domingo

Nossos Filhos São Espíritos // 18

18 
A DEBATIDA INFLUÊNCIA DO MEIO
TODOS NÓS DESEJAMOS FILHOS BONITOS, sadios e inteligentes.

Usualmente é o que acontece, mas nem sempre.

Uma vez fui procurado por um pai aflito. Estava assustado ante a fantástica capacidade intelectual que vinha revelando seu filho desde os primeiros anos de vida. A criança não somente era dotada de excepcional inteligência, como possuía elevado grau de maturidade. Não foi difícil entender as razões da preocupação daquele pai que, com sua sensibilidade e agudo senso’ de dever, tinha consciência da responsabilidade do casal no encaminhamento do pequeno gênio que viera abrigar-se em sua família. 

Que fazer, perguntava-me ele, com uma criança assim? Como educá-la, como guiar-lhe os passos, como tratá-la, enfim, para que fosse possível o desenvolvimento de todo o seu potencial?

A preocupação é legítima, a meu ver, porque a inteligência em si mesma é neutra, o que significa que tanto pode ser usada nas arquiteturas do bem como nas deformadas construções do mal. Ela pode ser a instrumentação de um espírito maquiavélico, voltado para tenebrosas maquinações, como devotar-se de tal maneira à propagação do bem que deixará atrás de si, por onde passar, a marca do amor fraterno e da felicidade.

Não sei porque, contudo, minhas intuições acerca daquele menino eram as melhores possíveis. Sugeri ao ansioso pai que ele e sua esposa dessem apoio material e moral e todo o amor que lhes fosse possível àquela criança.

Quanto ao seu encaminhamento na vida, não se preocupassem, pois ele certamente sabia o que viera fazer aqui, entre nós. Expliquei-lhe, como pude, o mecanismo dos renascimentos, procurando fazê-lo entender que a criança não é um ser que começa a vida, mas que recomeça, que lhe dá continuidade. Já vem de outras eras e segue rumo ao futuro.

Não posso ter tido a esperança de que ele tenha concordado ou aceitado tudo o que lhe disse, mesmo porque predominavam em suas estruturas de pensamento e ação conceitos católicos, que era meu dever respeitar. Tive a impressão, contudo, que ele se despediu mais tranqüilo.

Lembro-me, com estranha nitidez, daquele dia. Era um fim de tarde, já ao anoitecer. Mudáramos, não há muito, para um novo apartamento e estávamos com a casa um tanto tumultuada, devido às obras de reforma.

Ao escrever, hoje, estas linhas, quinze anos se escoaram e o menino é, agora, um jovem de mais de vinte anos. Confirmaram-se nele as expectativas mais otimistas, realizando-se a modesta e involuntária “profecia”. Ele sabia mesmo (e sabe) abrir caminhos, pelos quais vai trilhando. Dotado de inteligência, de fato, superior, devotado aos estudos, sério, responsável, equilibrado e sensato, vai se tornando rapidamente um sábio, mergulhando em assuntos que intimidariam, devido à sua complexidade, pessoas aparentemente mais amadurecidas. Como precoce poliglota, é praticamente ilimitado o escopo de suas leituras, mas ele sabe manter rigoroso critério seletivo, para não ser apenas um amontoador de conhecimento livresco ou mero devorador de livros, qualquer que seja a natureza de seu conteúdo.

Dentro de todo esse contexto de vida, não perdeu o senso perfeito do balanceamento de suas emoções, não permitindo que a busca do conhecimento, impulsionada por insaciável sede de saber, faça dele um frio intelectual. É um filho amoroso, devotado aos pais, com excelente nível de relacionamento com eles.

Em suma, um espírito amadurecido, experiente, no qual se pode entrever, com a maior transparência, uma longa e proveitosa série de vivências. Onde quer que ele renasça, sejam quais forem a época e as condições sob as quais viver, ele encontrará seu caminho, superando maiores ou menores dificuldades.

Isso nos leva à discussão de um aspecto que tem alimentado infindáveis debates técnicos e especulativos: o ser humano, em geral, e a criança, em particular, são o que se habituou considerar como um produto do meio? Ou, em outras palavras, sofremos a influência do meio em que vivemos ou nos impomos a ele, desenvolvendo virtudes (ou vícios) a despeito da exemplificação à nossa volta, num sentido ou noutro?

A experiência e a observação de fatores ainda não considerados pela ciência oficial — que não leva em conta elementos importantes do problema, como a realidade espiritual — nos induzem a propor respostas cautelosas, matizadas, sujeitas a possíveis confirmações ou correções, como aliás exige a grande maioria dos problemas humanos.Raramente tais questões podem ser equacionadas e resolvidas com precisão matemática, através de uma fórmula prevista, que sirva para todos os casos da mesma natureza. Apenas em alguns aspectos bem específicos os seres humanos podem ser quantificados e classificados, e isso fica mais para os domínios da estatística.

Podemos saber, com precisão, quantos homens, mulheres e crianças existem em cada comunidade, que freqüência apresentam em cada faixa etária, grau de instrução ou de poder aquisitivo. Que tipo de religião ou crença professam, que atividade desenvolvem e em que tipo de habitação moram.

Como, porém, avaliar-lhes o grau de felicidade, a natureza de seus sentimentos e até que ponto, precisamente, o amor fraterno os motiva a esta ou àquela ação?

A velha controvérsia acerca da influência do meio sobre as pessoas poderia ser posta em termos menos radicais. Seria desavisado negar que o meio influencia as pessoas, pois não podemos ignorar o poder sugestivo do impulso imitativo, especialmente nas crianças. É comum encontrarmos filhos entregues ao esforço, consciente ou inconsciente, de imitarem o pai, a mãe ou ambos, seletivamente, nesse ou naquele aspecto da personalidade de cada um. Podem as crianças acostumar-se, por exemplo, a falar em voz alta, a comer esse ou aquele tipo de alimento, a valorizar mais o dinheiro e a acumulação de bens materiais do que a busca de realização intelectual, tudo isso movidas pelo estímulo da imitação, pela simples inércia da motivação ambiental.

Não é difícil perceber, por outro lado, que mesmo nascidas e criadas em ambientes sem o menor estímulo às coisas do espírito, por exemplo, há crianças que desde cedo manifestam inquestionáveis inclinações pelo estudo, pela especulação intelectual, pela ânsia de conhecimento.

Da mesma forma, encontraremos jovens criados com intelectuais que derivam para atividade completamente estranha às que vê desenvolverem-se no ambiente em que vivem.

Depreende-se, por isso, que dons ou tendências específicas podem ser estimulados, suscitados, tanto quanto comprometidos e sufocados pela influência do meio, mas também pode a criança impor-se a ele, com maior ou menor segurança e determinação.

Não é, portanto, o meio que forma ou contribui, de modo decisivo, inquestionável e inevitável, para que a pessoa seja desta ou daquela maneira, embora possa contribuir com alguma pincelada, tonalidade ou matiz. 
Vamos repetir, para refrescar nosso entendimento: a criança éum espírito que ainda há pouco estava no mundo invisível, entre a vida que se foi, alhures, no tempo e no espaço, e a que mal recomeça, na carne. 

Entre uma existência e outra, passamos todos por um período de reavaliação pessoal, de revisão do que fizemos anteriormente, de reestruturação de conceitos e, finalmente, de reprogramação da vida. Em suma, o que fizemos até então, onde erramos ou acertamos, o que precisamos fazer para desenvolver esta ou aquela linha evolutiva? Como corrigir erros cometidos? Que fazer para recuperar afeições perdidas devido à nossa insensatez? Como nos recompor com pessoas que transformamos em adversários ou mesmo inimigos difíceis? 

Que tarefas temos a desenvolver na próxima existência ou nas subsequentes? Que traços de caráter devemos batalhar para retificar e que virtudes ou faculdades estimular? Onde, quando e junto de quem vamos renascer da próxima vez? Com que programa de trabalho ou projeto pessoal?

Considerados esses e inúmeros outros aspectos de maior complexidade e traçada uma escala de prioridades, acabamos por elaborar, com a assistência de devotados e competentes conselheiros, um programa de ação que envolve considerável número de variáveis. Em tudo isso, porém, fica reservado espaço para o exercício do nosso livre-arbítrio, respeitado pelas leis cósmicas que nos regem até limites bastante elásticos, mas não arbitrários ou indefinidos. Em casos extremos, a lei interfere com um dispositivo inibidor que resulta, praticamente, no cerceamento da liberdade de continuar cometendo desatinos.

 Exemplo: depois de repetidos fracassos, vida após vida, com idêntico ou muito semelhante tipo de erro, pode ocorrer uma encarnação compulsória em corpo deformado, ou dotado de vida meramente vegetativa, a fim de que a pessoa fique, paradoxalmente, protegida de si mesma, ao abrigo de suas próprias paixões e insensatez. É como se a lei determinasse uma prisão dita perpétua, porque dura enquanto durar a própria vida, e pode até transbordar para a seguinte e além...

Como a criança é um espírito que traz uma programação, um planejamento, um projeto a executar, é até possível que venha para um ambiente hostil às suas aspirações, precisamente porque, no passado, quando dispôs de facilidades e recursos adequados e suficientes, deixou de realizar sua tarefa, por negligência, irresponsabilidade ou desinteresse.

No entanto, para que possamos avaliar a dificuldade da posição de pais ou tutores da criança, a fim de compreendermos tudo isso, convém mostrar outros aspectos dessa complexa problemática.

Suponhamos que a criança venha para a nova existência com uma carga mais pesada de deformações pessoais e erros a retificar. Não é difícil imaginar que, em um caso desses, trata-se de um espirito ainda um tanto rebelde, desajustado e desarmonizado, sobre o qual serão ponderáveis as influências do ambiente em que viver. Se encontra pessoas que o ajudem a combater suas inclinações negativas, poderá conseguir muito maior êxito do que se conviver com pessoas que o abandonem a si mesmo, quando não contribuam para que mais se consolidem as deformações emocionais que está programado para atenuar, senão corrigir de todo.

É grave, pois, a responsabilidade de quem recebe uma criança para criar, seja filho próprio ou alheio. Se contribuir para que se consolidem nela tendências negativas, em vez de ajudá-la a refazer-se, estará assumindo quotas adicionais de responsabilidade e agravando suas dificuldades de relacionamento com aquele ser, em futuro próximo ou mais remoto, nesta ou em outras existências. Nenhum de nós é uma ilha psicológica ou emocional.

Somos partículas de um só continente da vida. O que fazemos ou deixamos de fazer, por incrível que pareça, pode alterar condições e vivências que somente daqui a alguns séculos ou milênios venham a resolver-se satisfatoriamente.

Como dizem os modernos físicos-místicos (Ver, por exemplo, O Tao da física de Fritjof Capra.), os movimentos, aparentemente imperceptíveis, do nosso minúsculo átomo individual — pois somos partículas de consciência — acarretam movimentos correspondentes no próprio cosmos, no qual estamos integrados. De uma forma ou de outra, se agimos bem ou mal, criamos, naquele diminuto espaço nosso, uma perturbação ou uma acomodação no universo, como um todo. Nenhum outro fenômeno é tão fantástico e impressionante para o ser humano que o experimenta quanto o da chamada consciência cós-mica, um estado semelhante ao êxtase, que suscita no ser humano a certeza dessa participação e integração no todo.

As fragmentárias descrições e depoimentos que temos a respeito nos dão conta de uma sensação de perfeita identidade global, como se o indivíduo fosse o universo inteiro e não apenas um átomo consciente.

Mas isto, afinal de contas, seria matéria para outra dissertação. Apenas desejamos caracterizar aqui a responsabilidade de cada um de nós, desde o momento em que um espírito começa a preparar-se para ser nosso filho ou filha, genético ou adotivo. Na verdade, para ser mais preciso, a responsabilidade recua muito mais, pois ela se arma no momento em que, por uma razão ou outra, nossos destinos se cruzaram, alhures no mundo, em tempo que nem sempre podemos determinar, ou, sequer, imaginar. Problemas cármicos que estão sendo ainda hoje trabalhados e poderão sê-lo ainda pelos próximos séculos ou milênios vêm sendo tecidos na tapeçaria da eternidade desde épocas que somente nossa memória integral poderá revelar.

Meu livro “O exilado” reproduz o depoimento de um espírito que já trazia compromissos a resolver quando foi trazido à encarnação na Terra, depois de muitos e persistentes erros em remotas regiões do universo.

Então, aquele filho bonito, inteligente, saudável e antigo que recebemos agora pode ser um amigo e respeitável companheiro de longínquas eras, que nos concedeu a honra, a alegria e a responsabilidade de escolher-nos como mãe e pai. Recebamo-lo com a alegria a que fizemos jus, todos nós, e com o renovado amor que, desde muito, nos une nos inquebrantáveis laços da luz imortal.
 Paz a todos...

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