terça-feira

O Voo da Gaivota IV


Ouvindo Uma História 

Dormi. Acordei e senti-me pior, e ainda estava com sede, fome e me sentindo suja, de um jeito que detestava ficar. Pensei no acidente e tive ódio do imprudente motorista, e comecei a sentir meu corpo doer. Percebi que era só pensar no acidente para ter dores, e assim esforcei-me para não pensar mais. Resolvi saber onde estava. 

Arrastando, locomovi-me alguns metros, e vi que me encontrava em pequena abertura de uma rocha.Perto, achei um filete dágua que, com nojo, tomei para amenizar a sede. Vi que outros, ali, a tomavam, além de comerem pequenas ervas. Comi também. Não me atrevi a ir mais longe; e, quando saía, voltava sempre rápido para a abertura. 

Aquela senhora igualmente se abrigava ali, só que saía e demorava a voltar, pois andava pelo Umbral. Às vezes conversava comigo, e era a única pessoa com quem eu falava. Sentia-me terrivelmente só."

Faço uma parada na narrativa de Genoveva para explicar alguns detalhes. Muitos não vivem como parte integrante do Universo, agem como entes separados da vida. A lagarta nos dá um bom exemplo de como agir. Como lagarta, realiza com eficiência sua função, vive para se empanturrar de folhas, adquirindo energia suficiente para que possa acontecer sua metamorfose.

Muitos encarnados esbanjam energias insensatamente, de tal forma que, no momento da desencarnação, estão tão defasados que o espírito não consegue abandonar a matéria. Não devemos negar as funções do viver, mas sim estarmos conscientes de que somos transeuntes; não fazer da existência um acúmulo de sensações e prazeres como se isto fosse a finalidade única para a qual reencamamos. 

Identifico Genoveva com muitos de nós. Nossa narradora se identificou com o que representava, um elemento feminino cheio de dotes e beleza física diante do sexo oposto, sentindo-se segura e confiante pois tinha mais que as outras. Nada lhe interessava a não ser ela mesma. Tudo o mais, até o marido e os filhos, era apenas apêndice do seu "status".

Meditando, conseguimos olhar o Universo como um todo orgânico, vendo a unidade de Deus. Assim compreendemos sua Onipresença em tudo e em todos entendendo, então, que para a natureza não há nem bonito nem feio mas simplesmente um conjunto de manifestações ou indivíduos que juntos compõem o

Universo manifestado. Vemos que, assim o bonito e o feio fazem arte de nossa preferência pessoal. Se conseguimos ver isto como um fato, nos libertamos do apego, desejos e sensações de sermos melhores que os outros. 

O início da verdadeira humildade é não se sentir melhor que ninguém. Entre milhares de desencarnações que ocorrem diariamente,cada desencarnado tem uma sensação diferente da passagem do estado físico para o espiritual.

Mesmo em acidentes parecidos com o de Genoveva, cada qqual a sente de um modo. A desencarnação é um fato comum e natural, mas que se diferencia de uma pessoa para outra. Genoveva foi desligada bruscamente com o choque. Ao perder os sentidos, ficou em perispirito deitada na calçada, já que seu corpo físico logo em seguida foi levado para o necrotério. 

Como não se afeiçoara a ninguém de bem, isto é, trabalhadores ou socorristas, para lhe velar e socorrer, os desencarnados que vagavam, a pegaram.Levaram-na, após vampirizar seus fluidos vitais, e a deixaram lá no Umbral. 

Se Genoveva tivesse adquirido afetos espirituais, através de sua vivência física, teria sido levada para um posto de socorro.No exercício da fraternidade incondicional,que é o servir sem desejar nada em troca,nem mesmo recompensa da parte de Deus, emanamos boas vibrações. Essas vibrações atraem os bons espíritos, como também impedem o assédio dos maus à nossa volta. 

Tenho visto muitos acontecimentos, em que desencarnados perversos aprisionam recém-desencarnados imprudentes e os fazem escravos ou os levam para seus agrupamentos. No caso de Genoveva, porém,sugaram-lhe as energias e a deixaram num canto do Umbral. Voltemos à sua narração.

"Não sabia há quanto tempo estava ali, naquele lugar horroroso. Só mais tarde soube que foram seis meses, os quais para mim pareceram ser mais de seis anos. Sentia, às vezes, meus filhos me chamarem. Respondia alto:

- Já vou filho, já vou!"

Mas não ia. Não sabia como fazer e nem tinha forças para me locomover. Sentia que oravam por mim e, nesses instantes, ficava mais calma. Comecei então a me lembrar muito de Dona Rita, minha vizinha. Recordei que ela era aposentada, viúva, e seu filho que morava longe, não lhe dava atenção. Passava por muitas necessidades. 

Dava-lhe muitas coisas, inclusive comida pronta, ora o almoço, ora o jantar, comprava-lhe remédios, além de propiciar-lhe carinho. la vê-la quase todos os dias e, agora, ela orava muito por mim. Escutava-a dizer:

"Genoveva, peça ajuda a Deus. Ele é nosso Pai e nos ama.

Peça perdão! Queira ajuda!"

Fiquei a pensar no que escutava. "peça ajuda, peça perdão". Mas eu estava revoltada, pois não queria ter morrido. Era bonita, cheia de vida e saúde e, agora, estava sofrendo. E não queria continuar naquele estado, tinha que mudar, só que não sabia como.

As orações de Dona Rita fizeram diminuir minha revolta, acalmei-me e comecei a meditar. Nunca pensei que a morte viesse para mim, mas só para os outros. Ainda mais que me achava jovem para morrer... e eu não queria a morte nem na velhice. Então percebi que por ali passavam outras pessoas, diferentes, limpas e com semblantes tranqüilos. 

Já haviam tentado conversar comigo, porém não lhes dei atenção. Talvez vocês achem incoerente essa minha atitude, pois me incomodavam a sujeira e aquele lugar horrível e assim mesmo não dava atenção para aquelas pessoas limpas e saudáveis Mas naquela ocasião, não sentia afinidade com eles; não queria o que me ofereciam, a ajuda espiritual, mas sim o que havia perdido com a vida física. 

Sentia-me inferior a eles e isso me magoava. Também estava envergonhada por estar em estado tão deprimente. É que, quando encarnada, me sentia rainha e agora era apenas um farrapo. Mas depois acreditei que eles poderiam me ajudar e, quando os vi de novo, os chamei, pensando firme nos dizeres da minha ex-vizinha.

"Peça ajuda! Peça perdão!"

"Senhores, por favor, me dêem atenção!"

Aproximaram-se e, perto deles, percebi como eram felizes. Olhei-os emocionada.

"O que quer?" - indagou um deles.

Ajuda, perdão..." - respondi envergonhada.

"Venha conosco.”

Novamente interrompo a narração de Genoveva para algumas explicáções. Ao pedir perdão, demonstrou que reconhecia os erros cometidos e que desejava mudar para melhor. Deus nunca se ofende conosco, apenas nos ama. O que precisamos é da renovação interior, para participarmos da renovação da humanidade. 

Normalmente, quando os familiares chamam os que desencarnaram, eles os atendem, indo para perto deles, se não tiverem conhecimentos da vida no Plano Espiritual. E Genoveva não os tinha. São muitos os que abandonam os Postos de Socorro, para atender aos chamados dos seus. O desconforto impele o desencarnado a voltar ao estado anterior, isto é a sentir a vida que tinha, quando encarnado.

A vontade forte os leva para onde o desejo os guia, quase sempre ao antigo lar ou perto dos seus afetos. Os recém-socorridos que estão abrigados nas Colônias maiores não saem, porque elas ficam mais longe da crosta e não é tão fácil saírem sem permissão. Mas muitos desencarnados, para atender insistentes chamados, pedem para ir, mesmo sabendo o risco que correm ao voltarem sem estar preparados. 

Desencarnados que vagam pelo Umbral,costumam também atender a esses chamados. Mas nem todos voltam, como no caso de Genoveva. Primeiro, porque os chamados não teriam sido muito insistentes,segundo, por causa do medo de sair do lugar em que se está. Depois, Genoveva não amava ninguém mais do que a ela mesma. 

Também, porque ela se sentia enfraquecida, sem forças psíquicas. Quanto à ajuda que recebeu de Dona Rita, foi uma reação de uma de suas ações. É como meu pai sempre diz: "O Bem que fazemos, a nós mesmos fazemos.

" E ele lembra sempre das palavras do Nazareno, que é como gosta de se referir a Jesus, nosso Grande Mestre. "Granjear amigos com as riquezas da iniqüidade, para que, quando vierdes a precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos." (Lucas, XVI:9)(2).

Quando fazemos o Bem,fazemos amigos.Se um deles nos for grato,ele nos ajudará quando necessitarmos.

Genoveva fez algumas boas ações. E Dona Rita, grata, não a esqueceu. Orou com sinceridade e fé para ela. 

Oração sincera não fica sem resposta. Genoveva recebeu o carinho de sua ex-vizinha da forma que precisava no momento.Ela recebia seus fluidos de ânimo e conforto, embora sua ex-vizinha fizesse orações decoradas que lhe ensinara a religião que seguia. 

Orações envolvem o beneficiado com energias benfazejas, de modo a ajudá-lo no que necessita. E para Genoveva seriam para seu arrependimento; para que pedisse perdão e perdoasse, que chamasse por ajuda, mudando assim seu padrão vibratório e possibilitando o socorro. E foi isto o que aconteceu. Continuemos com a interessante narrativa de Genoveva.

....continua...
bjs,soninha

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