segunda-feira

Violetas na Janela XVI


XVII

NECESSIDADES

Um dia Maurício e eu fomos à Biblioteca.Em uma das estantes há uma divisória espelhada,olhei observando-me e ajeitei meus cabelos, que para minha comodidade ficavam sempre como desejava. Maurício sorriu e começamos a falar sobre necessidades.

—Patrícia, — meu amigo explicou — encarnados não julgam que a vida continua e sem saltos. As necessidades do encarnado acompanham-no como os reflexos da doença. São poucos, pouquíssimos os que ao desencarnar entendem e se libertam imediatamente destes reflexos, das necessidades, a maioria só aos poucos vai deixando.

Oscar, um conhecido, já havia sido apresentada a ele, trabalha na biblioteca. Estando perto, parou com sua pesquisa e ficou escutando a preciosa lição. Com ele, estava um rapaz. Acabou por participar da nossa conversa.

—Desculpe a intromissão. Este é Ramiro — apresentou-nos o rapaz. Após os cumprimentos, Oscar continuou a falar. — Estou bem categorizado como a maioria a que Maurício se referiu. O senhor tem razão, necessito progredir e agora. O comodismo, o estar muito bem assim, faz com que paremos. Já estive pior, mas não é por isto que não posso estar melhor.

—Realmente — disse Maurício — devemos ser aqui e agora. O que e como fazemos é o que somos.

Curiosa, indaguei:

—Oscar, como foram suas necessidades?

—Foram bem diferentes das suas. Você, Patrícia, veio sem vícios, nem de carne se alimentava. Quem não cria hábitos se adapta com mais facilidade. Você não deixou para depois, fez encarnada, eu, por minha vez, fiquei adiando minha transformação sempre para depois, mesmo quando aqui cheguei. Você não ficou com atos externos, fez interiormente. A simplicidade facilita. Observe que no Educandário as crianças se acostumam rápido e logo a maioria aprende a tirar da natureza e com naturalidade seu alimento. Eu, quando encarnado, nada conhecia do Mundo Espiritual, tinha religião de forma externa.

Desencarnei e fui para o Umbral. Não era receptivo para ter um socorro e,se não sofresse, não iria dar valor ao que uma Colônia Espiritual oferece. Acho mesmo que, se viesse logo que desencarnei para cá, nem ia gostar. Senti dores horríveis, o reflexo das minhas doenças. Tinha fome, sede, sentia calor e frio. 

Alimentava-me de plantas que encontrava, tomava água de filetes sujos, também evacuava e urinava pelos cantos,  pelo chão. Ansiava desesperado pelo cigarro e pelos meus aperitivos. Sofri muito. Por anos fiquei no Umbral. Um dia, um parente desencarnado que vagava como eu, mas que sabia ir entre os encarnados me levou para meu ex-lar terreno. Este parente vagava entre os encarnados e pelo Umbral. Fiquei com meus familiares. Senti-me melhor. Perto deles, tragava os cigarros quando eles fumavam, bebia e comia.

—Como?! — quis saber.

—Troca de energia. Se você fica perto de um fumante, sente a fumaça, se ficar colado, fuma junto.Alimentava-me quando eles iam tomar as refeições, sentava à mesa, inalava os fluidos dos alimentos. E sugava as energias dos encarnados. Com isto melhorei, mas não estava bem. Sentia dores e frio, estava triste e insatisfeito. Notei que os estava prejudicando, fiquei chateado. Não queria voltar para o Umbral e não sabia como resolver este problema. Acabei por cansar e querer uma outra forma de vida. Comecei a orar, a pedir a Jesus que me auxiliasse. Um dia, para minha alegria, um socorrista veio em meu auxílio e fui conduzido a um Posto de Socorro.
Fiquei internado em tratamento, fui melhorando aos poucos. Alimentava-me quatro vezes ao dia. Esforcei-me
para largar o tabaco, pois nos Postos de Socorro e nas Colônias (Postos de Socorro são na maioria pequenos  locais de primeiros socorros, estão localizados na Crosta e nos Umbrais. As Colônias são maiores, são cidades espirituais.) não é dado cigarro, mas sim um tratamento para largar o vício. De qualquer forma, a luta é de cada um. Graças a Deus, consegui, logo não tinha vontade de fumar. Mas demorei para me recuperar. Encarnado, tomava banho diariamente, era higiênico.

No Umbral é sujo, não há como se banhar. Sentia falta desta higiene, mas a fome, a sede e as dores eram minhas primordiais necessidades. Quando fui socorrido, estava feio e sujo. No Posto de Socorro tomava banho todos os dias, usava o banheiro para minhas necessidades.Oscar fez uma pausa e Maurício aproveitou para nos dar alguns esclarecimentos.

—Nas cidades do Umbral, seus habitantes, irmãos ignorantes no mal, a higiene não está nos seus costumes. Porém, sabemos que muitos deles se higienizam de forma rudimentar. Conheci muitos habitantes do Umbral relativamente limpos. Isto depende de cada um. Mas, como Oscar narra, com dificuldades mais sérias, a higiene fica em segundo plano. Os que vagam sofrendo pelo Umbral não conseguem higienizar-se.

—Recuperado — Oscar continuou — quis entender o que se passava comigo, vim para a Colônia estudar e trabalhar. Nada entendia da existência desencarnada, necessitava aprender. Hoje, anos depois, gosto de ler, saber, trabalho, estou tranquilo, alimento-me pouco e minhas necessidades fisiológicas são poucas. Aqui estou bonito e sadio. Meus cabelos (passou a mão na nuca) não me preocupam.

Rimos, Oscar é careca, tem poucos cabelos.

—O que demorei para largar foram meus óculos — continuou nosso amigo —, tinha a impressão que sem eles não enxergava. Por incrível que possa parecer, estive sempre com eles, no Umbral e vagando.

—É mesmo! — exclamei. —Não é comum ver alguém de óculos aqui. Lembro que vovó Amaziles usava encarnada óculos e agora enxerga muito bem.

Maurício nos esclareceu.

—Defeitos, doenças, são do corpo carnal. Embora a impressão destes possa ser forte no corpo perispiritual. Aqui, basta compreender, aprender, para sentir-se sadio.Quando digo aqui me refiro às Colônias e Postos de Socorro. Quem vaga ou por afinidade acaba nos Umbrais, quase sempre tem doenças e deficiências como acompanhantes. Muitos desencarnados bons, ao quererem se identificar entre os encarnados, podem plasmar óculos, ou até mesmo deficiências. 

O livre-arbítrio é respeitado. Conheço alguns espíritos bons, trabalhadores do Bem, que não querem se desfazer das deficiências, dos óculos ou das bengalas. Estão bem assim, usam porque querem. Como Oscar, é careca porque quer. Se quisesse, teria uma bela cabeleira.

Rimos.

—Realmente — disse Oscar —, identifico-me com minha careca e não acho uma deficiência. Mas o que acho bom mesmo é não ter que ir ao dentista.

—É mesmo! — exclamei novamente. — Não pensei nisto, tenho visto aqui todos com dentes perfeitos.

Maurício aproveitou para nos esclarecer.

—Patrícia, todos aqui na Colônia podem ter dentes perfeitos. Ao se recuperar de doenças, recupera-se também a dentição e não estraga mais, nada de cáries. Infelizmente, os desencarnados que vagam, os que não são socorridos, continuam como estavam, se não tinham dentes continuam banguelas. Não tenho conhecimentos que estragam mais os dentes, creio que continuam como desencarnaram.

—Aqui na Colônia não ficamos mais doentes? — quis saber curiosa.

—Uma vez sadio, sempre sadio. Um desencarnado bem aqui na Colônia e nos Postos de Socorro não adoece mais. Mas, se não estão totalmente recuperados e saem sem permissão, voltam para os ex-lares sem autorização, ou seja, vão vagar, quase sempre voltam a sentir os reflexos de suas doenças. Não sabem ainda se manter sadios sem os fluidos benéficos destes lugares. Mas os que seguem os regulamentos continuam sempre bem. Não há por que ter doenças.

—Maravilha! — exclamei.


continua..
bjs,soninha

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