sábado

Morri ! e Agora ? // 09

Capítulo Nove
O Vestido Vermelho

Tudo mudou. Saí de um lugar sem entender como e fui parar em outro muito confortável. Passei a ser tratada com carinho.

- Venha sentar-se aqui, Júlia. Veja que flores lindas! Só que não pode pegá-las.

Ri e peguei uma. A enfermeira veio rápido até mim, e disse enérgica:

- Por que a pegou? Não recomendei para não colocar as mãos nelas?

Ela não me castigou. Fiquei um pouco envergonhada e fui sentar num banco. O médico aproximou-se, não gostava deles, mas esse era diferente, não mandava me dar nada que doía.

- Júlia, você quer alguma coisa?

- Meus dentes - respondi e gargalhei

Gostei da minha resposta, quem mandou ele perguntar. O médico sorriu, esperou que parasse de rir e disse:


- Você ficará bem melhor com seus dentes sadios.

Venha comigo!

Fiquei com receio, mas fui, pois aprendi nos anos em que estive em hospitais que quando queriam nos levar a algum lugar era melhor ir, porque senão nos levavam à força. Atravessamos alguns corredores. O médico conversou com um outro, que me pediu para sentar numa poltrona confortável.

-Abra a boca, Júlia! Vamos fazer nascer dentes sadios.

Abri com medo. Ele examinou e mediu minhas gengivas. Senti os dentes na minha boca.

- Pronto, Júlia, olhe-se no espelho. Aí estão seus dentes bonitos e sadios.

Olhei e assustei-me. Minha boca que antes era banguela, porque os dentes cariados foram extraídos, agora estava com todos os dentes sadios e realmente lindos.

- Como fez isso? Eles saem? - indaguei.

Puxei-os com força e não saíram. Estava com os dentes sem cáries e perfeitos.

- Eles são seus e não saem. Plasmei-os para você. Está contente?

- Acho que estou num hospício diferente; aqui até os médicos são loucos! - exclamei. - Estranho! Estou falando frases longas e com facilidade. Será que estou melhorando?

- Claro que está! - respondeu ele.- Não sou médico, sou dentista, ou exerci essa profissão quando encarnado. Aqui estou aprendendo muito. Você quer mais alguma coisa, Júlia?

- Vocês dão de graça? Não tenho dinheiro para pagar meus dentes - Aqui tudo é gratuito - respondeu ele.

- Se puder quero meus cabelos compridos! Quando menina, e depois quando mocinha, usava cabelos compridos, depois no hospital cortaram-nos curtinhos; diziam que era para ficar mais fácil mantê-los limpos. 

Chorei muito quando os cortaram. E nunca mais deixaram crescer; ultimamente os cortavam tão curtos que parecia corte masculino.

O dentista sorriu, puxou-me pela mão e atravessamos outros corredores.

- Aqui - explicou ele - é a sala da diretoria. E essa é Isabel. Vou dizer a ela sobre seu pedido.

Isabel, uma mulher muito bonita, abraçou-me.


- Faço o que você quer num instante. Passou a mão na minha cabeça.

- Veja se está bom desse tamanho!

Olhei-me no espelho de novo,- espantei-me. Meus cabelos estavam abaixo dos meus ombros e de tom castanho escuro como era na juventude, pois atualmente estavam embranquecidos.

Passado o susto, puxei-os com força. Não saíram, foram os meus mesmos que haviam crescido.

- Gostou? - Isabel perguntou sorrindo, contente diante da minha alegria.

- Será que não dá para deixá-los um pouco mais lisos? Isabel sorriu, passou as mãos neles novamente e ficaram como desejei.

- O que mais você quer, Júlia?

- Será que não estou abusando? Não! Queria tanto vestir uma roupa feminina. Um vestido vermelho com renda na frente, colocar um sapato preto com saltinho Nem sei quanto tempo faz que uso somente esse uniforme do hospital.

- Deixe-me ver - Isabel leu uma ficha -, de fato faz tempo mesmo, quarenta e dois anos que você vive em hospitais. Merece o vestido e o sapato. Acho que tenho um que lhe serve.

Isabel entrou em outra sala; aguardei alguns minutos, passando as mãos ora nos meus dentes novos, ora nos meus cabelos.

Estava encantada.

- Aqui estão? Gosta! Venha aqui e troque de roupa. Maravilha das maravilhas! O vestido e os sapatos serviram em mim. Eles eram como eu sonhava.

- Obrigada! - exclamei felicíssima.

Quis beijar a mão dela,mas Isabel emocionou-se e me deu alguns beijos no rosto e uma caixa de maquiagem. Como uma menina feliz com o presente, aproximei-me do espelho, passei baton e depois esmalte nas unhas. 

Estava tão feliz que pedi a Deus que se fosse um sonho, não me acordasse. Isabel me deu também o espelho, e disse que poderia voltar ao jardim.

Fui caminhando, rindo e me admirando. Batia o salto do sapato no chão e ouvia o barulho como um lindo som. Passava as mãos na roupa, sacudia a cabeça para meus cabelos balançarem. Sentei num banco e sorria diante dos elogios. Naquela noite dormi com o vestido Foi no outro dia que comecei a achar esses acontecimentos estranhos, e fiquei pensando:

"Por que será que esse hospital é assim? Posso estar louca, mas eles devem estar mais Não! Eles não estão doentes e eu sinto que melhoro a cada dia".


A enfermeira veio ver se queria alguma coisa e pedi a ela:

- Quero consultar-me com o médico! Por favor, marque uma consulta.

- Está sentindo alguma coisa? Dor? - perguntou ela solícita.

- Não - respondi -, mas preciso falar com ele.

Ela se afastou e logo em seguida o médico veio e sentou-se ao meu lado.

- Oi, Júlia! Pode falar. O que quer?

- Sou louca! - exclamei. - Fiz muitos tratamentos.

Não sarei! Estou internada há muitos anos. Isabel me disse que faz quarenta e dois anos. Desde os meus dezesseis anos quando tive uma crise séria, não saí mais do hospital. Minha mãe ia me ver, e depois que ela morreu, recebi algumas visitas dos meus irmãos; logo, todos esqueceram de mirrr. Sei que falo coisas que ninguém entende, outras vezes digo impropérios sem querer, outras falo porque quero. 

Não queria ser doente! Queria sarar! 

Quero que o senhor me explique o motivo de estar sendo bem-tratada e por que estou melhorando. Não me lembro, nesses anos todos, de ter falado tanto como agora. E parece-me que não estou
falando bobagens.

O médico sorriu, pegou a minha mão com carinho e tentou explicar:

- Você, Júlia, ficou muito bonita com este vestido vermelho! É linda! Vou tentar esclarecer suas dúvidas. Nós nascemos,encarnamos, crescemos e um dia o corpo físico morre e nós, espíritos, passamos a viver de outro modo, desencarnados. Julia, teve um corpo carnal doente, sofreu muito, e um dia ele morreu e você veio para a espiritualidade.

Não entendi de imediato, ele precisou explicar-me muitas vezes que estava vivendo agora, no plano espiritual.

A desencarnação para mim foi uma libertação onde deixei o corpo físico enfermo e passei a viver sadia e feliz.

Saí do hospital, o médico achou que já vivera por muito tempo nesse tipo de ambiente. Fui morar com quatro senhoras e uma delas ficou comigo até eu me recuperar.

Gostei demais de morar numa casinha, e a nossa era linda. Lar é uma preciosa bênção! Ganhei outros vestidos e sapatos. Encantei-me com eles. Passei meses dando importância à vestimenta*Arrumava-me, penteava meus cabelos e sorria para mostrar meus dentes.

Aprendendo a viver sem os reflexos do corpo físico, tornei-me sadia, fui estudar e depois quando estava apta, passei a fazer pequenas tarefas.

Tive doenças que me fizeram enferma nessa última encarnação desde a adolescência. Não cometi erro nenhum e sofri muito mesmo, por solidão, tratamentos dolorosos e dores físicas.

Recordo-me de todos os detalhes, porém não consigo dizer tudo o que senti.

Compreendia, às vezes, que não devia fazer ou dizer algo, mas fazia e dizia. Tinha um medo terrível dos tratamentos e de ficar sozinha. Passava por períodos em que não tinha consciência do que fazia; em outros,
compreendia melhor o que ocorria comigo.


O doente mental sofre e quase sempre sabe que sofre. Foram muitas vezes que chorei por estar doente. 

Tinha vontade de sair do hospital, morar num lar, ter roupas bonitas e comer doces e outros alimentos. Sentia saudades da minha família e não queria que eles tivessem medo de mim. Mas não conseguia expressar
minha vontade, dizer que queria.

Por que tive uma encarnação assim?

A resposta é simples: reações. Espírito sadio: vestimenta perispiritual e físico saudáveis. Não vou narrar o que fiz de errado nas minhas outras reencarnações, porque sei pouco e, por enquanto, não quero me recordar. 

Devo ter sido má. Na minha encarnação anterior, desencarnei e fui para o umbral, tive muito arrependimento, senti um remorso destrutivo. Mesmo tendo orientação, quis sofrer. Reencarnei e transmiti ao corpo físico muitas perturbações, adoecendo-o.

Graças a Deus não tenho mais ações negativas para sofrer no futuro as reações das dores. Quero me preparar bem, ser útil para que quando reencarnar seja com conhecimento, para ser uma enfermeira num hospital de doentes' mentais.

Meu abraço a todos.


Júlia
Explicações de Antonio Carlos

Em postos de socorro e nas colônias, dentro do possível e das normas da casa, os servidores fazem a  vontade dos recém-chegados. Júlia queria tão pouco: dentes, cabelo comprido e roupas.

Desejos assim, quando o abrigado aprende, ele mesmo plasma para si, mas outros podem fazer por eles. O espírito que foi dentista quando encarnado, plasmou para ela, não os dentes que tivera, que creio não eram sadios, e sim outros, perfeitos para sua arcada dentária. Isabel plasmou as roupas que ela sonhara ter. 

Alegre, feliz, Júlia recuperou-se logo. Teve de receber ajuda para não sentir o reflexo do físico e fez isso fora do hospital, num lar, com outras servidoras.

Nossa convidada tem razão, resgatou pela dor o que fizera de errado. Quando se erra e se arrepende, querendo pagar pela dor, sofrer, o espírito tem o livre arbítrio para fazê-lo.

Vemos também alguns desencarnados sofrerem tanto no umbral, perturbarem-se que, às vezes, necessitam de um corpo físico para ter o esquecimento e a bênção. E, para alguns deles, no plano físico, basta passarem por dificuldades para se desestruturarem e adoecerem. Júlia não foi obsediada.

Mas vemos em sanatórios muitos obsediados e esses, após receberem por algum tempo as energias negativas principalmente de ódio, acabam por adoecer o físico.

E, com toda a certeza, espírito sem ações negativas é sadio, conseqüentemente o perispírito e o corpo físico também o são.


PAZ a todos...

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