles.

Compreendi que errara muito e quis me modificar.

Erramos muito com o abuso e quando nos perdemos nos vícios. Tive de fazer um longo tratamento para me livrar dos reflexos que sentia do meu corpo físico, pois ainda eram muito fortes no meu perispírito, e também para não ter mais vontade de fumar, embriagar-me e entender a função verdadeira do sexo.

É muito triste lembrar de tudo o que me aconteceu. Em bordéis, locais como motéis e onde as pessoas bebem, fumam, drogam-se, há sempre desencarnados para sugar, vampirizar para sentir sensações. Depois, quando esses encarnados mudam de plano, quase sempre continuam indo a esses lugares para vampirizar a outros. É um círculo!

Escutei quando estava no umbral de uma companheira de infortúnio: "Mercedes, você já gostou muito de um determinado alimento?

Comeu tanto que enjoou? Gostamos de sexo, abusamos e aqui o temos até enjoar. E quando enjoamos é o começo do castigo, não conseguimos parar".

Tive a vida que escolhi. Fui prostituta por opção. Fui humilhada, levei muita surra, mas bati também. Odiei meu assassino; mas o ódio passou e tive dó dele porque sei que ele sofrerá um dia. Conheci no bordel algumas mulheres que não tiveram escolha, estavam ali por vários motivos e não gostavam. Quando morei no casarão, ajudei muitas moças a saírem de lá e a obterem outra forma de sobrevivência.

Agora que conheço a vida digna que um desencarnado pode ter, compreendo o tanto que os viciados sofrem. Fui viciada em sexo, fumo e bebida. Desencarnei, e a eles fiquei presa. Continuei a fazer com a minha mudança de plano o que fazia quando encarnada, porém de modo diferente, mas tentando usufruir dos vícios. 

Sofria e não conseguia largar. Até que tive coragem para mudar. A indagação que fiz ao ter meu corpo físico morto, foi confusa, primeiro pensei que estava sonhando, depois entendi que a vida continuou e para mim sem muitas diferenças.

Ainda estou em tratamento, estudo e faço pequenas tarefas. Somente vou pedir para reencarnar quando estiver bem segura.

Sei que terei de passar por provas no plano material e só poderei dizer que me curei dos vícios tendo oportunidades de usufruí-los e negá-los. E benditas são essas oportunidades!

Mercedes
Explicações de Antonio Carlos

Escutamos conselhos cautelosos para sermos cuidadosos com aquilo a que nos dedicamos na vida encarnada. Vícios nos prendem, virtudes nos libertam, Os reflexos do corpo físico são muito fortes naqueles que cultuaram o envoltório carnal. Além de sentir fome, sede, frio, dores, também sentem desesperadamente a falta do objeto de seus vícios.

Sabemos de muitos desencarnados que saem de locais de socorro por causa do fumo, da bebida e das drogas. Temos a liberdade de nos ligar ao que queremos, a atitudes boas ou más, só que se as ações são consideradas nocivas, teremos muita dificuldade para nos libertar.

Novamente digo, já repeti muitas vezes, desculpe-me o leitor, mas são nossas ações que nos acompanham, é a nossa propriedade verdadeira. Sei de muitas mulheres que foram prostitutas, que desencarnaram com muitas boas ações e não passaram pelo que essa nossa convidada passou.

Mercedes foi assassinada e desligada por desencarnados que frequentavam o ambiente onde vivia. Esse processo de desligamento, de tirar o espírito vivo, pois este não morre, da matéria carnal morta, é tarefa para os que sabem e muitos moradores do umbral sabem e fazem.

Pombagira são desencarnados, principalmente os que vestiram quando encarnados uma roupagem feminina, que foram promíscuos sexualmente e continuaram na espiritualidade viciados. Chegam até a incorporar se a encarnada for médium. Fazem favores aos que estão no plano físico desde que possam usufruir do prazer. 

Não é uma entidade somente que recebe esse título de Pombagira. São muitas que se apresentam em terreiros,ou seja, em lugares que usam a mediunidade sem estudo e conhecimento que visam a melhora do indivíduo. Obedecem normalmente a chefes e tentam viver desencarnadas do melhor modo possível. Porém, como ela nos narrou, cansam-se e sofrem. Porque vício e prazer nos deixam um vazio e essa vacuidade dói.

O perispírito é idêntico ao corpo físico, e aqueles que cultuam muito o sexo, podem ir a esses locais no umbral e plasmarem'(10) uma relação sexual. Mas é vampirizando encarnados que julgam ter prazer. Muitos se iludem vivendo com o perispírito, achando que estão na vestimenta física e fazem quase tudo o que os encarnados fazem.

Pelo umbral existem muitos lugares onde se agrupam desencarnados, tanto homens quanto mulheres que abusaram do sexo. São locais que causam tristeza. E esses moradores tanto ficam lá como junto de encarnados afins.
9 - Pombagira: ou Pombajira é uma expressão original do dialeto banto da África.É a companheira de Exu. Fonte: Dicionário Aurélio (N.E.) 
10- Plasmar: criar alguma coisa por meio do pensamento, manipulando o fluidocósmico (N.E).


Paz a todos...

Um comentário:

Ana Cecilia Romeu disse...

Soninha,
vim te avisar que também estou seguindo este blog teu. Achei muito interessante! Mas pelo avançado da hora, agora não conseguirei ler o texto com a calma que merece!
Beijinhos e ótimos dias!