segunda-feira

O Voo da Gaivota VII



Amor e Desapego


Paula tudo escutava e ficava pensativa. Não tinha muito tempo de desencarnada. Saindo de suas reflexões, indagou:

- Será que um dia irei gostar da vida de desencarnada? Sinto muita falta de tudo que era meu.Carlos Alberto demonstrou vontade de responder à colega e, notando isso, dei-lhe permissão para falar.

- Paula, também já me senti assim. Fiquei revoltado ao desencarnar. Não aceitava, pois fui tirado da vida física cheio de vitalidade, sonhos, planos, estava casado e com duas filhinhas para criar. Pensei muito: por que eu? 

Com tantos querendo morrer e continuando encarnados, e eu que gostava tanto da vida física, desencarnei. Minha avó com muita paciência tentava me confortar. Dizia-me sempre:

"Carlos Alberto, aqui você não terá a competição de um trabalho estafante, não ficará doente, não sentirá frio ou calor. A vida aqui é tão boa!"

"Gosto do trabalho competitivo, aprecio a luta pela sobrevivência, gosto do frio e nada mais agradável que sentir calor, e ainda: as doencinhas quebram a rotina" - respondia, sincero. Com o tempo, acabei conformado com o inevitável. Após muitos anos, entendi o porquê de ter-me sentido desse modo. 

Foi por não estar preparado e não ter informações verdadeiras da desencarnação. Amava muito e de maneira incorreta a vida material, para entender a vida espiritual. E, quando me tornei útil, é que passei a amar a vida, sem me importar se estava encarnado ou desencarnado.

Paula, por que você não aprende a amar? Todas as etapas de nossas existências, no Plano Físico ou Espiritual, nos são úteis."

- Achei muito válida a opinião de Carlos Alberto - falei à Paula, querendo ajudá-la, como também para elucidar a turma sobre essa questão de interesse de todos, e que nâo estava no plano de aula.

- Paula, tenho notado que você se queixa muito. Agia assim, quando encarnada?
- Acho que sim, tinha reumatismo, a me incomodar muito, morava com meu filho e não me dava bem com a nora...

- Paula - interrompi -, muitos de nós costumamos reclamar por não aceitar o que temos e o que somos. Quando encarnada, você se queixava de muitas coisas, e não mudou ao desencarnar.

Ninguém muda de imediato. Para nos transformarmos, necessitamos de muita compreensão.Temos sempre muitas possibilidades de ser felizes, só que quase sempre não as percebemos. Às vezes, prefere-se desejar algo que não se tem, na ilusão de ser, ou ter.

Consideramos estar nos atos externos ou em terceiros a nossa tão falada felicidade. E, na maioria das vezes, ao conseguir o que almejamos, a euforia passa logo, e voltamos a desejar outras coisas. Todavia a tão sonhada felicidade está dentro de nós, não importando onde vivemos e o que fazemos; os atos externos não devem influir em nossa Paz interior.

Muitos pensam que só serão felizes desencarnados. Outros, que só a vida física lhes trará alegrias. Ao colocar fatos externos como condição para sermos felizes, não seremos. E também não devemos esperar que outros resolvam, para nós, a dificuldade. Enquanto não solucionarmos nossos conflitos de ter e ser, permaneceremos insatisfeitos em qualquer lugar. 

A felicidade duradoura está na Paz conquistada, na harmonia, no equilíbrio, na alegria de ser útil, no Bem e ao caminhar para o progresso. Creio, Paula, que irá gostar da vida aqui, quando sua felicidade não depender de coisas ou de pessoas; não esperar recompensas, retorno; não exigir nada; quando você amar a si mesma, a vida e a todos que a rodeiam.

- Patrícia, por que não falamos um pouco sobre o amor? - disse Heloísa. - Sobre o Amor e o desapego. O assunto era deveras fascinante, tentei elucidar a turma.

- Amar, de forma egoísta, todos os seres humanos o fazem, nem que seja a si mesmos. Mas o amor de forma verdadeira, sem egoísmo e posse, é que demonstra que aprendemos. Ao amar verdadeiramente, anulamos erros e irradiamos alegrias em nossa volta. 

Amar e desapegar-se dos seres que amamos não é fácil. Os encarnados, no aprendizado para se desprender do que lhes é caro, chegam a ter sensações de dor, porque sentem sufocada sua ilusão de ter. É necessário amar tudo, mas sabendo que isso nos é emprestado. 

E por quem?

Pelo nosso Criador. Lembremos que com objeto emprestado, cuidado dobrado. Sim, realmente, o que temos, nos é emprestado, já que não somos donos das coisas materiais, não possuímos nada.

Nosso amor pelas coisas deve ser sensato, para usar o que nos é permitido, sem abusar. E também dar valor à casa que nos serve de lar, às roupas que vestem o corpo, ao local em que trabalhamos, onde recebemos o necessário para o sustento material, enfim, a todos os objetos que nos são úteis.

Porém, teremos um dia que deixar isso para outros, e que os deixemos da melhor forma possível, a fim de que eles possam desfrutar dos objetos emprestados tanto quanto nós. Até o corpo físico temos que devolver à natureza. E essa devolução como é difícil para muitos.

Até aí, parece fácil, embora saibamos que muitos, possuídos pelo desejo de ter, se esquecem desse fato e se apegam a coisas, objetos, julgando ser deles, mas, quando desencarnam, não querem deixá-los e a eles ficam presos. 

Há uma parte mais difícil, que é amar nossos entes queridos sem apego. Quase sempre nos julgamos insubstituíveis junto daqueles que amamos, pensando amá-los mais que ninguém, e ser indispensáveis na vida
deles. 

Apegamo-nos assim às pessoas, esquecendo que elas também são amadas por Deus e que somos companheiros de viagem, cabendo a cada um caminhar com seus próprios passos. E, ainda, muitas vezes nessas caminhadas, somos levados a nos distanciar um do outro, embora afetos sinceros não se separem.

Podem estar ausentes, não separados. Deixar que nossos afetos sigam sozinhos, sem nós, é algo que devemos entender. É o desapego. Ao desencarnar, ausentamo-nos do convívio de nossos entes queridos e, se não entendermos isso, consideraremos essa ausência como separação definitiva. 

É preciso aprender a amar com desapego, ampliar o número de nossos afetos, sem a ilusão da posse. Se formos chamados a nos ausentar, pela desencarnação, continuemos a valorizá-los, respeitando os,ajudando-os. 

Estaremos no caminho do desapego, e continuaremos a amá-los da mesma forma. Terminei de falar e lembrei-me de Luiz, de sua história, que poderia bem ilustrar este assunto.

Convidei-o a falar de si, para toda a classe, sabendo que sua narrativa seria importante para todos nós. Luiz começou a falar:

- Minha vida transcorria com normalidade. Minha família e eu vivíamos numa propriedade rural, onde ganhávamos o pão com trabalho honesto. Apesar de muitas dificuldades, éramos felizes, pois aprendemos com nossos pais a trabalhar e confiar em Deus. Estava com cinqüenta anos, ao desencarnar. Quando me dei conta, sem saber quanto tempo havia passado, vi-me num ambiente agradável e fraterno. Passados uns dias, senti, lá no fundo, preocupação com minha família, e isso aumentava a cada instante.

Quando o médico que nos atendia, chegou para a visita diária, externei minhas preocupações, que se transformavam numa grande angústia quase insuportável. Com muita atenção e carinho, esclareceu-me que eu havia morrido, desencarnado, e que estava num Posto de Socorro, salientando que aquilo era percepção psíquica do estado mental por que passava minha família, naquele momento difícil. 

Eu sentia daquele modo, porque era como se vivesse cada um dos pensamentos e angústias da minha esposa companheira e de meus filhos. Explicou-me também que todo sentimento muito forte, em relação a uma ou mais pessoas, nos une mentalmente a elas, e que estamos ligados pelo amor ou pelo ódio. Eu estava ligado aos meus, por afeto. 

Ensinou-me também que eu, no momento, não podia fazer nada por eles a não ser orar, pedindo a Deus que lhes concedesse paz, amor, harmonia e a aceitação do ocorrido, pois a morte de um ente querido é quase sempre muito dolorida.

É um fato que irá acontecer em todas as famílias, não por estarmos sendo punidos, mas sim por circunstâncias naturais do ciclo da vida. E, para que haja vida, é necessário o nascimento e a morte. 

Deveríamos aceitar o fato assim como ele é, não como queríamos que fosse.Aquele ensino dirigido a mim, com palavras tão carinhosas, não foi suficiente para aplacar minha angústia e preocupação, que aumentaram por saber que estava morto, desencarnado.

Minha decepção e frustração eram terríveis, pois fora, durante toda a vida física, muito religioso e "temente" a Deus. Obedecia sem questionar, como lei, a catequese de minha religião e acreditava nas palavras daquele que se dizia digno da possibilidade de doar bens divinos. 

E agora! – pensava aflito.

- Estava morto e não estava no céu, em paraíso nenhum!

Não vira Jesus Cristo! Mas, ponderava para mim mesmo, estava sendo bem tratado num local muito limpo e com carinho. O enfermeiro de plantão, Antônio, do qual me tornei amigo, dava-me toda assistência e nada me faltava. Mas tudo aquilo não foi suficiente para aplacar minha decepção e desejo de estar junto dos meus.

Pensei muito, encontrei aqui tudo muito diferente do que imaginava. Mas, se existisse céu como acreditava, as pessoas que fossem para lá, teriam, para ser felizes, que perder a individualidade. Porque, para mim, nenhum lugar seria um paraíso, separado dos meus. Achava que tudo que desfrutei, quando encarnado, eram posses minhas: casa, sítio e família. 

Os bens materiais, adquiri-os com trabalho honesto, mas eles não me importavam, ainda mais que os deixei para os que amava.Chamei o enfermeiro e perguntei se poderia falar com o responsável por aquele hospital. Logo ele voltou com a resposta que, como eu estava bem, iria ter alta no dia seguinte e nessa ocasião o diretor falaria comigo. 

Não consigo descrever como senti lento o tempo que esperei até o momento da minha liberação do hospital.

O que agravou bastante meu estado emocional foi o conflito de pensamentos, a preocupação com a família. Eu estava morto, sem estar preparado para o mundo que encontrei. Não sabia onde me encontrava, nem o que ia fazer na nova vida.Sentia os familiares em dificuldade e não tinha mais o corpo físico. 

Como ajudá-los?
Foi em meio a todo este contlito e perguntas sem respostas que chegou Antônio, com roupas novas para mim, pedindo que me trocasse, pois o diretor do hospital estava à minha espera para a entrevista tão desejada.

Aquelas palavras caíram como bomba em cima de mim, pois até então eu estava sendo bem atendido. As minhas dificuldades eram somente os contlitos dos meus pensamentos. Depois dessa entrevista, seria liberado, e para onde iria? Iria fazer o quê? O que um morto faz? Onde realmente estava? Foi com uma sensação indescritível de desamparo, que me pus a caminho, com Antônio.


Mas qual não foi minha surpresa, quando fui recebido pelo diretor. Se me sentia desamparado por Deus, ao ver aquela pessoa bondosa e atenciosa, senti logo o amor que emanava dele. O mal estar desaparecia à medida que conversávamos, chegando a ponto de não me sentir mais decepcionado por não ter me encontrado com Jesus Cristo, pois encontrava ali um representante Dele.

Com muito amor, o diretor foi me explicando tudo e delineando a minha recente maneira de viver, com nova acomodação e afazeres. Passado um tempo, acostumei, assumi a nova vida e gostei muito do local em que vivia. Era deveras bom, lugar de muita harmonia e fraternidade. Mas continuava a sentir minha família em dificuldades.

Explicaram-me que, em breve, minha família se acomodaria com a nova situação. Com o passar do tempo, sentia minha companheira mais conformada com a falta, porém ela estava angustiada e o motivo não era a minha desencarnação, mas uma de minhas filhas.

Como eu não estava suportando senti-los com dificuldades, comecei a ter remorso que, aos poucos, foi aumentando. Que esposo, que pai fora eu? Enquanto eles sofriam, eu vivia num lugar extraordinariamente bom. Fui falar com meu superior e confessei minhas preocupações. Ouvi dele conselhos e explicações, pois eu não tinha conhecimentos suficientes para ajudá-los. 

Mas, apesar de todas as recomendações, não mudei de atitude, achei que, se nada pudesse fazer por eles, iria sofrer junto. Não queria ter aquela vida maravilhosa e saber que eles sofriam. Seria solidário com eles: se chorassem, queria abraçá-los e chorar também; se eram perseguidos, que me perseguissem; se machucados, que sentisse a dor de suas feridas.

Pedi, insisti para voltar ao lar. Diante de minha atitude, meu superior autorizou a volta. Nossos desejos são sempre respeitados, quis voltar e o fiz. Apesar das explicações e recomendações, pensei estar preparado. Mas não estava. As dificuldades foram muito maiores do que esperava.(3)

Chegando em casa, deparei com dois mal encarados, espíritos perturbados na maldade. Ao me verem, perguntaram-me se viera ver os familiares sofrerem. Eles obsediavam uma de minhas filhas e estavam prejudicando, infernizando toda a família. Quis impor a minha autoridade, pois era o chefe daquele lar, dono daquela propriedade. 

Quis expulsá-los, porém eles se recusaram a sair. Isto me levou a ficar nervoso e era o que eles precisavam para que eu me perturbasse, ao contato com a vibração ambiente. Senti primeiro uma violenta dor de cabeça e logo em seguida uma agonia, como se tivesse desencarnado naquele instante. Perturbei-me por algum tempo, mas não sei precisar quanto, e esse meu estado só piorou a situação dos meus.

Voltei ao equilíbrio depois, numa reunião espírita, onde me senti unido a uma pessoa, havendo outra conversando comigo, explicando-me que eu precisava de auxílio e que Deus, através de seus enviados, estava me socorrendo.

"Preciso ajudar os meus" - respondi.

"Para auxiliar é preciso ter condições" - esclareceu o orientador encarnado dessa reunião. 

"Não se preocupe, os seus também estão sendo atendidos e, assim também, os agressores de sua família. Se não se quiser ter inimigos, é necessário torná-los amigos. Estamos providenciando para que isso seja um fato.”

Senti-me melhor e o orientador me convidou:

"Amigo, queira o socorro oferecido, vá viver uma vida digna de um desencarnado. Será que é este o tipo de vida que seus familiares desejam para você?"

"Não" - falei -, "eles me querem bem, pensam que estou no céu e que sou feliz."

"Por que você não faz o que eles querem? Por que não aprender a amar com desapego? 

O amigo não está esquecendo que eles são, como você, filhos de Deus? Se você foi chamado a viver de outro modo, é porque findou seu tempo como encarnado.

(3) É normal querer auxiliar os que amamos. Mas só ajudamos quando preparados e, para esse preparo, não temos tempo determinado. Dependendo de muitos fatores, é rápido para uns e demorado para outros. Podemos ajudar com conhecimentos e segurança, quando os orientadores do local que nos abriga, nos julgam capazes. Mas, mesmo assim nossa ajuda é limitada, pois cada qual tem a lição que lhe cabe fazer. (N.A.E.)

E não será egoísmo a felicidade que se desfrutar numa casa de auxílio no Plano Espiritual, se a conseguiu por merecimento e afinidade. Faça o que tem que ser feito. No momento é viver num abrigo para desencarnados, estudar e trabalhar, sendo útil como fez quando encarnado. Vai, amigo, fazer o que lhe é devido, não se envergonhe de ser feliz, porque, ao estarmos bem, irradiaremos alegrias que beneficiarão os outros."

Mais tarde, na Colônia, já adaptado, é que vim a saber que minha outra filha namorava o filho de um senhor, dirigente de um Centro Espírita, e o rapaz, vendo o que acontecia em minha casa, pediu ajuda ao seu genitor e esse auxílio não se fez demorar.

Naquela ocasião, fomos todos orientados no Centro, os dois espíritos que os atormentavam e eu. Com nosso afastamento, a situação melhorou muito. Minha esposa pensou ter alcançado uma graça que pedira a uma santa e a uma senhora desencarnada na cidade, tida como milagreira, por ter sido boa quando encarnada. 

Soube, mais tarde, que essa senhora não pôde na época ajudá-los. E meus familiares nem ficaram sabendo que receberam tanto de desconhecidos, de um Centro Espírita. Hoje, estou bem, visito-os sempre e tento ajudá-los dentro dos meus limites. Uma família grande sempre tem problemas, mas não me desespero quando não tenho como auxiliá-los.

Luiz deu por finda sua narrativa, deixando-nos silenciosos.Talvez porque todos nós já tivéssemos passado por problemas parecidos e estávamos dispostos a aprender a amar sem apego.

Após a aula, meditei sobre o assunto. Muitos encarnados me têm pedido ajuda, talvez por acharem que posso muito, ou pelo que escrevo, através de livros. Porém nada sou, pouco posso. Esforço-me, isso sim, para aprender e trabalhar, pois almejo caminhar no Bem, rumo ao progresso. Devido às minhas tarefas, não posso atender a esses pedidos, porém eles não ficam sem resposta.

A personalidade, aqui, não é cultuada. Os bons espíritos atendem em nome da fé, da sinceridade, sem se importar de quem vem o pedido. Muitos, que os encarnados nem conhecem, são ativos no Plano Espiritual e atendem essas solicitações.

Constituem-se em obreiros, samaritanos, humildes trabalhadores dos Centros Espíritas, desencarnados amigos e protetores dos que pedem. Fazem por amor, apenas pelo prazer de servir.

Deve-se pedir a Deus, a Jesus, ao anjo protetor, que os bons desencarnados atendam e ajudem no que seja possível.

Concluí meus pensamentos com a certeza de que amo muito e que minha família aumenta constantemente, pois quero amar toda a humanidade. Mas tenho, pelos meus, imenso e infinito carinho, só que com desapego. Amo-os sem posse. É o que todos nós devemos fazer: amar com desapego.


 continua...
bjs,soninha

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