sexta-feira

Morri ! e Agora ? // 06


Capítulo Seis
Ana Preta

Estava cansada. Sentia-me isolada. Há tempos que a maioria das pessoas não me davam atenção.

Resmungava:

- Deve ser porque sou negra, feia e desdentada! É por isso que as pessoas não conversam comigo. Devo também estar doente! Bêbada! Doente de tanto beber pinga!

Não gostava de recordar o meu passado. Tive um lar até a adolescência. Minha mãe era empregada doméstica, cuidou de mim do modo dela e tive muitos padrastos com quatorze anos apaixonei-me por um homem de trinta anos que morava numa fazenda e fui embora com ele. Minha mãe chorou, pediu para não ir. Essa fazenda era longe e lá tive de trabalhar muito e cuidar dos filhos dele. Ele se embriagava e me batia. Um dia, fugi e voltei para a casa de minha mãe. Ela havia morrido e não encontrei mais nada dela.

Sem ter onde ficar, fui para uma casa de prostituição. Não gostei e logo saí de lá com outro homem. Ele também se embriagava e motivou-me a beber. Viciei-me. Morávamos numa casinha, num bairro pobre. Ele, às vezes, trabalhava, mas bebia cada vez mais. Tive com esse homem três filhos. Ele não os quis, deixei-os no hospital para serem adotados.

No terceiro parto, o médico me operou para não ter mais filhos. Esse meu companheiro morreu e desde esse dia, tornei-me andarilha e tive muitos outros amantes. Todos como eu, embriagavam-se. Quando mais jovem, até trabalhava de vez em quando, depois não conseguia fazer mais nada e passei a esmolar.

Vivia pelas ruas, passava às vezes dias sem comer. Pessoas generosas me davam roupas, alimentos e quando ganhava dinheiro, comprava bebidas.

Bebia com amigos que agora não falavam mais comigo. Eu estava dormindo embaixo de um viaduto, e comendo resto de lixo. As pessoas certamente cansaram de mim, nem respondiam quando lhes pedia esmolas.

Resolvi parar de me queixar e ir ao bar ali perto. Ia sempre lá; nem os freqüentadores nem o dono conversavam comigo, mas me deixavam beber com eles.

- Olá, Ana Preta! Vem cá, fique perto desse bebum e beba com ele.

Às vezes, achava que estava enlouquecendo. A bebida estava me deixando doida.

Via as pessoas diferentes, umas mais nítidas, outras nem tanto.Fiz o que um homem me aconselhou.

De repente, entraram umas pessoas no bar. Eram estranhas,amedrontaram a maioria.Estavam armados com correntes e barras de ferro.

"São bandidos!" - pensei, e tremi de medo.

O mais estranho é que algumas pessoas que estavam no bar nem ligaram; pareciam nem percebê-los.

Esses homens,com aparência de maus, olharam para todos os lados e pegaram um dos freqüentadores.

-Você vem! Terá de prestar conta ao nosso chefe!

O coitado gritou, pediu socorro. Alguns, estavam apavorados como eu, agrupamonos num canto, tremendo de medo sem saber o que fazer. Os outros nem pareciam vê-los.

Amarraram aquele que foram buscar com as correntes, e saíram. Não quis beber mais e resolvi ir embora. Alguns pensaram como eu e saíram também. Um deles comentou:

- Não temos segurança nem depois de morto! Coitado do Joca, os maus o pegaram.

No meu canto, embaixo do viaduto, fiquei pensando em tudo o que estava acontecendo. Há tempos não tinha companheiro, achava que era por estar doente e muito feia.

A solidão me amargurava. Pensei no que aquele homem disse: "Não temos segurança nem depois de morto!".

Não sabia orar, mas tinha fé em Nossa Senhora Aparecida - sua imagem era negra como eu. Estava inquieta sentindo falta da bebida, mas mesmo assim, ajoelhei-me e pedi para Maria, mãe de Jesus, ajudar-me.

Lembrei-me de umas pessoas e resolvi ir até a casa delas esmolar, pois sempre me davam algo. Uma vez um dos meus companheiros me disse que elas eram espíritas e que viam e conversavam com os mortos. Para mim, eram bondosas Fui lá e fiquei parada olhando a casa. Uma senhora veio até mim e me indagou:

- O que a senhora quer?

- A senhora me dará pinga se pedir? -Não!

- Então quero algo para comer.

- Venha comigo. Vamos, o dono da casa e nós, a um local onde você receberá ajuda.

Fiquei desconfiada, mas esperei. O dono da casa saiu e essa senhora me puxou pela mão.

- Vamos Ana Preta! Já é tempo de você compreender muitas coisas.

Entramos em um local tranqüilo. Senti-me bem, era limpo e algumas pessoas me cumprimentaram, outras pareciam nem me ver. Essa senhora me colocou junto de outras pessoas que como eu, estavam desconfiadas.

Achei tudo muito bonito. Uma senhora alegrinha falou que devemos amar e pensar em Jesus. Um senhor falou bonito, mas entendi pouca coisa. Gostei mesmo foi das orações.

Percebi que as pessoas se diferenciavam umas das outras. Aproximei-me de uma moça que estava sentada, havia um grupo desses que achei diferente, sentados em volta de uma mesa.

- Fale com eles Ana Preta! - pediu uma senhora. Cumprimentaram-me e eu respondi.

Como me deram atenção e me perguntaram como estava, falei de mim, da minha tristeza, solidão e
acabei chorando.

Um moço que conversava comigo fez-me ver que para se comunicar com eles, eu deveria falar e a moça que estava sentada repetia, porém ela não estava me imitando. Ele me pediu que prestasse atenção em nossos corpos e vi naquele momento que não éramos parecidos. com delicadeza me explicou, até que compreendi, que há tempos, meu corpo físico morrera.

Lembrei-me do acidente. Era de noite, estava embriagada, atravessei sem prestar atenção a rua e um carro me atropelou. Achei, naquele instante em que bati a cabeça, que dormi. Acordei embaixo do viaduto, não me lembrando direito o que acontecera.

Mas foi nesse atropelamento que desencarnei. Senti um medo terrível, dó de mim e indaguei:

"O que será de mim agora?"

Diante daquelas pessoas soube, então, que alguns estavam encarnados e outros desencarnados.

Todos, porém, eram bondosos e me ofereceram ajuda; tranqüilizei-me e aceitei o convite de ficar com eles.

Fui levada a um hospital; tinha um forte reflexo do corpo físico, das doenças e uma vontade imensa de beber.

Havia bebido tanto na minha vida encarnada, viciando-me de tal forma, que para me livrar dessa vontade tive de fazer um longo tratamento. Nesse período em que estive no hospital, estudei e aprendi a trabalhar, fazendo limpeza no local que me abrigava.

Quando terminei o tratamento, pedi para ajudar as pessoas que se embriagavam.

Foi-me explicado que não estava preparada para isso, que deveria fazer outro trabalho.

Fui ser útil na escola, fazendo limpeza e me dei muito bem.

Hoje sou chamada somente de Ana e meu aspecto está bom: estou limpinha, sadia e alegre.

Até chorei de emoção quando o senhor António Carlos me convidou para contar às pessoas o que senti quando desencarnei. Como narrei, no instante em que meu corpo físico morreu não senti nada, estava embriagada e fiquei por anos vivendo e ignorando esse acontecimento. Foi somente numa reunião espírita, de desobsessão que vim a saber que mudara de plano e que necessitava aprender a viver na espiritualidade. Foi difícil para eu me livrar da vontade de me embriagar, mas quando pela compreensão, livrei-me dos meus vícios, do reflexo do corpo físico, tornei-me muito feliz.

Ana

Explicações de Antônio Carlos

Ana foi, quando encarnada, uma andarilha que se embriagava. O choque foi grande no atropelamento e os órgãos de seu corpo físico pararam de imediato suas funções. No impacto foi desligada, isto é, seu espírito vestido do perispírito saiu do corpo carnal morto. Esse fato pode ocorrer com muitos indivíduos vítimas de choques violentos. Ela voltou para seu canto, sem entender o que lhe acontecera.

Achava que as pessoas não queriam conversar com ela,mas quando ia aos bares encontrava outros desencarnados, viciados na bebida.Iam vampirizar os encarnados que se embriagavam. Desencarnados não bebem, não comem alimentos ou bebidas da matéria. Vampirizam,ou seja, sugam de quem come ou bebe fluidos e sentem como se bebessem ou se alimentassem.

A cena do bar, descrita por Ana, aconteceu porque espíritos moradores do umbral vieram pegar um desencarnado que estava lá. Os desencarnados que vagam correm perigo de serem capturados e levados para o umbral e lá serem maltratados ou obrigados a trabalhar como escravos.

Quando Ana pediu ajuda, lembrando-se de Nossa Senhora Aparecida, foi instruída a procurar quem podia auxiliá-la. A senhora que ela viu na frente da casa era uma trabalhadora da espiritualidade e mentora do morador daquele lar.Ambos, a senhora e o encarnado, freqüentavam um centro espírita, ao qual Ana foi levada.

Lá ela recebeu a orientação de que necessitava. Como o trabalho de desobsessão é importante! Como se faz o bem a tantos iludidos!

Que esses trabalhadores continuem a realizar essa tarefa e, sempre, com amor e carinho.

Lembrando: quem orienta não precisa, com certeza, de orientação,pois já foi instruído a respeito do assunto. Vícios são adquiridos e quem se vicia, torna-se dependente deles. Libertar-se, deixar de ser viciado, cabe à própria pessoa.

Mas, tanto encarnados quanto desencarnados recebem ajuda. Ana necessitou de uma terapia para se livrar do forte reflexo que tinha.

Realmente, ela não está preparada para ajudar pessoas viciadas No plano espiritual existe cautela, e ela só estará apta a fazer esse trabalho quando provar a si mesma que tendo oportunidade não voltará a beber. Infelizmente muitas pessoas iguais a ela passam anos enganando-se, iludindo-se e achando que estão vivendo na matéria densa, no corpo carnal Ela somente teve consciência dessa sua mudança quando compreendeu, pela orientação de um encarnado,num centro espírita, que seu envoltório carnal morrera e aflita quis saber o que aconteceria com ela. Ana somente sentiu-se viver novamente quando se livrou do vício.



PAZ a todos...

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