segunda-feira

Nossos Filhos São Espíritos // 24


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COMO CONVERSAR COM DEUS

SUGERI, ALHURES NESTE LIVRO, que você deve orar e que, se não sabe, trate de aprender. Por incrível que pareça, há muita gente que não sabe fazê-lo. A prece é uma conversa com Deus, e conversa não precisa de fórmulas, ritos ou posturas especiais. O tom da conversa está sempre relacionado com o grau de intimidade com a pessoa à qual você se dirige. Com 

Deus, o relacionamento se caracteriza como da maior intimidade. Quem melhor do que ele para nos conhecer, saber de nossas mazelas, necessidades e potencialidades? Do mais alto nível deve ser o respeito no trato com ele. O cantor e compositor Gilberto Gil sugere, na sua bela canção, como deve preparar-se aquele que deseja falar com Deus. Os poetas sabem das coisas... 

 Como também sabia Francisco, o jovem Bernardone, de Assis. Na década de 50, vivíamos em Nova Iorque, Estados Unidos, quando ganhamos da Malvina Dolabella um pergaminho  com a prece de Francisco que ela havia posto em versos e divulgava entre os amigos. Dizia assim: 

Atende-me, Senhor, Torna-me, entre os mortais, um instrumento fiel da Tua grande Paz! 

Onde a ofensa existir, que eu coloque o perdão. 

Onde o ódio raivar, dá que eu possa, Senhor, deixar em seu lugar um sorriso de amor! 

Onde houver a discórdia, eu proponha a união.Onde o erro gritar, com toda a mansidão, eu ensine a
Verdade! E ao ouvir duvidar, mostre o esplendor da Fé que nos leva a Te amar! Que ao que  desesperar — 
náufrago sem confiança —, mostre o luzeiro incomprável da  esperança! 

Torne as trevas em luz, tristezas em alegria. E que chegue, afinal, aquele grande dia... (Graças a Ti, Senhor, o dia há de chegar!) 

Em que eu console sem buscar ser consolada. 

Em que eu compreenda mais que seja compreendida. 

Ame, sem procurar saber se sou amada. 

Porque é sempre no dar que tudo se recebe, o que de outrem matou a sede — é o que mais bebe, ao esquecermos de nós — é que nos encontramos. 

E o perdão só nos vem... quando também perdoamos! 

E esperarei a morte a sorrir, convencida, que só depois da morte... é que se conhece a Vida! 

São numerosas as preces da Bíblia, tanto no Antigo  como no Novo Testamento. Uma das mais remotas dessas conversas com Deus está em Deuteronômio (9,26-29), onde se lê isto: 

Senhor Deus, não destruas o teu povo e a tua herança, que resgataste com teu grande poder e que tiraste do Egito com tua mão poderosa. Lembra-te de teus servos Abraão, Isaac e Jacó; não olhes para a dureza deste povo, nem para a sua impiedade e pecado, para que não digam os habitantes do país, de onde nos tiraste: 

"O Senhor não podia introduzi-los na terra que lhes havia prometido e como se aborreceu com eles, os tirou para matá-los no deserto”. 

Eles são teu povo e tua herança, que tiraste com tua grande força e com o teu braço estendido. 


Aí está uma boa conversa, de coração aberto, na qual a pessoa em prece, reconhece os desatinos do povo, mas apela para que não sejam todos destruídos. Afinal de contas, ainda que merecedores de uma severa 
corrigenda, continuam sendo aquela gente que foi retirada da escravidão. Se fossem aniquilados que iriam dizer os egípcios? 

Lutero costumava orar diante da janela aberta, contemplando a imensidão cósmica. Em carta ao amigo Melanchton, escreveu certa vez: meu Felipe, é a prece que governa o mundo; por ela, tudo conseguimos realizar, levantamo-nos das nossas quedas, suportamos o irremediável, destruímos o mal, conservamos o bem”. 

Certa vez, ao encontrar Melanchton deprimido e praticamente nas últimas, virou-se para a janela e orou como nunca, com aquela convicção inquebrantável que sempre demonstrou. Falou, em seguida, com o amigo, que, a partir daquele momento, começou a recuperar-se, para dar continuidade à luta. Mais tarde, diria como foi aquela dramática conversa com Deus. “Ainda bem que o Senhor me ouviu” — explicou. 

“Atirei-lhe o fardo à sua porta; enchi-lhe os ouvidos com todas as suas promessas de apoio. Disse-lhe que era preciso que me atendesse para que eu continuasse a crer”. 

Também o Cristo orava com freqüência, nas suas longas e sofridas meditações, pois a prece é o fio invisível de nossa ligação com Deus. O recurso da prece está sempre à nossa disposição, em qualquer lugar, momento ou situação. Não precisa nem mesmo ser verbalizada em voz alta, basta ser pensada. 

A criança deve ser habituada a orar desde o início, de preferência com suas palavras, a seu jeito. Há numerosas oportunidades para isso, em diferentes horas do dia, quando acorda de manhã, quando se deita, à noite, para dormir, quando se prepara para sair à rua, ou  se põe à mesa para a refeição, quando alguém da família está doente, ou, simplesmente, para agradecer o privilégio da vida, da saúde, das oportunidades de aprendizado e maturação espiritual. Enfim, são muitas as situações, qualquer que seja a filiação religiosa dos pais. 

Ore, cada um, dentro do contexto de suas crenças e costumes, judeus, muçulmanos, cristãos, espíritas, budistas. Não importa. Por mais que se esforce tanta gente em achar que é dono de um Deus específico e 
exclusivo, só há um Deus, pai de todos nós, o que nos faz membros de uma só família universal e, portanto, irmãos e irmãs. 

Quando desperto, peço a Deus que abençoe o dia que tenho pela frente. 

Ao abrir a janela, contemplo a manhã, lá fora, e digo mentalmente: - Bom dia, dia! Se me preparo para ir à rua, peço a Deus que me ajude no relacionamento pacífico e harmonioso com as pessoas com as quais me encontrarei, no supermercado, no banco, nas calçadas, na condução. 

Muitos de nós temos uma hora predileta para a prece mais longa e a meditação. Eu optei pelas seis horas da tarde, após concluídas as tarefas do dia. Costumo compor minhas próprias preces e as renovo de tempos em tempos, a fim de que não se automatizem e passem a  ser repetidas mecanicamente. Quero estar consciente do que estou dizendo a Deus ou ao Cristo. 


A prece tem, contudo, algumas peculiaridades para as quais precisamos estar preparados. 

Muitas vezes elas são atendidas exatamente por que  não são, aparentemente, atendidas. Está confuso? 

Vamos dizer de outra maneira; pode bem acontecer que, se obtivéssemos aquilo que pedimos, seríamos 
prejudicados e não beneficiados. 

Além do mais, a prece não deve ser transformada em petitório, como se Deus estivesse à nossa disposição para atender a qualquer capricho fútil. Ela constitui um processo através do qual somos fortalecidos para as lutas que nos aguardam, não um recurso para a gente ganhar na loteria ou conseguir que os obstáculos sejam removidos dos nossos caminhos. Primeiro, que os obstáculos e as dificuldades foram postos ali pela nossa própria insensatez; segundo, que temos de aprender a superar tais dificuldades, pois é assim que nos 
fortalecemos e realizamos o aprendizado que nos compete. 

O leitor deverá estar pensando, a esta altura, que estou apelando para a pregação. Não é isso. Estou falando de indiscutível realidade objetiva. Fora do campo religioso, a prece tem sido pesquisada cientificamente e as descobertas surpreenderam muita gente. O meticuloso trabalho do dr. Franklin Loehr, nos Estados Unidos, demonstrou o poder da prece sobre a saúde e o crescimento das plantas, por exemplo, como relata seu livro The power of prayer on plants. 

Os resultados foram mensuráveis, comparando-se dois lotes de plantas da mesma espécie, semeadas e tratadas da mesma maneira. A única diferença entre os dois grupos consistiu em que um deles, além de solo, água e luz, foi tratado com preces dirigidas às plantinhas ou à água com a qual foram regadas. 

Não era preciso nem dizer quais as plantas rezadas, elas eram mais saudáveis, mais fortes, cresciam mais e produziam mais. 

Remeto o leitor interessado ao texto número 40 “O poder da prece sobre as plantas” (páginas 143 a 145), do livro De Kennedy ao homem artificial. 

Esse livro reúne crônicas que, aí pelo final da década de 60, Luciano dos Anjos e eu escrevemos, durante cerca de três anos, para o extinto Diário de Notícias, jornal de grande tiragem e tradição, do Rio de Janeiro. 

Um desses textos, publicado em 29 de novembro de 1968, foi sobre a prece (páginas 100 a 102). 

Recorro a ele para alguns comentários adicionais. 

A meu ver, há dois tipos de pessoas que não oram: as que não sabem e as que não querem. Esta conversa é endereçada de preferência às primeiras, mas sem exclusão das demais, porque tanto umas como outras  estão deixando de recorrer às energias superiores que sustentam o universo. Falando às que não aprenderam a orar, é de esperar-se que também alcancemos os indiferentes. 

Bem pensado, aliás, creio que poderíamos colocar mais um grupo: o daqueles que oram mecanicamente, recitando fórmulas que a repetição infindável esvaziou de todo o seu conteúdo emocional. E para que serve uma prece sem emoção. 

Muitos ainda não descobriram que o valor e a eficácia da prece não estão no número de vezes que a recitamos e sim no que sente o nosso espírito ao pronunciá-la. Por isso, aqueles a quem não mais satisfaça a prece repetitiva, ficam sem saber o que dizer a Deus. 

A Enciclopédia Britannica que andei consultando para escrever isto é muito erudita e técnica no exame da prece. Divide-a em três tipos, segundo seja dirigida a um ser superior àquele que ora, a um ser do mesmo nível ou a um ser inferior, ou que pelo menos o suplicante assim considere. A Deus se pede com humildade e confiança. A um santo com o qual se tenham tomado certas liberdades muita gente propõe uma barganha, isto é, faz uma promessa, mais ou menos nos seguintes termos: — Você me dá isto que eu te prometo 

fazer aquilo. O terceiro tipo — ainda segundo a Britannica — é uma verdadeira ameaça: — Você me arranja isto, ou te quebro a cara! 

Não é preciso dizer que estes dois últimos tipos de ‘prece’ estão fora de nossas cogitações aqui. Preces decoradas ou repetitivas também não são de minha preferência, como já vimos. Se a prece é um entendimento direto entre o ser humano e Deus ou com um espírito superior, em quem a gente confia — o 

Cristo, por exemplo —, basta abrir o coração e deixá-lo falar, numa conversa franca, leal, respeitosa e recolhida. Não é preciso procurar palavras difíceis, expressões rebuscadas que quase sempre são insinceras. 

Com isto a prece vira discurso de político em campanha. Não se envergonhe da sua linguagem com Deus — ele a entenderá perfeitamente, e quanto mais singela e humilde, melhor, porque é o sentimento por trás dela que vale, não as “palavras bonitas”. 

Jesus não se preocupou em ensinar preces específicas; a única que nos deixou em palavras suas foi a
chamada “oração dominical”, ou melhor, o “Pai Nosso”. Quanto ao mais que disse ele? 

Que quando tivéssemos de orar, entrássemos para o quarto e, em segredo, nos dirigíssemos a Deus. Disse do valor da prece do publicano sincero e humilde e que de nada servia a oração pomposa do fariseu hipócrita. Declarou também que era preciso bater para que se abrissem para nós as portas. Se conseguiremos ou não o que pedirmos,  é outra coisa. Nem sempre aquilo que pedimos é o que mais convém ao nosso espírito. Segundo o Cristo, Deus não nos dará pedra se lhe pedirmos pão, mas, como pai prudente, 
“recusa ao filho o que for contrário ao interesse deste”, conforme disseram os instrutores ao prof. Rivail. 

Insisto em dizer que a criança deve ser ensinada a orar tão cedo quanto possível, como são ensinados os hábitos de higiene, limpeza, ordem e educação social. São os costumes adquiridos na infância que testemunharão pela vida inteira sobre o tipo de lar em que a pessoa viveu na infância. 

Como em tantos aspectos da vida em família e em sociedade, o aprendizado pelo exemplo é o mais eficaz. A criança deve sair de casa, para suas primeiras atividades sociais, a partir do jardim de infância, com um 
mínimo de preparo para resistir aos inevitáveis impactos do desaprendizado que irá enfrentar na rua, na escola, nos meios de transporte... 

Se os pais, ou um deles, têm o hábito de orar, as crianças se acostumarão a essa prática. O melhor é fazer isso com regularidade. Muitas famílias adotam o Culto do Evangelho no Lar. 

Reúnem-se todos, um dia por semana, de preferência à noite, para orar, ler uma página e comentá-la. Meia hora é o bastante. Se você não é cristão, faça o culto em torno do Torá, do Corão ou dos ensinamentos de algum mestre de sua preferência. Estimule a criança a participar e comentar os temas abordados. 

Aliás, o poder da exemplificação é decisivo em outros tantos aspectos da vida, como já vimos, não somente na prática religiosa. Venho, por exemplo, de um tempo em que o palavrão era, no mínimo, deselegante e grosseiro, próprio de gente sem educação, inaceitável na conversa em família. Nem meus irmãos nem eu nos acostumamos a empregá-los, porque nossos pais não o faziam. A tradição continuou na família que minha mulher e eu iniciamos. Nenhum de nós é dado ao palavrão, usado hoje praticamente como pontuação, na conversa de rua, no teatro, no cinema, na TV e nos textos publicados. 

Aceito, neste ponto, e sem nenhum constrangimento, a pecha de quadrado, antiquado ou puritano; sempre me choca o palavrão, especialmente, na voz infantil, ou na boca de uma mulher. Ainda penso que a boca fica suja para falar com Deus e não faço questão alguma de mudar esse modo de avaliar as coisas. 


Não tenho preces padronizadas e nem miraculosas para ensinar. Cada um de nós tem que se expressar de sua maneira pessoal e única. Gosto do Pai 

Nosso, claro. Atéj á fiz sobre ele uma longa palestra, porque vejo nele muitos ensinamentos. Um exemplo, apenas: já notaram que há, no Pai Nosso, um único pedido material — o do pão? E mais ainda, somente o pão de cada dia, não uma carroça de pão. Gosto também da prece de Francisco de Assis. E embora não seja para ficar repetindo-a indefinidamente, gosto da prece composta por um espírito que se assinou Agar e a escreveu pelas mãos do querido Chico Xavier. 

É assim: 
Pai de Infinita Bondade, sustenta-nos o coração no caminho que nos assinalaste. Infunde-nos o desejo de ajudar àqueles que nos cercam, dando-lhes das migalhas que possuímos para que a felicidade se multiplique entre nós. Dá-nos a força de lutar pela nossa própria regeneração, nos círculos de trabalho em que fomos  situados, por teus sábios desígnios. Auxilia-nos a conter nossas próprias fraquezas, para que não venhamos a cair nas trevas, vitimados pela  violência. Pai, não deixes que a alegria nos enfraqueça e nem permitas  que a dor nos sufoque. Ensina-nos a reconhecer tua bondade em todos os acontecimentos e em todas as coisas. Nos dias de aflição, faze-nos contemplar tua luz, através de nossas lágrimas, e,  nas horas de reconforto, auxilia-nos a estender tuas bênçãos com os nossos semelhantes. Dá-nos conformação no sofrimento, paciência no trabalho e socorro nas tarefas difíceis. Concede-nos, sobretudo, a graça de compreender a tua vontade, seja como for, onde estivermos, a fim de que saibamos servir em teu nome e para que sejamos filhos dignos de teu infinito amor. 
Assim seja!
É ou não é uma belíssima prece? Vejam bem que coisa linda é“contemplar a tua luz, através de nossas lágrimas   ou partilhar o pouco que tivermos “para que a felicidade se multiplique entre nós... 

Uma prece dessas fica acima de qualquer denominação religiosa. Serve a qualquer pessoa, até mesmo ao descrente; naquele momento de aflição ou angústia. Minha mãe dizia desses, que só se lembram de Santa Bárbara quando troveja. 

Orar não é, pois, uma obrigação enfadonha, da qual temos de nos livrar diariamente. É aquele momento especial em que ligamos nossas tomadas espirituais no grande reservatório de energia cósmica.


paz a todos...

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