quinta-feira

Morri! e Agora? 17

Capítulo Dezessete
A Eutanásia

A dor era insuportável! Não consigo descrevê-la. Era tanta que tive certeza de que sofrimento não mata. Minha doença era incurável, tinha câncer nos ossos, e isso me fazia padecer, havia me transformado. Antes era bonita e, agora, com muitos quilos a menos, estava magríssima, sem cabelos e com expressão de sofrimento. Causava pena. Ninguém reconhecia, naquele leito de hospital, a Emília de antes.

- Você quer morrer, Emília? - perguntou meu marido.

Pensei antes de responder. Sempre gostei de viver; era disposta, alegre, animava as festas, os bingos de caridades, fazia reuniões que eram famosas e nas quais recebia amigos. Meus dois filhos eram adultos e me admiravam, tinham orgulho da mãe bonita que aparentava ser mais jovem. Amava meu marido e era amada. Queria viver, sim, mas como antigamente, antes da doença.

Doente, minha maneira de viver mudou, ia somente a médicos e hospitais. Estava cansada e respondi com dificuldade a pergunta do meu esposo:

- Sim!

Ele me beijou, meu irmão me acariciou. Dormi. Que sono estranho, queria acordar e não conseguia. Não sentia mais as dores fortes, mas os mal-estares e os enjoos permaneceram. O que mais incomodava era não conseguir acordar daquele sono ruim.

Com muito esforço abri os olhos. Estava numa enfermaria, onde não tinha aparelhos nem soro. Respirei profundamente e isso me deu um pouco de alívio; dormi de novo.

O sono me causava horror, não queria dormir daquele modo.

E assim foi por um tempo, acordava e dormia até que consegui ficar mais desperta. Demorei a conseguir falar. Continuava na enfermaria, porém não recebia mais as visitas dos meus familiares. Era bem tratada,  sentia poucas dores, tinha enjoos e vomitava uma gosma escura. E ainda tinha aquele sono estranho.

Fui melhorando e quis saber o que ocorrera comigo.

Por que minha família não me visitara? Como e por que melhorava? Por que estava numa enfermaria?

E as respostas que ouvia me deixavam nervosa; vomitava mais.

Colocaram-me num veículo e descemos num determinado local. A enfermeira que me amparava explicou-me:

- Aqui é um local de orações, um centro espírita. Já ouvira falar de curas realizadas por pessoas, médiuns achei que me levaram ali para me curar. Alegrei-me e prestei atenção. Gostei das orações, do carinho dos que estavam ali. Mas, depois fiquei inquieta. Aproximavam os doentes dessas pessoas pertencentes ao centro espírita, eles falavam, elas repetiam e outras pessoas as orientavam.

Quis mais do que nunca acordar daquele terrível pesadelo, mas sentia estar acordada.

Chegou minha vez.Com carinho uma mulher me fez ver a diferença que existia entre meu corpo e o corpo de quem repetia o que eu dizia. Explicaram-me o que é a morte do físico para todos nós, e que eu havia mudado de plano.

Chorei desesperada. Fui consolada.

Voltei para a enfermaria, fiquei apática e não quis levantar do leito. Queria ter a vida de antes, estar bem,
junto de minha família e amigos.

Novamente fui levada ao centro espírita. Gostei de conversar com eles, que me animaram; senti-me melhor. 

Não aceitei a mudança de plano, mas não tinha como reverter a situação e acabei me conformando.

Quando melhorei, soube que meu irmão e meu marido pediram para o médico aplicar-me uma injeção que acabasse com meu sofrimento. Praticaram a eutanásia.

Quando ele me perguntou se queria morrer, respondi que sim. Mas nem desconfiei que eles fossem fazer isso. Quando estamos sentindo uma dor forte, insuportável, queremos nos livrar dela. E se achamos que a morte nos livrará do sofrimento, a resposta é "sim", para cessar a dor e não propriamente morrer.

Não queria morrer, nunca desejei. Ainda bem que a morte não é o fim, o extermínio. Não sabia, quando  encarnada, o que era a morte, nunca me preocupei em saber. Queria viver, não queria a doença nem o sofrimento.

O medicamento que me deram me fez dormir, dificultando o desligamento do meu espírito do corpo físico morto.

Como ainda tinham alguns dias na matéria, onde deveria passar pelo sofrimento, o desencarne não me deu o alívio que me daria se eles não tivessem realizado a eutanásia.

Fiquei um tempo no hospital de um posto de socorro da espiritualidade, fui me recuperando aos poucos. Fiquei meses dormindo, e não quis acreditar que havia feito a mudança de plano, assim, fui trazida numa sessão de orientação a desencarnados. Depois, como fiquei apática, novamente me levaram a um centro espírita, nas abençoadas sessões de auxílio, aí comecei a me sentir melhor.

-Volte, Emília, a ser alegre! A vida aqui é maravilhosa!

Não quis discordar, não era ruim viver ali, mas gostava de festas, de viver encarnada. Esforçava-me para me acostumar.

Saber de meus familiares foi ao mesmo tempo bom e ruim. Eles estavam bem, meus filhos haviam se casado, amavam as esposas e os filhos, e lembravam-se pouco de mim.


Meu marido casou-se de novo e era feliz.

- Você, Emília, tem tudo para estar bem, esqueça a maneira que viveu quando encarnada e aprenda a amar a vida na espiritualidade - aconselhavam-me os novos amigos.

Não foi fácil para mim a desencarnação, embora não tenha ficado vagando nem fui para o umbral. "O agora", a vida depois que meus órgãos cessaram suas funções, foi de difícil aceitação. Primeiro, sofri com aquele sono horrível, os enjoos e malestares. O reflexo do meu corpo doente era forte em mim, preferia mil vezes ter ficado no corpo físico mesmo com dores alucinantes até que findasse o tempo que eu mesma havia planejado antes de reencarnar.

Segundo, demorei a acostumar com a vida simples e ordeira do plano espiritual.

Gostava mesmo era a vida encarnada. Minha adaptação foi lenta. Os orientadores me aconselhavam:

- Emília, por que você não estuda? Tente!

As aulas para mim eram chatas, nunca gostei de estudar; quando garota ia à escola obrigada.

- Leia esses livros!

Mais de um! Acho que nunca lera um inteiro.

- Então vá ao teatro!

Fui, mas as pessoas iam para ver a peça e eu gostava de ir para me exibir.

Passei a fazer tarefas e reclamava:

- Coma e não ache ruim! Se não quer, fique sem comer!

A orientadora pacientemente me orientava:

- Emília, não fale assim. Alguém aqui já se referiu a você desse modo? Aprenda a ser educada.

Era educada, só que perdia a paciência. E mudei de tarefa. Passei por umas dez.

- Não gosto de livros, por que tenho de organizá-los?

- Emília, por que você reclama tanto? O que quer fazer?

- Trabalhar com moda - expressei-me.

- Aqui não temos esse trabalho.

Fui com uma equipe socorrer alguns desencarnados no umbral. Detestei. Achei o local sujo, o cheiro de lá ficou em mim, vi somente tristeza.

- Muitos estão aqui porque, não gostando de nada, vêm conhecer outra forma de viver; aqui é um local desconfortável, e isso faz com que eles deem valor ao que possuem - explicou-me um socorrista.

Arregalei os olhos e parei, ou pelo menos me contive, de reclamar. Ficamos dez dias num posto de ajuda, andando pelo umbral.

Não fiz nada, somente fiquei observando.

Senti nojo da sujeira e dos que ali estavam. Mas assimilei a lição. De volta à colônia onde estava abrigada, fui varrer os pátios e voltei a estudar. Se sentia vontade de reclamar, lembrava-me do umbral.

Faz cinco anos que desencarnei, faço outras tarefas, estudei e achei algo que gosto de fazer: cuidar de crianças. Estudo, preparando-me para trabalhar no educandário com a garotada. Passo horas com outros orientadores e com as crianças, ensinamo-las a dançar, cantar e brincamos com elas nos pátios. Amo a meninada!

Sei que meus familiares não tiveram a intenção de me matar, mas sim de me livrar do sofrimento, mas não é certo, eles não agiram dentro das normas cristãs.

Eu fui socorrida porque não fui má, não agi errado com ninguém e pratiquei muitas caridades, algumas para aparecer. outras que ninguém ficou sabendo. Mereci ajuda também porque sofri muito com a doença.

Leitor, dê valor à vida! É muito bom viver tanto aí no plano físico quanto aqui na espiritualidade, depois que acostumamos.

Emília

Esplicações de Antonio Carlos

Devemos amar a vida como única em seus estágios, encarnados e desencarnados.

Aceitar o que nos é oferecido no momento, sermos gratos, tentarmos sempre ser útil e fazer o bem.

Reclamar é um vício que nos leva ao pessimismo, fazendo-nos ver somente os atos negativos e esquecer dos positivos.

Emília foi socorrida, mas continuou a sofrer. Esse sono inquieto é muito doloroso. Continuou abrigada porque não quis sair, em momento algum quis voltar para seu antigo lar.

Foi vaidosa, fútil, mas caridosa e realmente não fez nenhuma maldade. E a doença a fez sofrer muito. 

Demorou a se adaptar, necessitou vir por duas vezes à reunião de desobsessão em um centro espírita; e como essas reuniões de caridade auxiliam! Emília iria, com certeza, sem esses esclarecimentos sofrer muito mais, ficar mais tempo confusa. Nesses trabalhos de orientação, não somente são esclarecidos os desencarnados que vagam e que estão no umbral, mas também os que estão nos hospitais do plano espiritual. Eles são convencidos de que mudaram de plano quando comparam seu corpo e conversam com os encarnados. Emília precisou conhecer o umbral para parar de reclamar.

Nos postos de socorro e nas colônias há muitos abrigados que não gostam do modo de viver que essas casas oferecem, ou de realizar tarefas, e reclamam. Necessitando se educar, às vezes são levados para conhecer outros locais, como o umbral.

Entre os trabalhadores novatos, às vezes há discussões, discórdias e reclamações, por isso eles sempre se fazem acompanhar por um trabalhador experiente que interfere e os orienta.

Eutanásia. Emília, como nos narrou, antes de reencarnar, havia planejado a doença e o tempo que ficaria enferma. Ela poderia ter amenizado o sofrimento se quando encarnada tivesse se dedicado mais ao trabalho no bem. Ao abreviar seu tempo, continuou sofrendo, desencarnada.

Nada na espiritualidade é regra geral. Aqui temos a história dela. Mas não é certo a prática da eutanásia. 

Emília me indagou:

Meu irmão e esposo erraram ao decidir pela eutanásia?

Sim, erraram, não agiram corretamente. Não tiveram a intenção de matar. E a intenção pesa muito nos erros que são cometidos.

Você continuou sofrendo, não aliviaram seu padecimento Se Emília tivesse a intenção realmente de se suicidar, iria, com certeza, sofrer mais. Ao responder sim, foi como ela disse, queria parar de sofrer.

Existe a eutanásia praticada de muitas formas. Muitos pacientes nem sabem nem opinam. Normalmente esses são desligados com certa dificuldade, fato que não ocorreria se fosse pelo desencarne natural, O socorro está no merecimento deles.

Emília me perguntou de novo:

Se não se aplicar nenhuma medicação que leve à desencarnação, se não se der o socorro ou algum remédio que anime o paciente, isso seria considerado eutanásia?

Deve ser feito de tudo para o indivíduo ficar no corpo físico. Na minha opinião, suprimir a medicação que permite ao paciente continuar encarnado não é eutanásia, já que o termo significa: morte sem sofrimento, abreviar sem dor a vida de um doente reconhecidamente incurável.

É muito forte o termo matar. Se dermos algo a alguém que leve à morte do físico, isso é matar.

Existe a eutanásia realizada de forma consciente. Os doentes pedem para morrer após pensarem e se acharem certos de que é isso que querem. Suicídio? Quando se quer morrer, deixar o corpo físico, matá-lo ou pedir para outros fazerem, isso é suicídio. Mas nesses casos há atenuantes. São levados em consideração pelo plano espiritual os motivos. Se o indivíduo é religioso não pensará nisso, se crê na continuação da vida abominará essa ideia, e se entende a lei justa e misericordiosa da reencarnação compreenderá a razão do
seu sofrimento e não vai querer abreviá-la, deserdando-se do estágio físico.

Eutanásia não alivia o sofrimento de ninguém. Se o desencarnado não opinou, ele não é responsável, se o fez, sua intenção é realmente analisada. Aqueles que cometeram ou cometem a eutanásia, responderão por esses atos.

A vida é bênção!

E o sofrimento, quando estamos encarnados, é, às vezes, mais fácil de suportar do que quando estamos desencarnados. 

Não à eutanásia!

Paz a todos...

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