domingo

Filho Adotivo X


CAIO NO ESPIRITISMO

Os familiares de Caio estavam na sala conversando, Sérgio, ao ver o irmão, foi dizendo:

— Caio, por que terminou o namoro com Cidinha? Fez um papelão! Em vez de dar explicações a ela, disse-lhe que gosta de outra. Meu irmão acho que enlouqueceu, se papai não o matar, mata o Sr. Marcelo. 

Cidinha contou-me tudo, está humilhada e com razão. Deve-nos explicações, pode começar. Onde já se viu largar uma moça como Cidinha assim?

— Sérgio, prefiro não falar deste assunto - respondeu Caio.

— Ah! É? Sabe que errou, é melhor consertar tudo pedindo perdão a Cidinha.

— Caio - indagou curiosa Carla -, é verdade mesmo?

Brigou com Cidinha? Não está apaixonado por ela?

— Pensei que estava Carla, confundi, descobri que não a quero mais. Cidinha é maravilhosa, mas no coração não se manda. Já conversei sobre isso com papai e mamãe.

— Verdade? - indagou Sérgio, olhando para o pai.

— Deixem Caio em paz - defendeu-o Paulo -, é verdade, falou conosco e entendemos, gostamos de Cidinha, porém achamos que o principal é Caio amá-la, se descobriu que não a ama, agiu certo.

— Quê?! Enlouqueceram todos? - disse Sérgio -, pensei que iam brigar com ele, castigá-lo.

— Sérgio meu filho, não quero obrigar meus filhos a nada, ainda mais a casar, também gosto de Paula e não é por isso que obrigarei você a casar com ela.

Riram todos.

— Graças a Deus, feia e metida como é; porém, Cidinha é diferente.

— Mudemos de assunto - disse Paulo, Caio é adulto e sabe o que quer, não devemos mais tocar neste assunto, acabou e pronto!

— O Sr. Marcelo e D. Helena estarão pensando assim? - indagou Sérgio.

— São boas pessoas e não irão acabar com nossa amizade por brigas de vocês. Marcelo telefonou hoje de manhã e não tocou no assunto.

Uma amiga de Carla chegou e todos foram para a varanda, menos Ofélia que fez um sinal para que Caio ficasse.

— Caio, estou preocupado com você, está namorando outra? Ama outra? Fez um papel feio com Cidinha...

— Mamãe - disse o moço beijando-lhe o rosto -, não se preocupe, não namoro ninguém nem amo. Na sexta-feira, saí com amigos e, por acaso, sentei perto de Luísa, colega de classe, conversamos somente, viram-nos e contaram a Cidinha que tirou suas conclusões, não me deu nem tempo para desmentir. Foi melhor, com raiva de mim, Cidinha me esquecerá mais fácil.

— Parece-me aborrecido, tem mesmo certeza de que não ama Cidinha?

— Tenho mamãe, pensei bem, só me aborreci com os comentários, mas estou aliviado por estar tudo terminado.

Todos voltaram à sala e conversaram animados, esperando o almoço.

Zélia e Rosa esforçavam-se para se acostumar com o movimento da casa. Felizes com a boa acolhida procuravam ser agradáveis sem, contudo, conversar muito.

Aquela semana foi diferente e movimentada, foram ao médico, dentista e acompanharam Carla pelas lojas, compraram roupas que hesitaram em aceitar, porém Paulo insistira, dera dinheiro à filha que adorava gastá-lo e, num piscar de olhos, viram-se elegantes e com o guarda-roupa sortido e caro.

Sentiam que os sobrinhos gostavam delas e gostaram tanto deles que se sentiam as tias mais “corujas” do mundo.

Auscultei-as. Zélia sentia-se mais tranqüila, apesar de o diagnóstico do médico consultado afirmar o mesmo que o outro que a tratava: seu coração não estava bem, falhando muito. Receitara novos remédios, recomendara tranqüilidade, repouso e boa alimentação. Na casa da irmã estava tendo tudo isso, importava-se pouco com a saúde, ansiava deixar o mundo encarnado e encontrar o esposo ao qual estava ligada por afeto sincero e de quem tinha muitas saudades. Estava arrependida por não ter escrito antes à irmã, sentia que Ofélia mudara e sofrera muito. 

Não conseguia entendê-la, tantos anos de indiferença e agora tratando-as como duas rainhas. O importante era Rosa, amava-a como filha, cuidara dela quando doente, depois foi sua vez de ajudá-la na doença do esposo e, nos últimos tempos, cuidando dela. Sabia que não viveria muito, sua preocupação era deixar Rosa sozinha. Sem sua aposentadoria, como iria Rosa viver numa cidade grande e sozinha? 

Pediria ajuda a Ofélia pela irmã, sabia que os sobrinhos e a irmã ao conviver com Rosa a amariam e poderia partir tranqüila, deixando-a amparada. Agora, ali, não se arrependera, vendo Rosa feliz com os sobrinhos e não precisando trabalhar mais, sentia-se feliz, também.

Rosa, por sua vez, amava os sobrinhos e sentia-se feliz na casa da irmã, temeu em voltar e ficar na casa da irmã que, por tanto tempo, tratou-as com muita indiferença.

Nunca entendera Ofélia nem o porquê de seu afastamento.Concordou em vir por Zélia, que estava doente, necessitando de cuidados médicos, remédios caros e boa alimentação. Por mais que trabalhasse o dinheiro era insuficiente, passara a fazer faxinas em casas particulares e à noite fazia seus trabalhos manuais o que, embora trabalhoso, não rendia muito. Mas, vendo Ofélia fazer tudo para agradá-las e Zélia tranqüila e medicada, estava agradecida à irmã e ao cunhado.

Paulo, este perturbava-a sempre amara-o com intensidade, nunca mais pensara em se casar, fugira de todos os homens que se aproximaram dela. Bonita, honesta, simpática e trabalhadeira, foram muitos os que tentaram conquistá-la com idéias de casamento. Revendo-o, percebeu com tristeza que este amor era forte, mas honesto, como ela. Não ambicionava nada, de coração queria ver ele e sua irmã felizes; tinha pena de Ofélia, inválida naquela cadeira de rodas. Envergonhava-se deste amor e prometeu a si mesma continuar escondendo-o. 

Pensava em ficar ali até Zélia morrer, sabia que mesmo com os cuidados necessários a irmã não ficaria muito entre eles, depois escolheria um convento ou um orfanato para morar, realizando um velho sonho de cuidar de crianças abandonadas. Estava desfrutando do descanso com alegria.

Sempre trabalhou, mas nos últimos meses redobrara o trabalho e sentia-se cansada. Achou Carla maravilhosa e a sobrinha acolheu-a muito bem e tornaram-se amigas.

Após o almoço, Sérgio e Carla levaram as tias para um passeio, Ofélia foi descansar e Paulo foi ler seu jornal. Caio, enquanto esperava a hora de ir para o orfanato, foi para seu quarto, pegou o “Evangelho Segundo o Espiritismo” e começou a lê-1o. Lendo os significados das palavras usadas por Jesus no seu tempo, sem uso no nosso, compreendeu que iria entender melhor os ensinos do Mestre.

Foi ao encontro meia hora antes e alegrou-se ao ver Luísa e Andréa lá, ficaram conversando até chegar todos.

— Caio, gosta do Curso de Administração? - indagou Andréa.

— Gosto de estudar, faço este curso de tanto meu pai insistir, ele sonha em me ver em seu lugar. Amo mesmo a Medicina.

— Tem cara de médico, não sei por que, mas você parece com médico. Riram, Luisa continuou: Se ama a Medicina, deveria pensar melhor e cursá-la, tem tempo, dinheiro e é inteligente. Deve fazer o que gosta e não o que seu pai quer.

— Amo meus velhos, ouço desde pequeno que irei substituí-lo, até agora achei que era mesmo, mas, agora, começo a pensar o contrário e querer estudar Medicina.

— Disse “achava”, não acha mais, deve pensar seriamente no assunto e ver o que quer - disse Luísa -, bons médicos fazem falta principalmente os que amam a Medicina.

— Você tem razão Luísa, estou confuso, vou pensar.

Acho que a Medicina ficou dormente em mim e agora acordou, dá para entender?

— Sim, foi assunto deixado de lado por você e agora veio forte. É para pensar bem, tenho a certeza de que seu pai entenderá, falou Andréa.

— Não sei, e se ele sofrer com isso?

— Que nada, é você que se frustrará em deixar de fazer o que gosta - falou Luísa, otimista, como sempre querendo ajudar.

A turma foi chegando alegre, trazendo doces, balas, brinquedos, etc., para distrair as crianças. Caio não sabia, ficou desapontado por não ter trazido nada.

— Caio, oportunidades não faltarão, temos sempre estes programas - esclareceu Luisa.

Com entusiasmo acomodaram-se nos carros e partiram alegres.

Ao chegar ao Orfanato, às crianças que já os conheciam vieram correndo recebê-los.

Caio emocionou-se ao vê-los, não pôde deixar de pensar que poderia ter sido uma daquelas crianças, se Ofélia não o tivesse aceitado. A turma organizou brincadeiras. Tocaram violão, cantaram, tomaram lanche no pátio, distribuíram os doces e brinquedos.

Caio no começo ficou olhando, sentia-se engasgado pela emoção, acabou pondo-se à vontade e foi brincar com os garotos, jogou bola, serviu de cavalo para os menores.

Acabou cansando, mas, sentiu um bem-estar enorme ouvindo as gargalhadas das crianças. Já escurecia passando do horário do banho das crianças. Luisa reuniu-os, sabiam que era para orar, silenciosos fizeram um círculo de mãos dadas, oraram o Pai-Nosso e Luísa agradeceu em poucas palavras a tarde maravilhosa que tiveram. Luisinho foi convidado a orar. O menino de dez para onze anos, negro de olhos grandes, entrou na roda, olhou para o céu, disse alto e com sinceridade.

— Papai do Céu, obrigado por ser nosso Pai, sabendo do seu amor, já não nos sentimos abandonados. Ajuda-nos a crescer e sermos bons para termos sempre amigos. Porque a vida se enfeita com a flor da amizade. Proteja também estes amigos, lembrando-os de voltar, porque é tão bom tê-los aqui. Amém.

Os jovens despediram-se das crianças e partiram, estavam todos felizes, mas fizeram o trajeto silenciosos, estavam cansados. Caio deixou os jovens que estavam com ele em frente ao Centro Espírita e foi para casa. 

Após tomar um banho, ficou no seu quarto lendo e não saiu como estava acostumado.

“Como este livro me esclarece! – exclamou -, será meu livro de cabeceira!”

Na segunda-feira pela manhã ao tomarem o desjejum, Caio pediu ao pai para que o dispensasse do trabalho naquela semana. Paulo concordou e nem perguntou o porquê. O medo de perder o amor do filho fizera-o pensar mais neles e percebeu que amava-os muito e desejava vê-los bem e felizes. Admirava o filho mais velho pela coragem, por sua atitude e por vê-lo tão amoroso com Ofélia.

Caio foi para a Faculdade, ao retornar para casa, almoçou, foi para o quarto e voltou à leitura. Queria ler os livros que Irineu lhe emprestara e pensar no que ia fazer e estudar. Por três dias, leu as obras de Kardec, achando explicações para tantas indagações que antes nunca entendera.

Quinta-feira marcara um encontro com Luísa e Andréa na casa delas para discutir e comentar o Espiritismo. Caio lá estava no horário marcado. A mãe das moças recebeu-o bem e acomodaram-se na sala. Logo após, chegou Flávio, amigo delas que também se interessava pela Doutrina.

Luísa fez uma prece, abriu o Evangelho e leu um texto:

“A Ventura da Prece”.

Caio já tinha lido, mas escutar parecia-lhe diferente.

Preces, orvalho divino; preces suavizam o calor das paixões, levam-nos ao caminho que conduz a Deus; preces que harmonizam; preces que consolam.

— Que beleza - exclamou Flávio -, então no Espiritismo dá-se valor à oração?!

— Sim e como! - disse Andréa. Oração é o alimento da Alma, ao orar o Pai Nosso, pedimos: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje.” Alimentar o corpo é importante, é dar valor ao período encarnado, neste envoltório do Espírito, não só devemos alimentá-lo, como higienizá-lo, cuidar dele evitando tudo o que 1he é nocivo, não viciá-lo. Mas, caros amigos, devemos também alimentar o Espírito. Somos eternos e sobrevivemos após a morte do corpo.

Alimentamos o Espírito com orações, bons pensamentos, praticando o Bem, amando a todos como irmãos, perdoando todas as ofensas e não fazendo mal a ninguém. E nós espíritas devemos alimentá-lo também com estudos, conhecimentos, porque ao desencarnarmos partiremos do plano físico para o espiritual somente com a bagagem de conhecimentos e com nossas obras.

— Devemos pedir em oração o que almejamos? - indagou Flávio interessado.

— Sim, por que não? - esclareceu Luísa -, nossos pedidos devem ser justos e simples, devemos pedir só o

Bem, tanto para nós, como para outras pessoas. Devemos também pensar que antes da nossa vontade, dos nossos desejos, está a Vontade e Sabedoria do Pai que nos ama.

— Foi isto que Jesus fez no Horto na quinta-feira Santa - lembrou Caio.

— Sim - continuou Luísa -, porque nem sempre o que pedimos é realmente bom para nós, para nosso Eu, ao nosso Espírito. Ás vezes desejamos algo que seria como dar uma faca afiada a uma criança, satisfazendo-a, mas estaria correndo o risco de cortar-se e sofrer mais. Porém, só o fato de orar com sinceridade e fé, acalma-nos e uma doce paz nos envolve, isto é o mais importante.

— Que força poderosa! - Exclamou Flávio.

— Sim - confirmou Luísa -, que força maravilhosa temos ao nosso dispor e acessível a todos!

— Luísa - disse Caio -, narra-nos os Evangelhos que Jesus ora muito.

— É verdade, o Mestre deu-nos exemplos; muitas vezes afastava-se de todos para meditar e orar. E, a pedido dos discípulos, ensinou-nos a oração belíssima do Pai-Nosso, a nossa oração dominical.

Contaram alguns fatos sobre o assunto, do poder da oração, que nem viram o tempo passar, já escurecia quando Caio e Flávio foram embora.

— Vou ser espírita, disse Caio - pensando alto -, vou ser um espírita estudioso. Por enquanto não direi nada em casa, é melhor dizer aos poucos.

Antônia e eu fomos visitar Marcelo e família. Cidinha sentia-se magoada, mas, com o agrado e carinho dos pais, recuperava-se, passara a semana entre compras e as amigas.

Marcelo tudo fazia para que não se falasse em Caio e evitando que Helena e a filha tivessem esperanças de uma reconciliação. Admirava mais ainda Caio e pensava que perdera o genro ideal, orava por ele para que não sofresse e que fosse feliz. Diariamente conversava com Paulo trocando notícias e, como o amigo, respeitava Caio por sua atitude.

— Antônia - disse-lhe -, tudo está bem agora. Caio achase bem e na Doutrina Espírita compreenderá e superará melhor os problemas. Com tudo resolvido, parto.

— Agradeço-lhe pela ajuda Antônio Carlos. Mas, antes de ir, venha dar uma olhada em Ofélia.

Ofélia encontrava-se sozinha na sala, estava tranqüila e calma, orava, aproveitando o silêncio que reinava àquela hora na casa. Observei-a, o corpo físico de Ofélia enfraquecia dando sinais de um desligamento lento. Seu coração poderia parar a qualquer momento.

— Deverá desencarnar logo. Deseja Antônia que a ajude?

— Ofélia deve ser libertada da prisão da carne, regressa feliz, é boa, justa, sofreu anos com resignação. 

Vendo as irmãs aqui com seus filhos, sente-se tranqüila. Não dispõe Antônio Carlos, de mais alguns dias?

Pensei por instantes.

— Antônia devo voltar aos meus afazeres, mas disporei de algumas horas por dia para estar aqui, ajudar Ofélia e na decisão de Caio.

— Decisão de Caio?!

— Tudo indica Antônia, que seu filho cursará Medicina.

Veremos o que decidirá.

 
Médium: Vera Lúcia M. Carvalho
Espírito: Antônio Carlos

Deus proteja a todos...

abçs,
 

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