quinta-feira

Morri ! E Agora? / 03

Capítulo 3
A artista

Sentia-me muito doente. Sabia que a doença que padecia era incurável, estava sofrendo muito e o tratamento também era dolorido.

Pedi muitas vezes ao médico, que conhecia desde criança, para interromper o tratamento.

- Esses remédios me fazem mais mal do que bem! -exclamei.

Ele explicou por minutos que eu estava errada e que, embora doloroso, era o que a medicina oferecia etc.

- Meu querido doutor deve ter pensado melhor e ter feito o que eu queria. Só que não está mais me visitando! -Falei suspirando.

Meu mordomo, secretário, nem sei mais o que ele era para mim, porque fazia de tudo em casa, entrou na sala em que eu estava. Talvez, pensando melhor, a definição que poderia lhe dar, era de apaixonado-amigo.

Silencioso e triste abriu a cortina de uma das janelas. Nada falou. Estavam ele e uma das empregadas que ficou comigo, obedecendo-me. Eu não queria conversar. Primeiro, por não gostar mais de falar; não tinha assunto a não ser de doença e isso me cansava.

Segundo, porque depois que meu filhinho faleceu, desinteressei-me de tudo.

Tinha bastante dinheiro e o mordomo, administrava-o bem.

Fechamos a casa com nós dentro, isso para que jornalistas ávidos por notícias não conseguissem alguma foto minha doente. já não parecia mais a jovem que fora. E ele, meu mordomo, não me dava motivos para recriminá-lo. Abriu a cortina da janela que dava para os fundos da casa.

- Como agora não gosto de jornalistas! - expressei-me baixinho.

Ele me olhou, ou talvez para a poltrona em que eu estava. Aproxímou-se devagarzinho e arrumou a manta que estava sobre a poltrona, cobrindo-me.

Olhei-o agradecida. Sabia que ele me amava e foi somente por esse amor verdadeiro que ficou comigo. Era meu empregado há anos. Um dos meus namorados insinuou que ele era apaixonado por mim. Ri naquele momento.

Depois da tragédia, fiquei doente e ele ficou ao meu lado, compreendi que esse homem me amava, mas era tarde demais.

Pensei nos repórteres e jornalistas, agora me escondia deles. Antes não fora assim, gostava de ser fotografada, exibia-me diante das câmeras. Fazia de tudo para ser entrevistada e sair em jornais e revistas. Mas o tempo passou e eu mudei.

"Pense na sua vida e preste atenção nas mudanças que houve!"

Escutei alguém me falar, mas como não vi ninguém, achei que eram pensamentos meus.

As vezes sentia que escutava meu filhinho, achava que era por sentir muito sua falta.

Cochilei e acordei na minha enorme cama.

- Estou muito sozinha! Nenhuma visita! - falei resmungando.

Proibira as visitas e quando alguém vinha me ver, não as recebia. E, ultimamente, até o médico da família não vinha mais. Nem meu irmão, ele se zangara por não querer ir para o hospital. Estava tendo o sossego que desejava, mas me sentia sozinha.

Nos tempos de glória, aparentemente fui feliz. Fama, sucesso e com isso, dinheiro. Fora os maridos, amantes e muitas badalações.

De uma relação mais séria, nasceu meu filho. Amei-o muito. Com a separação, ele ficou comigo e nos tornamos grandes companheiros, unidos por uma relação maravilhosa que somente existe entre mãe e filho. Estava com ele sempre que possível. Até recusei alguns trabalhos para ficar juntinho dele.

Meu filho crescia forte, bonito e muito inteligente.

Viajava a trabalho sempre. O mordomo e as empregadas ficavam com meu filhinho, que adoravelmente, cativava a todos, sendo em casa um reizinho muito amado.

Meu filho nunca saía sozinho, levavam-no e buscavam-no na escola. Um dia em que eu estava viajando, tendo um dos professores do seu colégio falecido, as crianças foram dispensadas mais cedo e ele voltou para casa de carona. O portão da frente de nossa casa era todo de grade com pontas. Meu filho em vez de tocara campainha, resolveu, sabe-se lá porque, pulá-lo.

Caiu e ficou ferido por uma ponta no pescoço. Pessoas que passavam pela rua viram, gritaram, meus empregados acudiram. O mordomo aflito levou-o para o hospital, onde morreu de hemorragia.

Sofri tanto, não queria acreditar. Quis, com sinceridade, ser enterrada com ele.

Fiquei depressiva e adoeci.

Fizeram o que eu pedi, não conversavam comigo e não recebiam visitas. Mas não estava satisfeita. A solidão me deixava mais triste e a doença me fazia delirar. Ora escutava alguém que me dava a impressão de ser meu menino a me falar para analisar a situação, ora sentia pessoas orarem por mim. Ao sentir isso, achava que eram fãs querendo que me curasse. Mas às vezes, sentia ou escutava pessoas chorarem achando que haviam me perdido. Eram sensações estranhas que me deixavam confusa; desejava que passasse logo, mas não passava.

Por tempos vivi nessa agonia e tristeza, sem conseguir definir se foram meses ou anos.

Um dia, o mordomo entrou no quarto, então resolvi sair do meu mutismo.

- Você tem sido um leal amigo! Pode falar, vamos conversar Ele não respondeu.

Estranhei e repeti:

- Sente-se aqui perto de mim. Vamos conversar! Ele deu uma olhada pelo quarto e saiu.

"Será que o ofendi? Certamente o fiz, mas não foi por querer" - pensei.

Conquistara, usando de minha beleza muitos homens, mas não o seduzi, nunca tive a pretensão de ter um caso com um empregado.

- Já viu como é o corpo dele e como é o seu? - a voz que ouvia de vez em quando me falou.

-Vou telefonar para meu médico ou para meu irmão!

Não consegui tirar o fone do gancho. Toquei a sineta que fora colocada na minha mesinha de cabeceira desde que ficara doente. Nada.

Depois de um tempo, o mordomo entrou no quarto. Olhou tudo, passou a mão pela cômoda, pegou um porta-retrato com fotos minhas, olhou-as com carinho e disse baixinho:

- Perdoe-me! Não pude impedir que seu irmão, seu herdeiro, vendesse tudo! Amanhã virá o caminhão para retirar alguns móveis que serão leiloados. Logo, os novos proprietários estarão aqui e modificarão tudo. Irei embora! Esta casa deveria ser um santuário e não deveria ser modificada.

"Como?!" - gritei. - "O que está falando? Meu irmão vendeu tudo? Como pôde se eu ainda não morri?"

-Veja a diferença! - escutei a voz.

Olhei para ele examinando-o e depois para mim. Estávamos muito diferentes. Ele sadio e eu doente. Mas a voz insistiu. Analise-o novamente. O mordomo chorava sentido.

Então percebi que seu corpo era grosseiro e o meu leve e diferente.

Pedi para ele ficar no quarto comigo, mas ele saiu.

Escutei barulho. Abriram o quarto, meu irmão e o mordomo entraram, meu mano deu ordem:

-Você, por favor, pegue tudo o que era de uso pessoal e os retratos, coloque-os nestas caixas, vou levá-las comigo, depois resolvo o que farei.

- Ela nos fará falta! - falou o mordomo.

- já faz! Entenda que não posso mais deixar esta casa sem moradores, e não pretendo residir aqui.

- Compreendo! - expressou o mordomo triste. "Por que faz isso?" - gritei.

Meu irmão suspirou e disse como se falasse a si mesmo.

- Minha irmãzinha morreu! Uma artista como ela, não deveria nunca morrer! Tem pessoas que vieram à Terra para serem eternas.

Abri a boca de espanto.

"Eu, morri?!"

Deviam estar enganados. Estava ali, doente, mas viva. Olhei-os, estavam sérios, expressões sofridas e não iam brincar com esse assunto sério: a morte. Tremi de medo.

E novamente a voz:

- Calma! Você nunca pensou nas coisas boas que fez? Não estava com vontade, mas me lembrei. Pratiquei muitas caridades, tinha muito dinheiro. Nunca maltratei ninguém e ajudava sempre que podia, todos a minha volta.

- O que mais quer nesse momento? - a voz me perguntou.

-Ver meu filhinho! - respondi em tom de súplica.

- Não terá medo? -Não!

Senti alguém pegar na minha mão. Olhei-a e vi uma mãozinha. Deliciei-me com o contato e com o carinho. E junto da mãozinha foi se materializando a figura do meu filho.

- Filhinho do meu coração! Você veio me ver! Sinto tanto sua falta!

- Mamãe, tive meu corpo físico morto e continuei vivo em espírito. Tenho lhe pedido para observar nossos empregados, os dois que ficaram nesta casa.

- Meu irmão quer vendê-la! - expressei-me sentida. Nisso o mordomo voltou com as caixas. Abriu a cômoda, foi pegando alguns objetos e colocando-os dentro.

- Ele é nosso amigo querido! - disse meu filho. -Observe-o, mamãe, ele é diferente de nós. Nós dois morremos, ele não!

O mordomo chorava, e eu também.

- E agora meu filho? Que faço? - indaguei com ansiedade e medo.

- Venha comigo! Aqui é local de moradia para quem ainda tem o corpo carnal, nós que o deixamos, temos outros locais para viver.

Abraçamo-nos, confiei e fui com ele, que volitou comigo. Fui abrigada numa colônia e internada num hospital. Minha adaptação foi longa. Sentia-me doente, tive de receber muita ajuda para me sentir novamente sadia. Quando melhorei, senti falta das atividades artísticas, de ser admirada pelos fãs. Mas, acostumei-me, principalmente tendo ao meu lado meu filhinho. E a vida continuou muito diferente para mim. Era acostumada ao luxo e a ser servida, ali tudo era lindo, mas simples, e tive de aprender a servir.

Ao desencarnar, meu espírito foi desligado da matéria e meu corpo enterrado com pompas. Continuei em casa, sem compreender o que me acontecera. Fiquei muito tempo confusa. Meu filho ia sempre me visitar, tentando me explicar que meu corpo físico morrera; era dele a voz que ocasionalmente eu escutava.

E o mordomo, amigo fiel, de fato me amou, dedicou-se a mim com fidelidade. Ficou o quanto pôde em minha casa, tomando conta de tudo.

Fãs compadeceram-se comigo na tragédia que me abalou, com o acidente em que meu filho desencarnara e com a minha doença. Meu desencarne foi sentido. Muitos oraram por mim, outros choraram. Mas tudo passou. Aos poucos foram me esquecendo, alguns ainda se lembram do meu trabalho, labutei muito para conseguir ser conhecida e admirada.

Sofri como uma pessoa comum. E somente compreendi e indaguei: "O que faço agora que morri?", tempos depois, quando tive consciência desse fato. Foi uma sensação muito estranha, senti um vazio, como se passasse por uma porta, e essa se fechasse e não saberia o que encontraria pela frente. Ainda bem que Deus é misericordioso e permitiu que encontrasse meu filhinho.

Tenho planos de aprender para ser útil aqui na espiritualidade. Desejo trabalhar auxiliando os que sofrem. Quero esquecer o passado, mas, às vezes, sou reconhecida aqui no plano espiritual.

- Você não foi artista?

- Sim, respondo.

Depois de observada e de alguns comentários, retornamos às atividades. Sei que esses fatos serão cada vez mais raros, porque tudo muda, passa, e conosco permanece o que de fato somos.

Explicação de Antônio Carlos

Essa convidada não quis se identificar. Porque nomes são para sermos identificados por uma encarnação. Podemos nos tornar conhecidos por muitos motivos, por sermos talentosos ou por um trabalho sério, seja esse nas artes, na ciência, na religião etc. já tivemos muitos nomes e, com certeza, teremos outros mais. E todos nós nos defrontamos com a morte do corpo físico, famosos ou não. E essa foi a história dela.

Muitos indagam o que acontece com pessoas conhecidas que têm muitos fãs. A desencarnação para elas não é diferente. O corpo carnal morre. E o socorro logo em seguida é para aqueles que fizeram jus. Assim como se comenta entre os encarnados a mudança de plano de pessoas famosas, na espiritualidade também se ouvem comentários quando isso acontece.

Dizem os desencarnados maldosos e cheios de inveja: "Teve de tudo e do melhor: homens ou mulheres, carros, viagens, comeu muito bem, fez tudo o que queria. E agora? Morreu! Se pudermos a traremos para cá e sentirá então o que é viver sem nada!

Vai ter de sofrer! Etc." Entre os bons se escuta:

"Admirava seu trabalho! Como foi esforçada! Como trabalhou para chegar aonde chegou! Praticou muitas caridades. Era bom filho ou boa filha, e era ótimo pai ou ótima mãe! Etc. Que Deus a abençoe e que ela possa compreender sua mudança de plano, aceitar seu desencarne e ser socorrida." Quase sempre lamentos e choros de fãs as incomodam, mas as orações de carinho fazem uma barreira em que desencarnados trevosos não conseguem se aproximar. E para onde vão depois, se é para o umbral ou para uma colônia, dependerá somente delas. Ser conhecida foi resultado de um trabalho e o foi por uma ocasião, mas são os nossos atos que nos acompanham e nos farão ficarmos bem ou não.

Paz a todos...

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