quarta-feira

A Casa do Escritor VI


III - RECORDANDO O PASSADO

Frederico, meu amigo desde os primeiros tempos de desencarnada, vinha sempre me visitar. Conversávamos tranqüilos pelos jardins da Colônia de Estudo.

Sabia que éramos amigos de outras encarnações. Somos espíritos afins e é sempre agradáveltê-lo por companhia. Meu passado, a vivência de outras encarnações, veio-me à mente, primeiro em pequenos lances, depois em pedaços maiores até formar um complicado jogo de quebra-cabeças.

Numa destas conversas com ele, pedi:

- Frederico, tenho recordado momentos de minha encarnação anterior da qual sei que você faz parte. Gostaria de recordá-la toda. Você me ajudaria?

- Quem recorda sozinho está apto a fazê-lo. O passado a nós pertence. Cada encarnação é uma caixinha fechada no nosso cérebro espiritual. Basta abri-la para recordar. Muitos o fazem sozinhos, sejam encarnados ou desencarnados, outros necessitam de ajuda. De fato Patrícia, faço parte do seu passado. Vou ajudar a completar seu quebra-cabeça.

Olhou-me tranqüilo, mas profundamente. As recordações vieram em seqüência como num filme que passava na minha própria mente.

Vivia feliz com minha família numa pequena e singela cidade. Tinha por mãe o mesmo espírito de Anézia que é minha genitora nesta. Éramos pobres mas trabalhadores.

Romântica, sonhava com meu príncipe encantado. Um dia, ao visitar meu padrinho, um senhor rico da região, dono de propriedades, conheci Frederico, um jovem médico, muito bonito, louro com traços delicados, sorriso franco, que residia na cidade vizinha.

Ele estava hospedado na casa do meu padrinho,eram conhecidos,viera para visitá-los. Eu completara na época dezesseis anos e nunca havia namorado.Quando olhei para ele, ao sermos apresentados, meu coração disparou, o amor antigo de outras existências ressurgiu forte. Frederico também me amou assim que me viu.

Ficamos conversando, depois ele me acompanhou até minha casa. Combinamos encontrar-nos no dia seguinte à tarde. Após uma semana de encontros escondidos, Frederico foi à minha casa e pediu permissão ao meu pai para me namorar.

- Você é linda, Roseléa! - dizia ele, enamorado. Chamava-me Roseléa na existência anterior. Curiosamente tinha os mesmos traços que tive nesta encarnação e que tenho agora. Era loura, alta, magra e com olhos azuis.

Dias depois, Frederico teve que voltar a sua cidade, mas vinha sempre me ver. Apaixonados, resolvemos casar. Mas problemas surgiram, eu era pobre e ele, rico e filho único. Seu pai era um abastado fazendeiro e não aceitou o nosso namoro.

- Roseléa - disse Frederico -, meus pais não querem que eu case com você.Desejam para mim uma jovem do nosso nível social. Mas amo você e insisti.

Concordaram, só que exigiram que você se afaste de sua família e após nosso casamento fiquemos morando com eles.

- Não posso, Frederico, afastar-me da minha família. Eu os amo.

- Se quisermos ser felizes, necessitaremos fazer algum sacrifício. Senão, nosso amor torna-se impossível. Sou filho único, você tem muitos irmãos, seus pais não sentirão tanta falta de você. Diga a eles a proposta dos meus pais, sinto que entenderão.

Neste mundo, sempre temos que renunciar a alguma coisa para sermos felizes.

- Mas esta "coisa," é minha família - falei indignada.

- Vocês poderão se corresponder, trarei você uma vez por ano para vê-los. Só que eles não poderão nos visitar. O fato é que amava Frederico e não queria perdê-lo.

Falei com os meus pais e eles, embora tristes, concordaram. Fui conhecer os pais de Frederico. Eles não gostaram de mim nem eu deles, mas tudo fiz para agradá-los. Os pais de Frederico eram instruídos, ricos, moravam numa mansão enorme que até me assustou.

Amavam demasiadamente o filho e não sabiam negar nada a ele, por isso concordaram com nosso casamento. Casamos na capela da casa deles, numa cerimônia simples que não foi assistida por nenhum dos meus familiares. Frederico e eu estávamos felizes, estávamos juntos, era tudo o que queríamos.

Estava bonita, no dia do nosso casamento, vesti uma roupa que minha sogra mandou fazer para mim.

Tivemos por dormitório um belíssimo quarto, era o lugar da casa onde me sentia à vontade. Sentia-me encabulada perto dos meus sogros, até dos empregados, era para todos uma estranha que ali estava para educar-se.

Tudo fiz para conquistá-los, eles apenas me toleravam. Perto de Frederico eles ainda eram educados, longe do meu marido eram irônicos e estavam sempre me criticando, lembrando da minha condição social inferior.

Isolava-me cada vez mais em nosso quarto. Para não ficar sozinha e sem fazer nada, passei a ajudar Frederico como enfermeira. Aprendi rápido e tornei-me uma boa ajudante. Animei-me mais com o tempo preenchido. Gostava de ajudá-lo. Frederico era bom médico, estudara Medicina na França, era atencioso e carinhoso com todos.

Sempre me tratou com carinho. Às vezes, chateava-se com a indiferença dos pais para comigo, mas acreditava que acabariam por me aceitar, tão logo tivéssemos filhos. Durante o tempo que estive casada só vi meus familiares duas vezes em visitas rápidas, mas nos correspondíamos regularmente.

Dois anos após meu casamento, minha sogra desencarnou.

Pensei que minha vida fosse melhorar, porque era ela quem mais me ofendia e tinha ciúmes de mim, mas não. Meu sogro, Sr. Nicásio, queria netos. E começou a nos cobrar diariamente; ele queria a continuação da família, queria herdeiros. Porque, se Frederico não tivesse filhos, a fortuna iria para parentes indesejáveis.

Frederico e eu também queríamos filhos. A cobrança era tanta que estava desesperada e não conseguia engravidar.Ajudando Frederico, vi o quanto ele era bom, caridoso; cuidava dos pobres e ex-eseravos sem cobrar e até lhes dava remédios e alimentos. Amava-o muito, mas não era feliz. Sentia falta de minha família, de minha casa, não me sentia bem naquela enorme mansão.

Tinha um medo terrível de não engravidar e, também, porque Frederico era muito ciumento não gostava que eu conversasse com ninguém.Após quase quatro anos que estávamos casados, ia completar vinte e dois anos,fatos novos aconteceram. Vieram nos visitar e conosco ficaram hospedados os padrinhos de Frederico, com um casal de filhos.

A filha mais velha, Hortência, era uma moça muito educada, instruída e muito bonita. Logo que chegaram, o casal ficou doente. No começo parecia uma gripe forte. Porém, Frederico constatou apavorado que era crupe. A difteria não tinha cura naquela época e quase sempre levava à morte.

Frederico isolou-os numa parte da casa e exigiu que eu e sua ama Maria fôssemos cuidar deles. Maria era uma preta, ex-escrava que sempre cuidou dele, os dois eram muito amigos. Eu não quis ir, Frederico insistiu, eram os doentes nossos hóspedes e seus padrinhos. Era a pessoa indicada, já que aprendera muito trabalhando com ele.

Meu sogro intrometeu-se na conversa e disse com ironia:

- Você não serve nem para me dar netos, vê se faz algo útil.

Fui, contrariada. Maria e eu tomamos todas as precauções devidas para não contrair a doença. O filho, um menino de dezesseis anos, também ficou doente. Depois de alguns dias enfermo, o casal acabou morrendo.

Hortência estava triste e Frederico dava muita atenção a ela, fiquei com ciúmes. Estava cuidando do mocinho, quando senti, apavorada, os sintomas da doença. Adoeci. Maria cuidava com o carinho de sempre de mim e do menino. Frederico vinha me ver várias vezes ao dia, sempre preocupado.

Meu sogro não me visitou. As vezes, Hortência vinha ver o irmão. Estava triste, chorosa e Frederico a consolava. Odiei-a. Ela sim, pensava, era a nora desejada, a esposa que um médico merecia.

Achei que Frederico se arrependera de ter casado comigo, mandara cuidar dos doentes para que adoecesse e ficasse livre. Estava magoada com meu esposo, culpava-o por ter adoecido. Senti muitas dores físicas, mas a dor moral e a raiva eram maiores.

Sentia-me desprezada e sozinha. Desencarnei com muita agonia, com ódio de Hortência e de Frederico. Fui atraída para o Umbral por vibrar igual. Estava revoltada por ter desencarnado jovem, não lembrei de Deus, nem de orar.

Durante muitos anos vaguei com rancor pelo Umbral. Até que um dia um homem me falou:

- Você não é Roseléa, a nora do Nicásio, aquele carrasco?

- Sou.

- Por que está aqui? Gostava do seu sogro?

- Não.

- Você não quer ir a sua casa terrestre? As coisas mudaram por lá.

- Posso ir para casa? Não sei como.

- Levo você, mas se prometer ajudar a nos vingarmos de Nicásio.

- Prometo.

Assim, fui levada por ele a minha antiga casa.Quando vagava perdi a noção do tempo, às vezes achava que fazia muito tempo, outras, meses somente. É horrível vagar pelo Umbral.

Tive uma grande surpresa ao ver minha ex-família. Frederico estava casado com Hortência e tinham três filhos, o mais velho, um menino de nove anos chamado Nicásio, igual ao avô, e duas meninas de sete e cinco anos. Pareciam todos muito felizes. Frederico e meu ex-sogro adoravam o pequeno Nicásio. Odiei a todos.

- Então foi mesmo para que morresse que mandou que cuidasse dos doentes! -queixei-me rancorosa. - Queria casar com Hortência e ter filhos.

Os outros espíritos que ali estavam, oito, queriam vingar-se do meu ex-sogro.Este não foi boa pessoa, fez muitas maldades que Frederico desconhecia. Incentivada por eles, resolvi vingar-me.

Patrícia / Espírito
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / médium.

continua...

abçs,


Nenhum comentário: