sexta-feira

Morri! e Agora? 18

Capítulo Dezoito
Deus lhe pague e Obrigado

- Obrigada, dona Mariquinha!

Deus lhe pague!

Saíram duas mães com seus filhos de minha casa e meu marido sorriu dizendo:

Mariquinha, você sabe quantos agradecimentos já recebeu em sua vida?

Não sei, não benzo crianças por isso respondi.

Uma amiga que estava em casa, opinou:

Se esses agradecimentos enchessem barriga, você estaria redonda de tão gorda.

Gratidão fortalece a alma respondi sorrindo.

Já faz quarenta anos que Mariquinha benze crianças de quebranto, susto e tantas outras coisas. Somente deixou de participar da assistência social da paróquia porque adoeceu. Ela ia todas as tardes fazer a sopa para ser distribuída aos pobres, e hoje ainda faz crochê para o bazar da igreja disse meu esposo O senhor tem orgulho dela, não é?  perguntou minha amiga.

Tenho! Já sabia que Mariquinha benzia a garotada quando começamos a namorar.

Quando a conheci, encantei-me com seus lindos olhos azuis. Agora entendo que não foi somente pela cor deles, mas sim pela bondade e meiguice que eles transmitem.

Minha mulher é um anjo!

Dona Mariquinha, que sorte a senhora tem, tantos anos de casada e o marido ainda está apaixonado!  expressou-se minha amiga.

Como consegue fazer tantas coisas?

Tenho tentado  expliquei  fazer tudo do melhor modo possível. É só repartirmos bem nosso horário, organizarmo-nos para fazer tudo o que queremos. Minha avó me ensinou a benzer crianças e vou fazer até quando Deus quiser!

A amiga foi embora e fiquei pensando na minha vida, tive realmente de me organizar para dar conta de tudo o que tinha para fazer. Tive cinco filhos e mais dois adotivos, que já estavam casados, e conosco morava uma neta, rebento da minha filha mais velha que estava na sua segunda união. Essa neta era do seu primeiro casamento e era nossa alegria.

Ultimamente eu não estava bem de saúde, tomava muitos remédios e tinha dores pelo corpo.

Lembrei-me de uma vizinha que tinha falecido havia três anos e que devia, com certeza, estar no céu, pois ela mesma se achava merecedora. Ela ia freqüentemente à igreja e dizia ser muito religiosa. Essa senhora costumava me criticar.

“O que faz Mariquinha não é certo! Não se deve benzer crianças. As mães deveriam levá-las à igreja para o padre abençoá-las. Ou: “Não foi à missa porque ficou tomando conta de dona Adelaide! 

É

Pecado! Primeiro Deus, depois os outros!.

Ela me criticava tanto que encuquei e fui falar com o padre, e dele escutei:

“Tudo isso, essas bênçãos não servem para nada.

Se houver melhora é porque iam melhorar mesmo. Benzimentos são crendices, superstições, nada valem”.

Chorei muito e foi meu marido que me consolou.

“Mariquinha, Jesus benzia as pessoas. Ele estendia as mãos sobre os enfermos e orava. O Mestre Nazareno disse que todos poderiam fazer isso, que bastava crer e querer fazer o bem. O padre estudou muito e esqueceu das coisas simples. Não dê atenção a essa vizinha. Ela é orgulhosa como pavão.Continue a fazer o bem.”


E continuei.

Palmas no portão me fizeram parar de pensar. Outras crianças para benzer.

Fui dormir no horário costumeiro e acordei num local diferente. Uma moça, enfermeira, toda sorridente aproximou-se de mim.

Bom dia, dona Mariquinha! Quer um suquinho? Está delicioso.

Bom dia!  respondi.

Ela colocou uma bandeja na minha frente, ajudou-me a acomodar-me deu o suco. A moça falava sem parar: que o dia estava lindo, as flores perfumadas etc. Depois de ter pela terceira vez indagado se necessitava de alguma coisa, ao que eu respondi que não queria mais nada, ela se afastou. 


Fiquei sozinha pensando o que poderia ter me acontecido. Um senhor com aparência de médico entrou no quarto, cumprimentou-me e indagou gentilmente:

Está precisando de alguma coisa, dona Mariquinha?

O senhor é médico?  perguntei em vez de responder.

Ele sorriu e afirmou com a cabeça.

Estou estranhando!  exclamei.  Por que estou aqui? Fiquei doente de novo? Esse ano é a terceira vez que me internam. Que hospital é esse? Estou sendo bem atendida e até agora não tomei injeções. Tive alguma crise? 

E...

É melhor fazer uma pergunta de cada vez  respondeu ele rindo.  A senhora está se recuperando e não necessita de injeções.

Dona Mariquinha, o que a senhora acha que acontece com as pessoas que falecem?

São julgadas por Deus  respondi.

Isso se dá em algum lugar? Onde? Será que Deus está somente nesse local ou em toda parte e dentro de nós? Se Ele está dentro de nós e em todos os lugares não necessitamos ir para um lugar particular para sermos julgados. Julgar? Acredita mesmo que Deus premia ou castiga? O Pai Celeste é amor!

E se por acaso existir esse julgamento, o que será dos julgados depois? Sofrimento sem piedade para os que agem erroneamente, ou descanso para os bons?

O médico saiu e fiquei pensando no que ele dissera. Por que ele me falara tudo aquilo? Pareceu-me ser uma pessoa séria, tinha o olhar vivo e inteligente.

Realmente, era incoerente achar que Deus estaria num local em que só os mortos O vissem. Esse julgamento também me pareceu improvável, como também o descanso eterno que deveria ser uma chatice.

O médico entrou no quarto novamente e chamei-o com um aceno de mão. Ele se aproximou e sentou-se numa cadeira ao lado do meu leito.

Eu tinha artrite, meus dedos das mãos estavam tortos e agora não estão mais. Não sinto falta de ar nem tonteira.

Aqui é muito sossegado para ser um hospital comum, e estou num quarto sozinha, luxo que não poderia pagar. E o senhor me disse umas coisas estranhas. Por isso eu lhe peço, diga-me a verdade.

Em vez de falar, ele me olhou, seu olhar era tranqüilo e bondoso. Recordei-me:

De madrugada acordei com muita falta de ar e dores.

Meu esposo acendeu a luz, levantou minha cabeça e parei de respirar.

A visão desapareceu e me vi no quarto do hospital. Aquele bondoso médico segurou minha mão. Pensei de novo e assustei-me com a minha visão. Vi meus familiares correndo, o médico conhecido dizer que morri, depois o velório com muita gente, flores e o enterro.

Vi-me novamente no quarto, olhei para esse senhor, apertei sua mão, fiquei triste e chorei baixinho. Tive medo.

Por que teme?  indagou ele.

Morri! E agora?


Continuará a fazer o bem aqui, na espiritualidade.

Explicou-me que desencarnara, estava abrigada numa colônia e que a vida continuava. Conforme ele me esclarecia meu medo foi passando

Recuperei-me logo e adaptei-me facilmente ao plano espiritual. Saí do hospital e fui recebida com alegria por companheiros numa linda casinha, onde passei a residir.

Fui aprender a viver sem o envoltório físico.

Em pouco tempo estava apta a servir. Alegrei-me, fui fazer minha primeira tarefa: ajudar, numa enfermaria do hospital, os desencarnados ali abrigados que ainda sentiam os reflexos do corpo físico. Admirada, ali encontrei, necessitando de auxílio, a vizinha que me criticava.

Mariquinha!  exclamou ela assustada.  Você aqui! trabalhando? Tem condições de ajudar? Quando você
morreu?


Desencarnei há pouco tempo  respondi.  Como estava bem, foi me dada a oportunidade de servir. E você,
por que está aqui?

Mariquinha, tenho pensado muito em você. Vivemos lá na Terra de modo diferente.

Eu não perdia uma missa, orava, cultuava um Deus humano, com atos externos e fáceis.

Agora compreendo que Deus é supremo, e quer que O amemos, que oremos, mas que façamos o bem ao próximo. Ainda bem que você não me deu atenção e continuou fazendo o bem. Você, Mariquinha, amou muito mais a Deus do que eu! Desencarnei pensando que seria recebida no céu, julgada com pompa
e decepcionei-me muito. Para mim, bastava ser religiosa e orgulhei-me disso. Dei mais valor aos atos externos.

Chorou muito, e eu a consolei:

Logo você estará bem, confie!

Continuei fazendo meu trabalho, no final a orientadora me cumprimentou, motivando-me:

Mariquinha, você será uma tarefeira excelente! Mas, o que a preocupa?

Contei-lhe do encontro com minha ex-vizinha, e ela me explicou:

Verá muitos casos aqui na espiritualidade assim, como de sua ex-vizinha. Pessoas que praticam atos externos, apenas para manter aparências, e julgam-se merecedoras de um céu de ociosidade. Não são errados os atos externos, desde que eles sejam realizados com sentimento. A oração nos liga às energias benéficas, mas são nossas boas ações que nos levam à fonte dessas energias. Você, Mariquinha, fez muito
bem. Sabe quantos “Deus lhe pague e obrigados” com sinceridade você recebeu no período em que esteve encarnada?

A orientadora sorriu e, depois de alguns segundos, concluiu:

Pois foram muitos! É fazendo o bem que nos preparamos para nos tornarmos bons.

Muitas pessoas fazem o bem com algum objetivo, mas, com o treino, passam a fazer porque querem, amam e fazem-no então espontaneamente. A gratidão que recebemos  é uma bênção Que recebemos. aprende a amar; quem recebe gratidão ama, e esse possui  um bem de incalculável valor Ao voltar para nossa casinha  agora meu lar  fiquei pensando. Estava feliz encarnada, mas a desencarnação para mim foi fácil e continuei feliz. Tive a certeza de que o bem que fiz a outros, para mim o fiz. E os “Obrigados e Deus lhe pague” são tesouros que me acompanham.

Pude ver meus familiares em visitas periódicas; continuam a viver com problemas e alegrias. Sou sempre lembrada com carinho, pois deixei aos meus entes queridos um bom exemplo de vida e isso foi a melhor coisa que fiz a eles que tanto amo.

Depois de dois anos de tarefas diversas e estudos, fuí trabalhar no educandário local onde são abrigados os que desencarnaram em tenra idade.

Cuido com muito carinho das crianças que sempre amei.

Minha desencarnação foi prazerosa!

Maria do Rosário


Explicações de Antonio Carlos

Como seria bom se todos tivessem uma mudança de plano como essa nossa  convidada.

A morte não nos causaria mais medo. Que bom saber que existe desencarnação assim.

É tão fácil ser merecedor dessa dádiva. É só fazer o bem, ser bom, amar de forma simples, verdadeira e sincera a nós mesmos e ao próximo.


Mariquinha benzia crianças, usava fórmülas, repetia três vezes determinadas frases e orava. Semelhantes aos passes que os espíritas aplicam, nesses atos trocam-se fluidos negativos por outros positivos. Quando queremos fazer o bem, basta a vontade, mas se ainda não sabemos fazê-lo sem fórmulas, não tem por que não usá-las.

Um dito antigo: ‘A caravana passa e os cães ladram”. Mariquinha caminhou com a caravana. A vizinha que a criticava nos pareceu como o cão que latiu e não caminhou.

Quem presta muita atenção no que os outros fazem, normalmente não tem tempo para fazer algo de útil nem caminhar. Também essa nossa convidada não parou para receber flores de elogios. Sejamos como os que caminham na caravana, não parando para nenhuma crítica.

13  Se o leitor quiser saber mais sobre educandários leia o livro: Flores de Maria, do Espírito Rosângela. São Paulo: Petit Editora (N.A.E.).



Paz a todos...

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