XIII
LIBERTAÇÃO DE OFÉLIA
Caio mudara, estava tranqüilo pelo problema resolvido, voltara a ser o rapaz alegre de semanas antes. Não pensava mais em Cidinha, evitava vê-la ou falar dela. Aproveitou os dias que esperava para partir, para estudar o Espiritismo.
Uma questão veio a preocupá-lo, como médico teria muitas responsabilidades, e se falhasse? Poderia cometer erros.
Foi ao Centro Espírita no dia programado para passes, no final, pediu ajuda a Irineu que prontamente atendeu-o.— Será, Irineu, que agirei certo? Agora, conhecendo a Doutrina Espírita, consciente do que seja errar, temo.
— Caio meu rapaz, não seja como o início da Parábola dos Talentos, o que recebeu um e o enterrou.
Quando se erra com vontade de acertar, o erro não existe e sim um aprendizado. Erramos quando temos plena consciência e o queremos. Se deixar de fazer por medo, pensando se irá errar, ou não, enterrará a oportunidade. Você Caio, estudando e seguindo o Espiritismo, terá as setas do caminho iluminadas. Caminhe, faça o que tem que fazer com amor, não errará, sim multiplicará seus talentos.
— Irineu, vou deixar um futuro garantido financeiramente para ser médico e não viso na Medicina lucro material, você acha certo?
— Nós encarnamos sem dinheiro e dele partiremos igualmente sem levar um centavo.É justo receber remuneração pelo trabalho honesto, mas ganhos materiais não nos devem preocupar em excesso. Nós só alcançaremos o equilíbrio não alegrando com o lucro nem entristecendo com o prejuízo. Se você visa ser útil, a Medicina é a melhor escolha. Só ganhará o bem que fará, transformará em virtudes que promoverá a mais aguda inteligência e será um facultativo que amenizará dores. Caio, a sede de atividades, como ganho de capital, mata em nós o senso de referência espiritual. Nossa preocupação com o material não deve ser maior do que com a espiritual. Acho certo sua escolha.
— Irineu, há muitas tentações, como ficar só no Bem?
— Tudo o que existe no mundo, tem caráter misto, semelhante a uma combinação de terra e açúcar. Seja como uma sábia e laboriosa formiguinha, que pega somente o açúcar, deixa de lado a terra. Achamos sempre a verdade, o Bem quando procuramos com sinceridade. Saberá seguir o Bem. Caio, satisfeito, despediu-se de Irineu, o amigo respondera-lhe a contento.
No domingo seguinte,os jovens foram novamente ao orfanato.Caio e Luísa foram brincar com as crianças menores e ficaram conversando:
— Luísa, é lindo o que fazem jovens pensando em ajudar.
— Caio, devemos ajudar quando temos disposição e saúde, quando não tivermos, aí, necessitamos de ajuda.
Li num livro:
“Devemos chamar Deus para estar conosco no Verão de nossas vidas, no Inverno pode ser que o chamemos e Ele não possa vir.”
— Beleza! Que contraste, uns ajudando e outros tão necessitados. Aqui temos órfãos e há, pelo mundo, os que estão em situações bem piores, abandonados e na miséria.
Qual é sua opinião sobre este assunto, sábia Luísa?
— Quem me dera ser sábia, mas, se querer é poder, almejo aprender, aproveitar as oportunidades que estou tendo e tornar-me mais inteligente.Caio miséria, abandono, doenças são chicotes do nosso Carma, que, muitas vezes, força-nos a buscar o verdadeiro significado da vida. Nada é injusto, estas crianças estão tendo o aprendizado que necessitam.
— Será que conseguirei fazer todo o Bem que almejo?— Vai fazendo, fazendo, um dia verá feito.
Um menino de sete anos aproximou-se deles e, sem motivo, deu um tapa em um dos pequenos.
— Não faça isto! - Caio segurou-lhe a mão.
— Por que bateu-lhe? - indagou Luísa.
— Por que gosto de ser mau, de ser importante.
— Que pensa em ser quando crescer? - indagou novamente Luísa, tentando entender o garoto.
— Chefe de bandidos.
A resposta veio tão espontânea que deixou os jovens deboca aberta e o menino, ágil, correu misturando-se com os outros de seu tamanho.
— Que me diz agora? - Indagou Caio.
— Se não soubéssemos da Lei da Reencarnação, buscaríamos mil maneiras de entendê-lo,mas, eis aí meu caro Caio um Espírito rebelde, não doutrinado, encarnado, nada aprende das 1içoes que a vida lhe dá. Vou tentar conversar mais com ele nas próximas visitas e orientá-lo.
— Noto Lu, que muitas das crianças são pacíficas, sentem a falta dos pais de carinho, outras são revoltadas e agressivas. A adoção não seria melhor a elas?
— Claro todos nós concordamos que o melhor a todas estas crianças seria a adoção. Porém, o processo de adoção, tem sido muito burocrático e muitas destas crianças não são órfãs, como pensa. Têm elas pai ou mãe, às vezes os dois, que na maioria estão separados e largam os filhos nos orfanatos e não aceitam doá-los. Depois a procura por adoção é para recém-nascidos, para os maiores é mais difícil. Olhe aquele ali, é Alexandre, tem oito anos, esteve três meses num lar para experiência, não de certo, trouxeram-no de volta.
— Porquê?!
— Alexandre disse que gostou só que eles, os pais adotivos, implicavam muito com ele.O casal disse que Alexandre não tinha bons modos e que era lerdo para aprender. Creio que não tiveram paciência com ele, ele não conhece outro modo de viver sem ser o do orfanato. Tem muitos casos assim.
— Lu, talvez não sejam eles parentes espirituais não é mesmo?
— É se fossem se amariam e se aceitariam. Mas, Caio,nós temos que ampliar nossos laços afetivos e amar a todos.
Não se pode exigir perfeição de ninguém ainda mais de crianças. Com um pouco mais de paciência, haveria mais tolerância e menos abandonados.
— Tia Luísa, tive medo esta noite outra vez - queixou-se uma menina.
— Neusa, ore sempre que tiver medo, fala para você mesmo que não quer ter medo, enfrente o que teme e o medo não a perturbará mais, querida.
A menina sorriu e correu para brincar, Luísa disse a Caio:
— Caio só boas e positivas sugestões deveriam ser dadas às crianças que deveriam ter só bons exemplos, seriam educadas mais facilmente. Neusa é muito sensível e impressionada, esta sempre com medo. Nosso grupo tem feito orações por ela.
As brincadeiras deram fim na conversa dos jovens amigos.Caio cansou-se, mas sentiu-se bem ajudando e alegrando as crianças. Estava consciente de que a melhor coisa que lhe aconteceu foi ter encontrado o Espiritismo.
Ao chegar à tarde na casa de Paulo, Antônia conversava com uma simpática senhora que se apressou em me apresentar.
— Esta é Ana, mãe carnal de Ofélia.
— Viemos, pela Bondade do Pai e merecimento de Ofélia, desligá-la do corpo.
Foi então que vi com Ana dois socorristas que, bondosamente ajudam com seu trabalho tantos a desencarnar suavemente.
Conversamos por minutos trocando impressões e fomos ver Ofélia. Nossa amiga estava sozinha na sala, estava pensativa, saudosa, recordava partes de sua vida. Sentia dores no peito desde cedo, ultimamente sentia muitas dores e não estava se sentindo bem. Ia regularmente ao seu médico, tomava os remédios certos, sentia, entretanto que piorava. Não dissera a ninguém das dores no peito e pensava: “Se me queixasse todas as vezes que tenho dor, ou não me sinto bem, só faria isto e quem me agüentaria”?
É horrível escutar queixas e não é bom viver se queixando.
Depois, as dores são minhas, sou eu quem devo aprender a conviver com elas. Resolveu deitar-se.
— Talvez melhore - disse alto.
No leito orou com fé seu rosário. Mesmo orando, as lembranças teimavam em lhe vir à mente, por muitas vezes, suspirou alto. Quando acabou de orar seu terço, completou sua oração de forma espontânea, bonita e sincera. “Deus, tanto tempo estou neste sofrimento, será que não pode libertar-me? Será que já não quitei minhas dívidas? Lembro do servo da Parábola que devia dinheiro ao seu senhor, foi levado à prisão até pagá-la.
Estar sofrendo assim, não é estar na prisão? Perdoei, pedi perdão, fui perdoada. Será, meu Pai, que não dá para libertar-me? Estou em paz, com a consciência tranqüila, sei que após morrer viverei de outra forma, somos eternos. Não temo morrer, mas peço-lhe não me desampare nesta hora, permita que seus Anjos venham me ajudar. Vou em paz, deixo todos que amo bem e, com minhas irmãs aqui, meus filhos ficarão amparados. Se não for pedir muito, meu Deus, olha eles por mim, queria que não sofressem por mim, que não sentissem minha falta. Eu...”.
O coração de Ofélia, fraco, falhando, parou. Os dois socorristas começaram seu trabalho. Ela não sentiu mais dores, por instantes foi como se adormecesse quase desligada, voltou a si ou acordou e viu Ana à sua frente. Ofélia já desvestida do corpo, exclamou:
“Mãe! Mãezinha querida!”
“Vem, filhinha! Vem, Ofélia!”
Sorridente Ofélia foi ao encontro da mãe e adormeceu nos braços carinhosos de Ana.
Não demorou,Ofélia estava completamente liberta e partiram,os dois socorristas e Ana levando-a para uma Colônia.
Ficamos Antônia, eu e o corpo perecível de Ofélia que ficara com expressão delicada e tranqüila. Minha amiga falou:
— Antônio Carlos, Ofélia teve um desencarne suave e bonito.
— Antônia, todos nós deveríamos fazer por merecer um desencarne assim. Todos sabem que irão desencarnar, entretanto não pensam nesta mudança para si, não vivem de modo a merecer um desligamento sem maiores dores. Para quem tem a consciência em paz, vive no Bem, nada tem a temer na morte do corpo, que é um processo normal, uma libertação.
E Ofélia, estando sozinha, facilitou o trabalho dos socorristas. Porque muitas das vezes os encarnados, diante da partida do ente querido, desequilibram-se na emoção, dificultando o desligamento. Ouvimos barulho, eram eles que chegavam, tinham ido a uma sorveteria aproveitando a noite quente e bonita.
Como sempre, Paulo chegava e ia ter com a esposa, não a encontrando na sala foi procurá-la no quarto. Ao vê-la deitada, primeiramente pensou que dormia, depois estranhou por ela ter se deitado tão cedo. Chegou mais perto, perguntou baixinho, curvando-se para dar o costumeiro beijo na testa.
— Ofélia, está dormindo? Está bem?
Estranhou mais ainda a esposa não responder, observou-a melhor, tomou-lhe o pulso não conseguiu achar, sacudiu-a.
— Ofélia, Ofélia!
Correu para a sala.
— Caio, depressa, chama o Dr. Silva, Ofélia não está bem.
Voltou para o quarto, foram todos atrás dele, menos Caio que correu ao telefone.
Zélia, ao olhar para a irmã percebeu que era inútil qualquer socorro,afastou Paulo e os sobrinhos de perto da irmã e pôs-se a massagear seus pulsos e braços. Ninguém ousou falar. Carla e Sérgio, assustados, refugiaram-se nos braços de Rosa.
Caio foi aguardar o médico no portão.O Dr. Silva morava perto e veio em instantes,o filho mais velho de Paulo acompanhou o facultativo ao aposento da mãe.
Dr. Silva não estranhou o chamado, sabia que Ofélia estava para ter seu corpo físico morto a qualquer hora.
Percebeu assim que a viu que desencarnara, mas, para certificar-se, auscultou-a demoradamente. Com voz pausada falou:
— D. Ofélia está morta, descansou.
Carla gritou, chorando alto, seu choro foi acompanhado por todos.
Paulo sentiu-se mal, Zélia e Dr.Silva correram para ampará-lo e acalmá-lo.Sérgio e Carla abraçados a Rosa recebiam dela conforto e carinho. Caio ficou em pé ao lado de Ofélia, ficou olhando o corpo imóvel daquela que fora sua mãe de amor, falou, em lágrimas:
— Aqui está só um cadáver, ninguém morre, somos eternos. Mamãe Ofélia deve estar no reino de Deus, entre os bem-aventurados, entre os que aprenderam a amar.
Obrigado, mamãe!
Zélia então percebeu o sofrimento de Caio, correu e abraçou-o, então ele chorou nos braços da tia. Foi com tristeza, mas sem desespero, que velaram e enterraram o corpo de Ofélia. Os dias para eles passaram lentos, no sétimo dia, como costume dos católicos, foram à missa e, após, reuniram-se na sala.
Caio falou emocionado:
— Acho que devemos voltar normalmente aos nossos afazeres. Mamãe entristecia quando via um de nós triste e se ela pode nos ver, não ficará alegre conosco. Ela somente partiu primeiro, não acredito em separação, mamãe ausentou-se, encontrá-la-emos um dia. Devemos retornar aos nossos afazeres e tentar nos alegrar, não são todos que têm ou tiveram o privilégio de ter tido uma mãe como ela.
Será nosso exemplo por toda nossa vida. Acho também que devemos dar tudo o que era de mamãe, suas cadeiras, cama, roupas, guardados, nada servem, doados serão úteis a outros que necessitam. Não é necessário guardar nada para lembrarmos dela, mamãe sempre estará viva em nós, em nossos corações.
— Posso fazer isso amanhã mesmo, disse Carla, tia Rosa me ajudará. Mamãe agora não será mais inválida, não necessitará mais da cadeira de rodas. Entristecia em vê-la sentada nela, passou anos e por minha causa, sei que ela não gostava de que se falasse neste assunto, mas foi para salvar-me que sofreu o acidente. E, se as cadeiras foram úteis a ela nestes anos, será agora a outros. Quero lembrar de mamãe sadia, não doente.
— Isto mesmo, filha - falou Paulo -, lembraremos de Ofélia como o Anjo Bom, e anjos não morrem.
— Com Ofélia morta - disse Zélia -, acho que Rosa e eu deveremos pensar em mudarmos, arranjar emprego...
— Quê! Tia Zélia?! - exclamou indignada Carla -, abandonar-nos agora que necessitamos das senhoras?!
— Não permitirei - disse Caio, lembrando da promessa que fizera à mãe. Não pensem em ir embora daqui. Cuidem de nós e permita-nos que cuidemos das senhoras.
— Por favor - disse Paulo -, fiquem conosco, era isso o que Ofélia queria e é o que queremos. Ajude-nos a passar estes momentos difíceis, fiquem e cuidem da casa, de nós, de Carla, tão mocinha ainda.
— Nunca vou me esquecer de mamãe - disse Sérgio indo sentar perto de Rosa que o aconchegou nos seus braços.
Zélia sentiu-se aliviada, pensando mais na irmã que em si, olhou para Rosa que concordou em ficar com a cabeça, falou:
— Ficaremos, mas com a condição de, se formos importunas, que nos avisem.
— Papai - disse Caio -, se não importar, vou viajar.
— Vá, filho, descanse e distraia. Você tem razão, devemos continuar a viver e tudo deve retornar ao normal.
Sérgio quero você na fábrica amanhã, precisa conferir as mercadorias que chegaram.
Carla, aos estudos, não quero notas baixas.
Voltei a Antônia:
— Despeço-me, minha amiga, devo partir.
— Obrigado, Antônio Carlos, sem sua ajuda não teria conseguido separar meus filhos. Ajudou-me com sabedoria, deu-me preciosas lições de como auxiliar.
— Só ao Pai devemos nossos agradecimentos. Encho-me de alegria por deixar todos bem. Nem sempre tenho este prazer.
— Vou ficar mais um tempo aqui.
Com a permissão de meus superiores, venho trabalhar no Centro que Caio freqüenta, tenho também permissão de vê-los com freqüência. Não se esqueça de nós, Antônio Carlos, venha nos visitar quando puder. Até logo, meu amigo.
— Até logo, Antônia.
Médium: Vera Lúcia M. CarvalhoEspírito: Antônio Carlos
Deus proteja a todos...
abçs,
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