quarta-feira

Filho Adotivo XI


XI 
O PERDÃO

Já ia sair, quando Rosa entrou na sala, esperei, acompanhamos o diálogo das irmãs.

— Oi, Ofélia, posso lhe fazer companhia?

— Rosa, senta aqui perto de mim. Estava mesmo querendo falar com você a sós, desde que chegaram, aguardava esta oportunidade. Rosa, você continua sendomeiga e boa, não mudou nada. Sinto remorsos pela forma com que a tratei. No passado, na mocidade, fiz muitas coisas sem pensar. Quero pedir-lhe perdão. 

Não, por favor, não fale nada, escuta-me. Você namorava com Paulo, sabia que gostava dele, não tinha que me intrometer entre vocês.

Mas fiz, sem me importar com você, deve ter sofrido, fiz você sofrer, perdoa-me.

— Ofélia, isso foi há tanto tempo! Não penso assim, nada me fez de mal. Somente eu gostei dele na época, não ele de mim. Acho, tenho a certeza de que foram feitos um para o outro. A duas metades da laranja...

Riram.

— Não guardou mágoas mesmo?

— Não, Ofélia não guardei nem as tive.

— Obrigado - suspirou Ofélia contente -, que bem me faz ouvir isso!

Passaram a conversar sobre outros assuntos.

— Acho Antônio Carlos - disse Antônia -, que só faltava esse gesto para Ofélia desligar de qualquer vínculo de que poderia ter culpa. Pediu perdão à irmã, humilhou-se, reconheceu seu erro e de coração reconciliaram-se.

— Ofélia prepara-se para o desencarne, todos os encarnados deveriam fazer isso e todos os dias, para não temer a morte do corpo. Quem sabe o dia em que desencarnará? Ofélia com consciência tranqüila está livre, não possui vícios nem desejos. Porque, minha amiga, devemos destruir nossos vícios, libertarmos de todos os desejos encarnados para que eles não permaneçam com o corpo perispiritual após ter se separado do corpo físico.

Pediu perdão, o perdão faz um bem enorme a quem pede com arrependimento sincero, pedir, independente ou não de sermos perdoados pelo ofendido, recebemos a paz e a tranqüilidade. Agora Ofélia está em paz.

— Rosa já perdoou a irmã há tempo. Como ela é boa, não guardou rancor, embora tenha sofrido muito.

— Se todos, Antônia, agissem assim, o mundo seria bem melhor. Jesus recomendou-nos tantas vezes que perdoássemos, mesmo sem que nos pedissem perdão.

Ainda mais quando pedido. Não perdoar é ligar ao ofensor com rancor, ódio e talvez no futuro obsedar. 

Quem não perdoa, sofre, e sentir-se não perdoado, amaldiçoado, sofresse mais. Não guardar rancor é estar propício a ligar ao Alto, com as forças do Bem. Como é bom saber-se perdoado e perdoar a todos com sinceridade, esquecendo-se das ofensas recebidas.

Após o jantar, reunidos na sala, Zélia com simplicidade pegou o Evangelho, olhou para Ofélia e disse alto:

— Ofélia, acostumamos, Rosa, meu querido esposo e eu, uma vez por semana ler o Evangelho e orarmos juntos.

Família que ora unida, permanece unida. Se permitir, se quiserem, gostaria de ler um pedacinho.

— Que feliz idéia, tia, maravilhosa! - exclamou Caio entusiasmado.

— Certamente, Zélia, gostaria de ouvi-la - disse Ofélia.

Silenciaram, Paulo meio a contragosto, largou o jornal que lia. Zélia abriu o Evangelho, onde já estava marcado, era o Evangelho de Mateus, a parte de que mais gostava O Sermão da Montanha. Sérgio e Carla que inicialmente, não gostaram da idéia, aos poucos foram se envolvendo com a leitura. Zélia lia com amor, sua voz harmoniosa se fez ouvir por uns quinze minutos. Não fez comentários. Fechou o livro e convidou a todos a orar um Pai-Nosso.

Aproveitamos para doar energias benéficas e todos sentiram-se bem e gostaram.

— Tia, podemos reunir sempre para uma leitura! É tão bonito! - disse Carla com sinceridade.

— É mesmo, também gostei - falou Paulo.

— Se quiserem, marcaremos um dia da semana, logo após o jantar.

Todos concordaram, Zélia era católica, tinha o conceito de que não são os cultos externos que levam a Deus, mas, os ensinos sábios de Jesus e na vivência dos Evangelhos estavam às setas do Verdadeiro Caminho da Vida Eterna. Logo após, Caio foi para seu quarto, não pegou nada para ler como estava fazendo antes, pôs-se a pensar: 

“Quero cursar Medicina, sinto que devo, é do que gosto. Se já estive encarnado muitas vezes, acho que tenho um compromisso com esta profissão. Hoje a Medicina está tão profissionalizada, a maioria esquece a parte humana dos que sofrem, só pensam na parte material, tornando-a uma das profissões mais rendosas neste país de tantas doenças.

Comigo não será assim, quero exercê-la usando meus conhecimentos igualmente para todos. Tenho que falar com papai, mas como fazê-lo? Mamãe, ela me ajudará. Será que meu velho ficará aborrecido? Será que lhe darei desgosto?

Bem, tenho que tentar e fazer com que me entendam.”.

Pensou bastante e decidiu: faria Medicina!

No outro dia, foi ao Centro Espírita tomar passe, conforme informara-lhe Luísa. Estava lotado de pessoas de várias classes sociais. Um senhor fez a oração, pediu a todos para pensar em Jesus, não na imagem do crucificado, mas do homem-Mestre, do Jesus amigo que ensinava, curava e abençoava. Após, fez uma pequena palestra explicando o que Jesus disse ao falar a Nicodemus sobre a necessidade de nascer de novo para ganhar o Reino de Deus. 

Da necessidade que todos nós temos de reencarnar para aprender e crescer espiritualmente.
Caio prestou muita atenção, sentiu que não voltara a encarnar à toa e que seu nascimento, o abandono de sua mãe, tinham um significado que esquecera com a encarnação.

— É necessário - continuou o orador -, encarnarmos tantas vezes que for necessário para progredirmos, mas é necessário também aproveitarmos à oportunidade e mudarmos a forma de viver seguindo os exemplos evangélicos, praticando o Bem, amando a todos como a nós mesmos. Não deixando para o futuro, para outras encarnações esta mudança, é chegada a hora de fazermos,construir,plantar o Bem para uma boa colheita no futuro.

Mais importante para nós que conhecemos a Lei da Reencarnação, é construir um futuro melhor, é aproveitarmos os conhecimentos espíritas para libertarmos no presente, fazer, progredir nesta encarnação agora.

“Como a Lei das Reencarnações é divina, pensou Caio, que justiça! Entendê-la é reconhecer a Bondade e o Amor do Criador. Devo ter vindo a Terra encarnado para uma finalidade, acho que é na Medicina que encontrarei oportunidades de construir talvez, o que destruí no passado,
de acertar onde errei.”

Foi formada uma fila e Caio feliz caminhou para ela. Um grupo, formado por dez pessoas, estava dando passes. A sala para tal evento estava impregnada de bons fluidos, a equipe espiritual que ali auxiliava era grande e tudo fazia para ajudar com carinho os encarnados.

Caio sentou-se na frente de uma senhora de feições bondosas para receber seu passe.Antônia aproximou-se, falou à passista, que era médium, que recebeu a mensagem e transmitiu a Caio:

— Sua mãe manda-lhe abraços. Ela ama-o muito, reconhece seu erro, pelo qual muito sofreu e roga-lhe que a perdoe.

Caio olhou assustado para a passista. Mãe para ele era Ofélia, recordou então da outra, da que lhe dera a oportunidade da encarnação, ela tinha desencarnado e deveria estar ali no momento. Ficou emocionado, não a amava, nem mesmo pensava nela. Ela sofrera e rogava-lhe perdão, não tinha nada para lhe perdoar, não se sentia prejudicado. A médium e Antônia aguardavam resposta e Caio foi espontâneo em responder:

— É Deus quem nos perdoa. Não tenho nada para perdoar, mas se ela pede-me perdão, perdôo sim, e que tenha paz.

Rápido veio-lhe na mente o que o preocupava no momento e indagou:

— Ela poderia responder-me, o que devo fazer?

Continuar meus estudos ou fazer outros?

Antônia, emocionada, olhou-me pedindo ajuda, respondi em seu lugar, no intercâmbio maravilhoso, a médium transmitiu meu pensamento:

— Ser útil é a maravilhosa oportunidade de reparar nossos erros e acertarmos o caminho que nos leva à verdade e felicidade. São muitas as formas de servir, em todas as profissões temos a possibilidade de ser útil. 

Porém, é com a Medicina que se identifica e será feliz em exercê-la.

Caio levantou-se, sentiu-se engasgado pela emoção, a médium falara de sua mãe carnal desencarnada e da Medicina não mencionada. Sentiu-se feliz em receber estas provas, bebeu a água fluida e saiu. Voltou em paz para casa.

Antônia voltou-se para mim com lágrimas nos olhos:

— Agora entendo o que Ofélia sentiu ao ser perdoada pela irmã. Que Deus proteja meu Caio, o filho queabandonei.

Caio chegou em casa cedo e só encontrou a mãe, todos tinham saído e as tias foram com Carla ao cinema. Caio aproveitou e sentou-se ao lado da mãe numa almofada, colocando a cabeça em seu colo. Como de costume, Ofélia, carinhosa, passou as mãos pelos cabelos do filho.

— Mamãe, sofro em vê-la nesta cadeira.

— Não deve preocupar-se comigo, meu filho, acostumei e não sofro.

— Penso no porquê, a senhora tão boa inválida assim.

— Já pensei muito nisso, não por achar-me boa, mas se poderia ter algum motivo. Não tive resposta às minhas indagações, sinto que é justo merecido. Não sei se você me entende, Caio, creio em Deus, Pai Justo e na Sua Sabedoria; muitos acontecimentos não entendemos, mas sinto-os verdadeiros. Senti a necessidade de aceitar e fiz. 

É como se tivesse escolhido passar por isso, é como sofrer por livre escolha, não sei explicar-lhe, sinto-me em paz aceitando.

Caio não respondeu, pensou que no exemplo de sua mãe estava a confirmação da reencarnação. Sua mãe devia estar quitando por vontade própria seus erros, as dívidas não cobradas por ninguém a não ser por ela mesma, erros de outras existências.

— Caio meu filho, quero pedir-lhe uma coisa.

— Tudo o que quiser mamãe.

— Peço a você, porque é mais velho, bom e compreensivo. Estive afastada de suas tias, erro meu, me arrependo, minhas irmãs não têm condições financeiras para viver. Gostaria de dar lhes tudo até o fim de suas vidas. Não sei quando tempo vou ficar aqui, acho mesmo, querido, que não me demorarei entre vocês.

— Mamãe!

— Não me interrompa, filho, quem sabe do futuro? Não se preocupe, talvez enterre a todos. Para ficar tranqüila quero que me prometa se quiser é claro, cuidar de suas tias, se partir primeiro.

Ofélia falou com ternura, Caio olhou-a com muito amor, a mãe confiava a ele as irmãs, sentiu seu carinho, sentiu-se ligado pelos laços do afeto. Não era necessário ser parente da carne para estar ligado pelo amor maternal. Levantou-se, abraçou-a e beijou-a.

— Prometo, prometo e prometo. Se é para deixá-la tranqüila, confie em mim, cuidarei delas, tenho a certeza de que não necessitarei de cumprir a promessa, mas, se tiver, farei com todo carinho.

— Obrigado, fico mais tranqüila com sua promessa.

— Mamãe ainda vou curá-la, como gostaria de vê-la andando!

— Com idéias de Medicina outra vez na cabeça? Faz tanto tempo que não falava neste assunto, pensei que tinha desistido.

— Estou pensando seriamente em cursá-la, foi sempre meu sonho, foi o que sempre quis. Deixei de lado esta vontade pensando em ficar no lugar de papai, mas não é isto o que quero. Vou deixar meu Curso de  Administração e estudar para o vestibular de Medicina, só que temo papai.

— Paulo terá um grande desgosto. Caio médico pareceme uma profissão tão sacrificada, cuidar de doentes, ver sofrimentos, fazer plantões, conviverá com dor, morte, trabalhar com seu pai será mais fácil!

— Quando gostamos, quando fazemos com amor, tudo é fácil, gosto das indústrias, sei o que elas representam para papai, mas há Sérgio que gosta e idealiza cuidar de tudo.

Não quero dar desgosto a vocês, são tudo para mim e soulhes grato. Ás vezes penso no que seria de mim se não fossem vocês.

— Que bobagem, filho! - exclamou Ofélia olhando o filho, temeu por instantes que ele soubesse da verdade, não queria que soubesse, não queria que sofresse. Ele falava tão estranho, vendo-o tranqüilo, acalmou-se. 

Caio percebendo o receio da mãe, sorriu e acariciou-a. Ofélia continuou:

— Seu pai e eu fazemos o que nos é devido, amamos vocês três, quanto a mim, filho, quero-o feliz, não me importa se é como mestre, médico ou administrador. Seu pai está estranho, você terminou seu namoro com Cidinha e ele nem se importou. Paulo o quer trabalhando com ele, mas o quer feliz na profissão que escolher, falarei com ele, farei ele entender.

— Obrigado, mamãe, ter a senhora ao meu lado, é tudo o que quero!

Naquela noite mesmo, Ofélia falou com Paulo, que a escutou, triste:

— Ofélia, sonhava com Caio no meu lugar, o menino é bom, honesto e inteligente, todos gostam dele.

— Paulo acabamos por forçar Caio a estudar o que não queria, ele sempre quis ser médico.

— Logo médico, trabalha tanto, faz plantões de noite, de dia, não tem sossego e ainda ganhará bem menos.

— Ele gosta e será bom profissional.

— Como negar algo a ele? Sei que deve ter pensado muito para decidir. Não vou impedir. Não devo interferir no que ele quer.

— Não fique triste, Paulo.

— Ofélia, não posso me alegrar, é um grande sonho meu que vai embora. É melhor conversar com ele, diga-lhe para ir à tarde ao escritório.

No outro dia, Caio foi ver o pai sentia-se encabulado, sabia que o estava magoando. Paulo olhou-o, Caio falou baixo:

— Pai, desculpa-me, pensei muito mesmo, gosto daqui, mas desejo, quero, sinto que devo ser médico, por favor, entenda-me!

— Médico não é carreira fácil, lidará com dores, doenças, só com tristeza, aqui é bem melhor. Caio não respondeu, olhou-o somente. Paulo continuou. Está bem, não vou mentir dizendo que estou alegre, faça como quiser.

— Verdade? Posso também viajar?

— Prometi - disse Paulo sorrindo, vendo a alegria do filho.

— Vou trancar a matrícula e vou aos Estados Unidos, volto para estudar para o vestibular, pagará meus estudos?

— Oh, filho! Por que não pagaria? Não me fale assim, o que é meu é seu, é nosso filho, se não fosse...

— Desculpa-me, pai, minha decisão nada tem a ver com tudo aquilo, já esqueci, não devemos lembrar mais, nada mudou, eu os amo muito.

Abraçou o pai, Paulo beijou-o na testa:

— Vá, vá, Dr. Caio, cuida de sua vida e faça o que gosta.

O mundo ganhará um médico estudioso e responsável, cumpridor de seus deveres. Acabo de entender que não é filho que realiza os sonhos dos pais.

Caio saiu feliz, foi trancar sua matrícula e tratar do passa-porte, viajaria logo.

 
Médium: Vera Lúcia M. Carvalho
Espírito: Antônio Carlos

Deus proteja a todos...

abçs,
 

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