sexta-feira

Nossos Filhos São Espíritos // 15

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PESSOAS QUE SE LEMBRAM DO ESQUECIDO

DOS SEISCENTOS CASOS PESQUISADOS e catalogados, até então, o dr. Ian Stevenson (Twenty cases suggestive of reincarnation) publicou, em 1966, apenas vinte, de crianças que espontaneamente se lembravam de existências anteriores, com maior ou menor riqueza de detalhes, mas o suficiente para produzir evidências satisfatórias, escrupulosamente conferidas pelo eminente cientista.

O dr. Stevenson, com o qual tive a honra de manter alguma correspondência epistolar, é personalidade destacada nos meios científicos internacionais, exercendo o prestigioso cargo de diretor do Departamento de

Psiquiatria da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos. É certo que enfrentou resistências e hostilidades ao apresentar-se, corajosamente, como cientista moderno, competente e de elevado status, disposto a aceitar a validade da doutrina das vidas sucessivas. 

Foi um pioneiro. Sem dúvida, influiu para que, hoje, decorridos cerca de trinta anos do lançamento de seu importante estudo, a realidade da reencarnação comece a ser discutida, pesquisada e, finalmente, aceita, mesmo porque muitos outros estudos, documentos, relatos e depoimentos pessoais sobre o tema têm sido divulgados, encorajados ou suscitados pela atitude do dr. Stevenson.

Mesmo com as ressalvas e cuidados naturais que um cientista responsável coloca em suas conclusões, o dr. Stevenson inclinava-se francamente, já àquela época, pela doutrina da reencarnação, após havê-la confrontado com as várias alternativas, também dignas de exame. Essa postura ampliou-se e consolidou-se posteriormente, como pôde verificar quem acompanhou o trabalho do ilustre pesquisador.

Vale a pena lembrar que um fator específico contribuiu para que Stevenson começasse a encarar com simpatia o que, para ele, fora, de início, apenas uma hipótese: os casos de crianças que apresentavam marcas de nascença (birth narks) devidas a ferimentos recebidos em vida anterior, e, portanto, em outro corpo físico.

No decorrer deste (capítulo) (escreve ele à página 340 de seu livro, de 1966) solicitarei a atenção do leitor para um tipo de evidência (marcas e deformidades congênitas) que também não podemos atribuir à hipótese da percepção extra-sensorial e que, em casos aceitáveis, somente poderia ser explicada por alguma influência no organismo físico anterior ao nascimento.

É possível, portanto, que o leitor e a leitora possam, inesperadamente, ter uma criança na família que se lembre de uma ou mais de suas existências anteriores. Tais recordações espontâneas, mais comuns do que parecem, nem sempre são notadas, seja porque as pessoas que convivem com a criança não têm a mínima noção do que se passa, seja porque atribuem os episódios ocorridos e as referências feitas pela criança a fantasias ou à sua superexcitada imaginação.

Seria de admirar-se que no decurso de tantos anos de convívio com a realidade espiritual, alertado para suas demonstrações e evidências, eu não tivesse tido, como tive, oportunidade de testemunhar alguns episódios desses.

Vimos, há pouco, casos em que, embora sem se lembrar especificamente das vidas pregressas, as crianças manifestam sintomas e sequelas que são posteriormente identificados com situações vividas no passado. No caso da querida priminha ex-guerrilheira maquis, claro, não nos foi possível, pelo menos por enquanto, identificar sua personalidade anterior, O mais certo é que não seja mesmo possível fazê-lo, a não ser por um complexo jogo de “coincidências”. Não importa.

O caso relatado pelo dr. Jorge Andréa não oferece, igualmente, o componente da lembrança espontânea. Sei, porém, que se desdobra dentro de um esquema previsível, refletindo-se claramente, no menino, traços marcantes e inquestionáveis da personalidade anterior, da qual o garoto é a continuidade.

Não sei até que ponto Andréa pretende (deveria ou poderia) dar prosseguimento às suas interessantíssimas observações, mas estou certo de que se for possível a divulgação dos fatos, sem prejuízo à personalidade da criança, teremos um depoimento do maior interesse científico e do melhor conteúdo humano, além de curiosos aspectos históricos.

De um caso que pude observar em primeira mão, ou seja, de um depoimento pessoal colocado à minha disposição por uma pessoa adulta, tenho me utilizado de amplo e rico material de estudo nesse sentido.

Trata-se de uma mulher que durante toda sua existência, desde os primeiros anos da infância, conviveu com uma fantástica multiplicidade de fenômenos desse tipo, que a levaram a reconstituir, pelo menos em seus episódios mais marcantes, não apenas uma, mas várias existências. Além disso, foi-lhe possível observar o sutil mecanismo sequencial que leva umas existências a se encaixarem — com precisão, diríamos, milimétrica — nas outras, segundo um planejamento coerente, inteligente e claramente finalista, ou seja, voltado para objetivos inferíveis.

Alguns dos aspectos do material que a senhora colocou à minha disposição foram utilizados em dois de meus livros anteriores (O espiritismo e os problemas humanos e O exilado) e seria desnecessário repeti-los aqui,ainda que sob diferentes angulações e abordagens. Apenas para exemplificar, desejo me referir a um desses “encaixes” sequenciais evidenciados no material que tão abundantemente aflorava à sua percepção.

Em uma de suas existências pregressas, elevada a destacada posição de mando e poder, permitiu ou determinou que algumas pessoas fossem sacrificadas, por motivos políticos. Três ou quatro vidas após, uma incurável doença genética promoveria o inevitável “acerto de contas” com as leis divinas.

Como em outros tempos, o sacrifício humano foi sangrento: onde, senão no seu próprio sangue, se instalaria a marca do equívoco? Foi o que lhe aconteceu. A certa altura da vida — uma existência nada fácil, em termos de privações, angústias, renúncias, humilhações e não poucas conquistas, a des­peito de tanta adversidade — a moça descobriu que estava sofrendo de anemia falciforme. Nenhuma outra doença teria sido mais precisa para ensinar a uma pessoa a importância que tem o sangue para o ser humano. 

A vida da pessoa portadora desse tipo de anemia é uma constante luta contra a insuficiência do sangue para distribuir, pelo corpo físico, as necessárias cotas de oxigênio, devido à precariedade e escassez de um elemento vital ao processo — as hemácias!

Em outro caso de memória espontânea de existências anteriores, um senhor, que identificamos como André, viu-se inesperadamente envolvido.Fora apresentado a uma simpática e gentil senhora que estava em companhia de uma netinha de sete anos incompletos, à qual chamaremos de Renata.

Facilmente atraído por crianças, André dirigiu à nova amiguinha algumas palavras de carinho e abaixou-se à sua altura para dar-lhe um beijo na face.

Era escasso, naquele momento, o tempo para uma conversa, pois ele tinha compromisso daí a alguns minutos. Após afetuosa despedida, cada um partiu para seu lado. Poucos dias depois começaram a chegar a André notícias da nova amiguinha, que como logo se soube era amiga, sim, mas nada recente, pelo contrário, era um afeto da maior pureza, de muitos e muitos séculos. O encontro, ou, por outra, o reencontro, causou a Renata (e a ele, naturalmente) considerável impacto emocional e parece ter destravado no psiquismo dela seu vídeo pessoal de lembranças. 

Sem saber como nem porquê, ela começou a falar de aspectos da vivência dele, dos quais não poderia, sob circunstâncias normais, ter o mínimo conhecimento consciente.

Ela não especulava ou imaginava coisas fantásticas — ela simplesmente sabia de fatos e situações com impressionante precisão. Além do mais, parecia conhecer, com a mesma segurança e convicção, traços da personalidade e psicológicos de seu amigo.

Essa criança, que na presente vida não tem vínculo algum de parentesco com André, comenta com naturalidade e espontaneidade situações de sua vida anterior. Vivendo agora em lar equilibrado, com pais amorosos e de tranquila situação financeira, ela fala de uma existência anterior de privações e desconfortos, durante a qual não tinha roupas adequadas, nem uma casa razoável para morar. 

Lembra-se de que a “outra mãe” não podia, sequer, fazer-lhe um modesto bolo de aniversário. Não parece, contudo, guardar mágoas de tais provações e privações. E, paradoxalmente, nenhum grande entusiasmo demonstra pela vida atual. É uma das que teriam preferido ficar onde estavam antes de nascer.

— Eu não queria nascer — disse certa vez à mãe. 
— Ué, mas por quê? 
— Ah, porque não. Eu não queria voltar e começar tudo outra vez, não. 
— Mas você está bem contente; acorda todo dia feliz e sorrindo... 
— Ué! Agora já nasci de novo! Não adianta nada...

Seu nascimento, nesta existência, aliás, envolveu complicações que chegaram a pôr em risco sua vida e, obviamente, a da mãe dela. O fato de terem conseguido superar tantas dificuldades é, em si mesmo, o que mais próximo estaria de ser um milagre, se esta palavra não estivesse tão desgastada.

A primeira alusão de Renata a uma vida anterior — espontânea, como as demais — ocorreu entre os três e quatro anos. Dizia chamar-se Shi-Ni-Nin e ser chinesa oujaponesa (ela confunde um pouco as duas nacionalidades).

Lembra-se de ter sido dançarina e ainda é capaz de reproduzir movimentos e expressão corporal de danças orientais. O interesse pela China permanece na existência atual.

Foi, no entanto, a partir do encontro com André que começou a reproduzir, com maior freqüência e detalhamento, lembranças suscitadas, usualmente, por pequenos incidentes da vida diária. A mãe não os provoca nem força a criança, limitando-se a ouvir os relatos com o maior interesse e, certamente, com forte carga de emoção. O interesse se traduz em atenção e em perguntas singelas que dão seqüência à narrativa.

Vejamos dois exemplos, apenas, para não alongar demais o texto.

1) Quando o pai se negou a comprar para ela uma pequena geladeira de brinquedo, dessas que vêm com as miniaturas correspondentes, ela foi queixar-se à mãe, que justificou a recusa com diplomacia:

— Minha filha, seu pai não é rico, não pode comprar tudo o que você quer.

E ela, muito firme, positiva e franca, como de hábito, fez o seguinte ‘discurso’

- Não é verdade! Primeiro, eu não quero tudo. (O que é verdadeiro, pois ela não é exigente, contenta-se com pouco e tem uma noção muito boa do significado do dinheiro.) E também não é verdade que ele seja tão pobre assim.

Meu outro pai, quando precisou consertar o telhado de nossa casa, teve de pedir a um e outro, porque não tinha nada. Esse aqui, não.

Comprou este apartamento velho e feio e reformou ele todo sem pedir um tostão a ninguém.

Isso é ser pobre? E quando eu peço uma geladeirinha à toa ele diz que não tem dinheiro...

— Então — diz a mamãe —, você não está feliz com seu pai de agora?

— Não — disse ela, após um momento de reflexão. — Estou, sim. Eu gosto do meu pai Zé Carlos, sim.

2) Outro episódio de denso conteúdo emocional ocorreu quando a família passava alguns dias na casa de praia, no litoral fluminense. Eram, ao todo, seis pessoas: Renata, a mãe, o irmão, uma tia e duas primas. 

Renata insistia em entrar no mar, que estava agitado naquela manhã. Ela nada muito bem, mergulha, demora-se na água e não tem o menor receio. A mãe é que fica aflita com sua afoiteza.

Ela parece considerar o mar um velho amigo para ser amado e não o poderoso gigante a ser temido.

— Mas, minha filha — reitera a mãe, ante sua insistência —, o mar está muito forte. E perigoso.

— Eu tenho cuidado.

— Mas o mar está agitado demais e você sabe que eu morro de medo. Já imaginou se você se afogar? Que conta vou dar de você a seu pai?

— Ah, é isso? Então pode ficar sossegada. Eu já morri afogada uma vez.

Mas agora não vou morrer de novo, não.

Tia e mãe se entreolharam.

— Você já morreu afogada? — pergunta a mãe. — Que história éessa?

Foi o “disparador” da historinha, que representa um conjunto de fragmentos de mais uma dramática existência, pobre, sofrida e, ao que parece, curta.

Ela vivia com a família — pai, mãe e dois irmãos — em um casebre nas proximidades do mar, mas não na praia propriamente. O pai vivia de biscates, sem trabalho certo. Eventualmente, comiam um pouco de peixe, dado por algum pescador mais caridoso. A mãe pedia esmolas, em companhia de Renata. Se tinha vergonha de pedir? Não. Eram pobres mesmo, ué! Não havia outro jeito... 

O casebre era coberto de palha. Banho, só no mar (daí, sua familiaridade com ele), mas como não possuíam roupas apropriadas explica, com a mímica adequada, que era preciso enrolar o vestido até o pescoço e entrar na água com a calcinha. Como também não tinham toalhas, devia esperar, depois, que o corpo e a roupa secassem.

Naquele dia trágico, ela tivera uma discussão (que não especifica) com “um velho que morava ao lado”.

 Aborrecida, disse à mãe que iria tomar um banho de mar. Ainda presa, talvez, ao desagradável incidente com o vizinho, não se deu conta de que entrara muito mar adentro. Uma onda mais forte dominou-a e ela afogou-se. A praia estava deserta, àquela hora. Havia apenas um barco à distância, mas não dava para ouvirem-na gritar.

Nessa altura da narrativa, faz-se um silêncio denso de emoções, pois todos ali se sentiram envolvidos na dramática atmosfera que se criara. Ao cabo de alguns instantes, o irmão de Renata lembra-se de perguntar-lhe se ela tinha irmãos. Ela informa que eram dois, um de três anos de idade e outro de dez.

Seu nome era Bibi e o irmão mais velho chamava-se Guilherme. Do outro, ela não se lembra do nome. (Teria sido no Brasil? Pouco provável. Guilherme é nome comum a muitas línguas: William, em inglês, Wilhelm, em alemão,

Guillaume, em francês, Guglielmo, em italiano, etc.)

Para quebrar novamente o silêncio, a mãe faz mais uma pergunta:

— E seu amigo André? Onde é que ele entra nessa história?

Ainda como que retida nas malhas da memória remota, numa espécie de transe, a expressão do rosto ilumina-se de ternura e ela informa que ele era um homem muito bom que frequentava aquelas paragens.Dava-lhe roupas,brinquedos, doces, calçado, de tudo, enfim. E dava esmola à mãe dela.

Quando lhe perguntaram com que idade morreu, ela, ainda com o olhar distante e vago, escreveu na areia o número 12, desenhando o algarismo 1 ao contrário. Regredida ao tempo em que não passava de uma pobre mendiga analfabeta, parece ter escrito o número com a memória de então, mas com os recursos desta vida, na qual apenas começa a desvendar os mistérios das letras e algarismos. Há muitos exemplos de tais anacronismos.

A importância de seu testemunho não se limita à dramaticidade dos episódios com que ilustra suas convicções, mas alcança mesmo o teor de tais convicções, na firmeza e naturalidade com que considera a morte, acertadamente, como simples mecanismo de renovação da vida.

— Não sei porque esse drama todo — comentou ela, a propósito de uma personagem de filme de tevê, que se mostrava apavorada ante a perspectiva da morte. — Morrer não é nada. Eujá morri muitas vezes. Só que me lembro, é a quarta vez que estou voltando...

Após um dia em que ajudara a mãe mais do que de costume, a fim de suprir, na medida de suas forças, a ausência da faxineira, a mãe, agradecida, beijou-a e disse:

— Mas que filha bonita e boa pra mãe dela que eu tenho. Sabe, às vezes nem acredito que você seja mesmo minha filha. Que eu tenha uma filha assim tão boa.

— Disso você pode ter certeza — comenta ela com segurança. —Sou sua filha, sim. Eu era um espírito. Aí entrei em sua barriga e agora sou sua filha.

Como se pode observar, Renata é um ser amadurecido que traz para a nova existência um conjunto de sólidas convicções, o que se revela na extrema competência em avaliar situações e expressar suas idéias. 

Mesmo através de sua imaturidade biológica percebe-se a vasta experiência acumulada no passado, em outras vidas. Embora referindo-se apenas a quatro dessas existências, é fácil perceber que estamos ante um ser dotado de impressionante potencial e até mesmo de um tipo de autoridade que a sabedoria confere às pessoas que a possuem. Tivemos disso inesperada demonstração.

Certo espírito rebelde e difícil, do qual vínhamos cuidando em nosso grupo, apresentou-se certa noite como que sem alternativas e sem espaço para insistir com sua obstinada rejeição ao nosso acolhimento amoroso. Ela havia exigido dele que fosse falar conosco. O vínculo afetivo que os une, de um passado que ignoramos, mas que está ali, presente, era a única amarra que ainda o prendia à esperança de recuperação, pois muito errara pelos caminhos de muitas vidas...

Observem, a seguir, como esta criança coloca, em seu próprio depoimento, o selo da autenticidade.

Após o relato da vida difícil, em que morreu afogada, a mãe, consternada ante aquele sofrimento todo, pergunta:

— Diga, Renata, por que você se lembra dessas coisas?

— Não sei, mamãe. Eu me lembro. Não sei porquê.

— Mas — insiste a mãe — todo mundo gosta de lembrar as coisas boas que aconteceram com a gente, mas você só se lembra de coisas ruins. Porquê?

— Porque é verdade — diz ela, com desconcertante e lógica simplicidade.

— Se fosse mentira, eu não me lembrava.

Quantos ensinamentos têm certas crianças a nos transmitir! Em meu livro

A memória e o tempo adotei o melhor conceito que encontrei para caracterizar os enigmas da memória:

— A memória — disse uma criança anônima — é aquilo com o que a gente esquece.

E não é mesmo? Pois só podemos esquecer aquilo que, um dia, soubemos, ou, como diz Renata, aquilo que, um dia, foi uma das verdades da vida.

* * *

A recordação de episódios sequenciais ou isolados, de uma ou mais vidas, pode ocorrer de várias maneiras: por flashes rápidos de vidência, sob a aparência de sonhos, em estados semelhantes ao onírico, ou suscitada por incidentes vários, na vida presente, e que parecem estabelecer confrontos ou simetrias. Acho, porém, que são mais comumente provocadas por encontros com determinadas pessoas que, de uma forma ou de outra, tiveram conosco algum tipo de relacionamento, seja no campo florido do amor ou no tumulto de marcantes desafeições.

A literatura especializada tem casos bem documentados em que as reencarnações foram previamente anunciadas e cumpridas. Dois desses, aliás, ocorridos no Brasil, na família do erudito professor Francisco Waldomiro Lorenz, foram incluídos pelo dr. Ian Stevenson em seu livro citado.

Num deles, a pessoa anunciou, ainda em vida, sua futura reencarnação na família Lorenz e cumpriu a palavra, como se pode verificar, com abundância de elementos evidenciais pesquisados pelo eminente psiquiatra americano.

No caso da menina adormecida, que despertou apenas para me saudar com um belo sorriso, não ocorreram, da parte dela, lembranças espontâneas da existência anterior. As pessoas que com ela convivem, contudo, e que a conheceram, ainda na condição de espírito, tiveram oportunidade de identificá- la com precisão, no século passado, na França. Por isso não foi difícil prever que seria uma menina brilhante, hábitos um tanto aristocráticos, inclinações artísticas, possivelmente literárias, delicada sensibilidade e amor à cultura do espírito. É o que está acontecendo com ela.

Não se preocupem, não obstante, os pais de tais crianças, se o caso ocorrer-lhes na família, em identificar de qualquer maneira as personalidades anteriores. É preferível, quase sempre, deixar as coisas como estão. Não é sem razão que nos esquecemos das existências pregressas, como vimos. E bem mais confortável para nós. 

Se, porém, situações ou pessoas nos levarem a esta ou àquela identidade passada, conhecida ou desconhecida, famosa ou anônima, não nos deixemos impressionar. O importante é dar apoio e amor à pessoa que veio aninhar-se entre nós, para que possamos todos levar a bom termo nossos respectivos programas de vida, dando continuidade ao processo evolutivo de cada um e de todos. É tudo isso uma fina e misteriosa trama, cujo sentido só iremos perceber mais tarde, mesmo porque você não consegue ver o desenho do tapete, contemplando apenas um de seus fios.

Não se assuste o leitor com revelações ou confirmações. Procure ser natural, ainda que interessado, sem excessiva curiosidade, pois poderá inibir a criança ou nela despertar emoções e tendências que melhor ficariam onde estão, ou seja, abaixo do nível que Myers costumava chamar de subliminar.

Em outras palavras, à soleira da consciência, mas sem perturbar o funcionamento desta, uma vez que precisamos dela para os trabalhos desta vida.

Seja como for, consciente ou não de nosso acervo de experiências, depositado na memória integral, tudo isso interage e contribui para que a resultante seja sempre aquela que melhor convenha ao nosso processo evolutivo.

Se a criança começar a falar sobre vidas anteriores, sobre pais e irmãos que teve, a casa em que morava, as roupas que vestia, não se assuste, não a repreenda, não a pressione para dizer mais do que sabe ou quer. 

Deixe-a falar, ouça-a com atenção e respeito, não ironize, nem a castigue ou repreenda por isso. Ouça, comente, demonstre o quanto você está levando a sério o que ela diz.

Mesmo que haja algum bordado fantasioso em sua pequena narrativa, o núcleo deve ser autêntico. As crianças são dotadas de grande pureza e sinceridade, especialmente nos momentos em que assumem atitudes mais graves, como que solenes. Lembre-se de que ali está um espírito em razoável estágio de maturidade, que sabe muito bem do que fala, mesmo que não consiga expressar tudo o que sabe e sente, através de um corpo que ainda não lhe oferece o mínimo de condições de que precisaria para isso. 

A criança não tem ainda um vocabulário satisfatório, nem seus mecanismo cerebrais podem responder como os de um adulto.

Deixe-a falar, portanto. E ouça carinhosamente o que tem a dizer. É até possível e muito provável que ela transmita informações de grande utilidade ao entendimento de aspectos mais obscuros de sua personalidade, com o que você poderá ajudá-la melhor no encaminhamento que ela pretenda imprimir à sua vida.

Outra coisa importante: crianças nas quais tais fenômenos ocorrem costumam ser dotadas de aguda sensibilidade, precisamente porque, apesar das inibições naturais que o corpo, ainda imaturo, oferece, conseguem expressar muito do que lhes vai nas profundezas do ser. Isso quer dizer que podem, paralelamente, apresentar condições mediúnicas em potencial e para as quais é preciso estarem os pais atentos e bem-informados.

Este será nosso próximo tema.




Paz a todos...

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