quarta-feira

Morri ! e Agora? // 10

Capítulo Dez
Ateísmo

Quantas tristezas, agonias, inquietações, perturbações e sofrimentos.

Não sabia nem conseguia entender o que ocorria comigo. Eu sonhava? Era então um pesadelo, do qual não acordava. Fiz de tudo para despertar daquele sono horrível.

Bati a cabeça nas paredes e belisquei-me tanto que estava toda dolorida. Até entrei n'água. Lembrei-me de que minha mãe falava que a água despertava. Entrei num chafariz de uma praça. E a água passou por mim e não me molhou. Escutei de um senhor que passava por ali:

- Saia daí! A senhora morreu! E defunto não se banha! Respondi com grosseria, e ele gargalhou:

- Sua doida! Morreu e finge não saber! Até quando manterá sua ilusão?

Achei então que enlouquecera. Sabia que na cidade onde eu residia havia um sanatório e fui para lá em busca de ajuda. Se estava doente necessitava de tratamento.


Fui andando, cheguei na frente do grande sanatório; estava fechado. Bati no portão. Depois de esperar alguns minutos, um senhor apareceu à minha frente. Encabulei-me.

Ele não abriu o portão e não consegui ver por onde passou, cumprimentei-o e depois pedi:

- Senhor, quero entrar e me consultar com o médico.

- O que a irmã está sentindo? - perguntou ele.

- Desculpe-me, não quero ser indelicada, mas essas respostas quero dar ao médico.

- Irmã, aqui é um hospital para pessoas encarnadas, por isso devo saber o que quer.

- O senhor é muito abusado e não sou sua irmã. Exijo vir alguém da diretoria. E logo, senão vou me queixar de você.

- Está bem, venha por aqui!

Pegou na minha mão e atravessamos o portão. Gritei. Ele nem se importou. Levoume para um local que não parecia hospital.

Era um salão, com muitas cadeiras e à frente tinha uma mesa. Meu condutor largou minha mão e disse a outro senhor:

- Essa senhora veio para se internar. É uma iludida!

- Marcinho, tenha paciência! Lembro-o de que deve tratar bem a todos.

- Ela me destratou; acha que por ser porteiro sou inferior. Deve estar acostumada a tratar mal aqueles a quem julga insignificante.

Deve ser por isso que está nessa situação. Mas vou tentar ser mais educado. Estou esforçando-me para ser
paciente.

O porteiro afastou-se e o outro senhor aproximou-se de mim, sorriu, cumprimentou-me e indagou:

- O que a senhora deseja?

- O senhor é médico? Só falo com o médico. Desculpe-me, é que estou cansada.

- Então, sente-se aqui, sirva-se de água fresca e descanse; assim que for possível o médico virá lhe ver.

- Ficar aqui neste salão? Não tem lugar melhor?

- Infelizmente, não! - respondeu ele sorrindo e com expressão gentil.

Resmunguei baixinho. Aquele hospital era um horror. Que atendimento ruim. Tomei a água que achei muito saborosa e sentei-me.

Pensei e concluí que ali seria, com certeza, maltratada.

Louco raciocina? Estava raciocinando, e certamente não estava doente. Achei então que viera em local errado. Levantei e olhei através do vitrô. Vi o pátio com duas ambulâncias, uma delas ia sair. Corri para o pátio tentando me esconder. Quando o portão abriu para o veículo passar, saí correndo. Ninguém me viu, ou fingiram não me ver.

- É melhor mesmo eu ir embora. Que sanatório atrapalhado! - exclamei.

Cansada e com fome, fiquei andando até que, mais exausta ainda, sentei-me no banco de uma pracinha. Ali perto estavam três pessoas que julguei serem vagabundos.

E um deles disse sorrindo:

- E aí, madame, como está se sentindo sendo desencarnada?

-Vai amolar outra! - respondi irada.

- Olhe lá como fala comigo!

- Chamo a polícia! - exclamei. Eles gargalharam.

- A madame é uma burra! Não sabe que desencarnados não têm como chamar a polícia.

- Já que está dando uma de sábio, explique-me o que é desencarnado? E o que é encarnado? - perguntei.

Eles riram e um deles me explicou:

- Desencarnados, somos nós que morremos! Ou melhor, o corpo material foi para o cemitério, mas nós realmente não acabamos e estamos vivendo aqui. E encarnados, somos antes de morrer. Entendeu?

- Não! Não é verdade! Você brinca comigo e não lhe dei esse direito! Acabamos quando o corpo morre.

Extinguimos! Nada sobrevive!

Deus não existe! Só resta você falar que já viu Deus e conversou com Ele.

Pararam de rir e o que me dirigia a palavra, falou novamente:

- Deus está em todos os lugares e até dentro de nós como expressão de amor. Sou um andarilho no plano espiritual. Gosto de viver assim. Mas, entendo algumas coisas.

Acho que quando nós nos fazemos receptivos, sentimos Deus. É melhor rever seus conceitos. Você acreditava em fatos falsos.

Tudo ficará mais fácil se entender que seu corpo morreu!

-Vão para o inferno! Loucos! - gritei.

Saí, deixando-os gargalhando, e fui para meu apartamento. Outro horror! Subi as escadas, porque por mais que apertasse o botão do elevador ele não vinha. A porta do meu apartamento estava aberta. Nele não estavam mais meus pertences e outra família morava ali. Era um casal com dois filhos.

O som estava alto e eles riam e conversavam animados, referindo-se a um passeio que fariam.

"O que está se passando? Estou louca? Sonho?" indaguei aflita.

Chorei por horas. A família saiu para o passeio e eu fiquei ali sozinha e sofrendo. Lembrei-me de relances de quando me senti mal, da dor forte no peito, de ter caído na sala, de a empregada me achar no outro dia, da ambulância, de me colocarem na maca e de ter escutado: "Dona Carolina faleceu!".

Desesperada, quis sair do apartamento e não consegui abrir a porta. Percebi que estava presa. Foi horrível ficar ali sem poder sair. Não adiantou gritar, bater, ninguém me ouviu. Não consegui pegar o interfone nem o telefone. Foi um alívio quando a porta se abriu e a família entrou.

Corri e saí. Fiquei no corredor e sentei-me no chão.

"O que faço?"

Lembrei-me da Magali, uma vizinha que se escandalizava comigo por ser ateia.

Muitas vezes ela tentou me convencer que Deus existia. Fiquei ao lado da porta do apartamento dela.

Esperei. Fiquei pensando no preconceito que sempre enfrentei por não ser hipócrita e dizer abertamente que era ateia:

"Não acredita em Deus?! Não tem religião?!".

Eu escandalizava as pessoas. Às vezes discutia e gostava de expressar minha opinião, tinha vasto conhecimento e achava um absurdo pessoas esclarecidas e estudadas acreditarem numa Divindade.


Avizinha chegou, cumprimentei-a, ela me ignorou. Em outra situação lhe diria uns desaforos e iria embora, mas entrei com ela no apartamento.

- Desculpe-me, Magali, por entrar assim, é que estou em dificuldades.

Magali não me respondeu e foi guardar as compras nos armários. Fiquei perto dela que olhou o calendário e falou:

- Hoje faz nove meses que Carolina morreu! Embora ela não acreditasse em Deus, que Ele a proteja!

Orou por mim. A campainha tocou, Magali abriu a porta; era o porteiro trazendo alguns pacotes. Saí apressada, não queria*ficar presa de novo. Desci pelas escadas e fui para uma praça ali perto, sentei-me num banco e fiquei pensando: "Quem devo procurar para pedir ajuda? Meu ex-marido?

Não quero, a mulher dele e seus filhos não gostam de mim. Depois, ele é um idiota! Era ateu e por causa da mulher virou religioso! Para ele, todos os meus problemas eram pelo ateísmo. Até Magali, para me fazer acreditar em Deus, tentou me enganar dizendo que faleci. Alguma coisa acontece comigo, mas o que será?".

Sofri muito.

Algumas pessoas se aproximaram e sentaram ao meu lado para conversar.

- Vocês me vêem? - indaguei.

- Claro, você é como nós, desencarnada - respondeu uma delas.

Cansada, fiquei quieta por minutos, depois pedi para a mulher que falara comigo:

-Você me leva para um lugar sossegado? Quero pensar!

- Venha comigo!

Ela me levou para um local estranho em que havia pouca claridade. Parecia que estava dentro de um filme de terror. A mulher me deixou num canto, ao lado de umas pedras.

-Aqui você pode refletir bastante. Pense em sua vida e no que quer agora que está morta, mas viva!

Fiquei sozinha. Naquela rotina em que via tudo confuso, sentia sede, fome, frio e muita tristeza, cheguei à conclusão de que meu corpo morrera e eu era uma alma penada, da qual tanto rira anteriormente.

"Morri e agora?"

Indaguei-me, chorei, tive medo e sofri. A decepção foi grande; para mim morríamos e acabávamos, nada existia, nem Deus.

Muito tempo se passou. Saía dali, andava pela cidade e voltava para meu esconderijo, no umbral. Ficava quieta e muito triste Um dia conversei com uma senhora, também desencarnada.

- Foi uma decepção, queixei-me. Morri e continuo viva.

- Acho isso maravilhoso! Não queria acabar. Não me queixo por estar desencarnada, vivo bem sem o corpo físico.

- Estou sendo castigada! Não acreditava em nada nem em Deus.

- E agora?

- Acredito! - respondi com sinceridade. - Já achei que sonhava, estava louca até concluir que meu corpo falecera, fora enterrado e continuara viva. Deus me castigou por não ter acreditado Nele.


- Acho, minha amiga - falou a senhora serenamente -, que você não acreditava em Deus por não compreendê-Lo. Nosso Pai não nos castiga. Ele existe, independente de alguns crerem Nele ou não. Você está sentindo as conseqüências de sua incredulidade.

Contei àquela senhora minha vida. Meus pais diziam ter religião, mas não a seguiam; cresci sem dar importância aos preceitos religiosos. Adulta, tornei-me ateia convicta, casei-me com uma pessoa sem religião que se tornou ateu também. Tive dois abortos espontâneos e passei a fazer um tratamento para engravidar. 

Nesse período meu marido e eu já não estávamos mais nos entendendo. Não quis engravidar mais e
acabamos nos separando. Vivi sozinha num apartamento e não quis ter mais relacionamentos sérios, tive namorados e amantes. Aposentei-me e passeava muito; sentia-me bem.

Não agi com maldade com ninguém. Pratiquei até algumas caridades e favores que nada custaram. Pensava: 

"Para que fazer algo por alguém? Não há motivos para ser caridosa, não posso me privar de algo ou de horas para auxiliar ninguém, não vale a pena".

Encarnada, sentia a reação da vida egoísta que levava; tinha somente conhecidos, nenhum amigo e minha família não ligava para mim, porque os ignorava. Meu ex-marido tinha a família dele.


Falei por horas e a senhora escutou atenta. Quando terminei ela comentou:

- Carolina, você mesma concluiu o que aconteceu com você!


Espantei-me, e ela sorriu explicando:

- Você recebeu a reação de suas ações. Não se importou com ninguém e por isso não recebeu atenção. Viveu egoisticamente e recebeu a indiferença. Não acreditava que a vida continuava com a morte do corpo físico e quando esse fato aconteceu com você, achou que sonhava, que estava doente e sofreu.

- Será que Deus me perdoa por não ter acreditado Nele? - perguntei.

- Por que não pede perdão, Carolina! Quando reconhecemos que erramos, pedir perdão nos faz bem. Deus é Amor! Ele não se ofende se um dos seus filhos não crê Nele!

Ajoelhei-me e em lágrimas pedi perdão. Fiquei assim por minutos. Estava sendo sincera. A senhora, então, ajudou-me a levantar.

Senti-me bem, continuei chorando, só que as lágrimas eram de alívio. Essa senhora me levou para um posto de socorro. Encantei-me com aquela casa de caridade.

Fui acolhida. Aliviada e grata, fui aprender a viver desencarnada e ser útil. Isso aconteceu depois de vinte anos. Sim, vaguei por todos esses anos e padeci muito.

Hoje estou bem, trabalho e me esforço para dar ao próximo o melhor de mim, faço tarefas nas quais aprendo a doar meu tempo, horas do meu lazer em que poderia passear ou descansar. No começo era para mim um sacrifício, hoje faço com carinho. Quero aprender a amar!

Tenho observado que não é fácil a desencarnação para os ateus. Porque é nos momentos difíceis que exclamamos:


'Ai, meu Deus!". E essa expressão nos dá conforto e a receptividade para receber ajuda.

Não acreditava na sobrevivência do espírito. Achava isso uma teoria sem raciocínio, fantasiosa e enganosa.

Mas meu corpo físico morreu e sobrevivi, e tive de mudar meus conceitos. Necessitei ver para crer na espiritualidade. Não vi Deus, mas aprendi a senti-Lo e, para mim, hoje o ateísmo é que é fantasioso e enganoso.

Carolina


Explicações de Antonio Carlos

Carolina desencarnou por um infarto, teve seu desligamento no velório por socorristas e ficou vagando confusa e perturbada.

Foi depois de meses que conseguiu raciocinar e começou a narrar o que ocorrera com ela. O sanatório citado é dirigido por espíritas e dentro dele há um local de ajuda a desencarnados, um centro espírita.

Ela ficou presa no apartamento que tivera quando encarnada. Isso acontece com os iludidos, os que não aceitam sua desencarnação e não sabem como passar pela matéria densa.

Desencarnados maldosos e brincalhões que vagam, apreciam debochar dos iludidos, dos que não querem aceitar a mudança de plano. A senhora que a ajudou é uma socorrista.


Independente de se acreditar ou não que a Terra é um planeta que gira no espaço, ela não fica parada, continua fazendo sua volta, indiferente aos que crêm ou não.

Para aquele que crê, um pingo é complemento da letra i. Necessitamos compreender a Deus. Se uma religião não nos der essa compreensão, procuremos outras. Não acreditar em alguma coisa, imagino que é viver sentindo-se oco, vazio e um dia, os que assim se sentem terão vontade de mudar, de querer preencher o vazio, achar o significado da vida. 

E Deus é! Independente de alguns não acreditarem ou compreendê-Lo.

Já escutei de muitas pessoas: "Se isso fosse importante, Deus me mostraria para que acreditasse. Se Deus existisse, Ele me provaria". Como se julgam importantes!

Por que teria que lhes provar? Já não basta, como muitos dizem, a assinatura do Autor: na natureza, no espaço, no nosso corpo físico, perispiritual e na perfeição do nosso espírito?

Nossa convidada foi ateia, digo foi, porque sem a ilusão do corpo físico, com a sobrevivência do espírito depois da morte, foi forçada a mudar a forma de pensar, a rever seus conceitos. Porém, continuou sem ver Deus. Porque nosso Criador não é uma figura, é um ser supremo, inteligência suprema, e está em todos os lugares.

Compreendem-No os simples, os acadêmicos, todos nós, independente da designação que lhe damos e da religião que seguimos.

O ateísmo leva as pessoas que desencarnam a se confundirem, a se perturbarem e sofrerem. Muitos acham que estão loucos ou sonhando, imaginam muitas desculpas por não terem acabado, por continuarem a existir, apesar da morte do corpo físico.

Já vi ateus virem para o plano espiritual com uma grande bagagem de boas obras e amigos que foram, e são gratos por terem sido ajudados, e sua perturbação passa mais rápido. Já, para outros, o sofrimento é grande,
Vagam por anos no umbral e nos lugares em que viveram quando, encarnados. Não por castigo, mas pela descrença.

Infelizmente, muitos necessitam sofrer para crer.






Muita PAZ a todos...


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