sexta-feira

A Casa do Escritor XVII


XIII - A HISTÓRIA DE LORETA 
Tinha que fazer uma redação, uma história para que pudesse apresentar à classe. Já tinha feito três e não saíram do meu gosto. Um colega pediu que fosse a uma Colônia para ele. Fui lhe fazer o favor com alegria. Esta Colônia é muito bonita. Passando por uma praça, não pude deixar de parar para olhar um enorme chafariz de pedras azuis.

Encantador! Sentei num dos bancos confortáveis da praça e fiquei a admirá-la. De repente, percebo perto de mim uma moça também embebida com os encantos do chafariz. Observo-a.

Linda, lindíssima. Loura, olhos azuis esverdeados, sombreados de longos cílios, traços perfeitos e harmoniosos, pele morena clara, delicada e tímida.Sentindo-se observada, olhou-me e me cumprimentou.

- Oi, sou Loreta.

- Oi, eu sou Patrícia. Como está? Desculpe-me por observá-la. Achei-a tão linda!

- Está preocupada com alguma coisa? - indagou delicadamente.

- Tenho que fazer uma redação para apresentar amanhã a minha classe. Não fiz nada de bom. Procuro uma boa história. Você sabe alguma que seja interessante para me narrar?

Loreta sorriu, seu sorriso é encantador.

- Se tiver tempo, falarei a você de minha vida.

- Se você pudesse me fazer este favor, agradeceria – falei animada.

Sentei mais perto dela e esperei ansiosa pelo seu relato.

- Sou filha de pais separados. Quando criança, raramente via meu pai, depois não o vi mais. Tinha só um irmão, mais velho que eu e que aos treze anos saiu de casa e não se soube mais dele. Minha mãe casou-se novamente, meu padrasto, até então, era razoável e trabalhador.

Logo que comecei a entender, percebi que minha beleza física muito me atrapalhava. Tive poucas amigas, as meninas tinham ciúmes de mim, porque os coleguinhas da escola queriam me namorar. Não gostava dos garotos, porque eles sempre me diziam gracinhas. Quando estava com onze para doze anos, os problemas se agravaram. Estava tornando-me uma bela mocinha. Meu padrasto começou a me cobiçar.

Foi horrível, tinha medo dele e ficava sempre trancada no meu quarto. Evitava ficar a sós com ele. Mas ele me olhava muito, minha mãe desconfiou do esposo e achou que eu atrapalhava.

Nesta época não tinha nenhuma amiga, acabara os quatro primeiros anos da escola e não estudava mais, só ajudava minha mãe nos trabalhos de casa. Tinha cada vez mais medo do meu padrasto. Minha mãe achou uma solução, arrumou para mim um internato, onde estudaria e trabalharia no colégio.

Gostei do colégio, lá era calmo e me entusiasmei em estudar. Tinha um quarto bem pequeno, mas fiquei contente por ser só meu.

Os anos se passaram, não saía do colégio para nada, nem nas férias. Minha mãe raramente me visitava. Sentia-me muito só e trabalhava muito, tive poucas amigas, a maioria não queria amizade com uma moça tão bela e por trabalhar para se manter. Tudo corria bem, até que veio transferida de outro colégio uma freira e meu sossego acabou.

Começou a assediar-me. No começo não entendi bem o que ela queria, era inocente. Clarinha, uma das poucas amigas que tive, colega de internato, me alertou.Comecei a fugir desta freira e tive depois de ser clara e dizer que não queria o que me propunha. Ela começou a me perseguir me sobrecarregando de trabalho.

Fiquei desesperada, não tinha a quem recorrer, estava com dezesseis anos. Clarinha me ajudou, arrumou-me um emprego de balconista numa loja de sua tia, onde poderia morar nos fundos do estabelecimento.

Fiquei triste por parar de estudar, mas era uma solução. Minha mãe não me queria em casa e não tinha para onde ir, não podia ficar mais no Colégio.Saí do Colégio, fui trabalhar com D. Mara, a tia de Clarinha. Ela era uma solteirona muito boa que me empregou, deixando que morasse no quarto dos fundos.

Gostei do lugar e do emprego, deu certo. Passei um tempo tranqüila.Mas minha beleza era um atrativo tanto para a loja como para muitos homens que me diziam galanteios, uns grosseiros, outros mais por brincadeira. Ao saberem que era só e uma simples empregada, fui alvo de muita cobiça.

Conheci Geraldo quando entrou na loja para comprar um presente para sua irmã. Era tímido, educado e respeitador. Voltou outras vezes para conversarmos. Não se referiu a minha beleza, parecia até que não me achava bonita. Convidou-me para sair,foi um passeio agradável. Ao seu lado sentia-me segura. Achava-o diferente dos outros, não me fez nenhuma proposta. Começamos a namorar e logo após noivamos. Não tinha certeza de amá-lo, mas, pensando estar segura com ele, aceitei casar. Tinha dezoito anos.

Casamos e fomos morar numa casinha nos fundos da casa de sua irmã. Geraldo só tinha esta irmã como parente. Chamava-se Dulce, era boa e amável. Tornamo-nos amigas. Sentia-me tão feliz em ter meu cantinho! Nossa casinha era linda e acolhedora.

Mas, para minha surpresa, Geraldo modificou, não me deixou trabalhar mais e tinha por mim um ciúme incontrolável.

Prendeu-me dentro de casa. Raramente saía e, quando o fazia, era com ele e quase sempre na volta havia brigas. Muitas vezes me surrou, sem que nada houvesse feito de errado. Depois ele sempre se arrependia, pedia perdão, eu o perdoava. Sofri muito, ninguém podia me olhar. Mesmo vestindo-me simplesmente, sem nenhum enfeite, era alvo dos olhares masculinos, isto o deixava louco de ciúmes. Para evitar brigas, preferia mesmo não sair de casa.

Estava com vinte e três anos. Tivemos dois filhos, um casal, e estava grávida de três meses. Um dia meu menino, o mais velho, estava febril. Geraldo sempre chegava em casa às dezoito e trinta, às vezes se atrasava. Estes atrasos eram porque ele fazia as compras da casa. Minha cunhada estava viajando e o menino piorava. Resolvi ir à farmácia, que era perto de casa, buscar um remédio. A farmácia já estava fechada, o proprietário, pessoa boa, morava nos fundos. Era um viúvo de meia-idade.

Recebeu-me gentil, pediu para entrar que ia pegar o remédio. Tive medo, se Geraldo soubesse que entrei na casa dele ia me surrar. Mas, pensei, ele não vai saber, não tem nada demais comprar um remédio para o filho doente.

Mas Geraldo chegou e na frente da casa foi surpreendido por uma vizinha fofoqueira, invejosa e maliciosa, que só para atiçar ciúmes nele comentou:

"Geraldo, Loreta não está, foi à farmácia. Vi-a entrar na casa do proprietário.Você sabe, é viúvo e bem bonito. A esta hora, a farmácia está fechada, não sei o que ela está fazendo lá."

Meu marido nem respondeu e foi verificar. Estava muito nervoso, foi entrando sem bater. Quando entrou na sala, o farmacêutico estava me entregando o remédio. Não existiu nenhuma má intenção de nossa parte. Geraldo só andava armado. Costume que recriminava, mas ele dizia que era para evitar assaltos. Ao nos ver perto um do outro, sem indagar, sem ao menos confirmar qualquer suspeita, tirou o revólver e descarregou em nós dois.

Os ferimentos que recebemos nos fizeram desencarnar na hora.Senti o impacto, uma dor forte no peito, uma sensação tão horrível, que pensei ter desmaiado de dor, porque não vi mais nada.

Acordei numa enfermaria e julguei estar num hospital de encarnados. Mas estava num Posto de Auxílio no Plano Espiritual. Estava magoada com a atitude do meu esposo, não quis conversar com ninguém, nem com os gentis enfermeiros quis manter um diálogo. Mas estranhei logo, não achei meus ferimentos. Tinha certeza de que fora ferida, preocupei-me com a criança que esperava.

Indaguei à enfermeira.

"Que aconteceu com meu nenê?"

"A senhora o perdeu por causa dos ferimentos."

"Onde estão meus ferimentos?"

"Curamo-los, mas não pense neles, senão podem voltar."

Achei tudo bem estranho. Naquele dia, à tarde, uma das enfermeiras fez uma linda oração que me comoveu até as lágrimas, mas que me levou a pensar muito. Achei que algo diferente acontecera comigo. Novamente perguntei à enfermeira.

" Que aconteceu comigo? E com os ferimentos?"

"Seu corpo morreu, vive em espírito."

Bondosamente ela me explicou que desencarnei, estava socorrida, etc...

Chorei muito e reclamei:

"Tudo que me aconteceu foi por ser bonita. Se fosse feia, Geraldo não ia ter
ciúmes de mim. Não me mataria só pelo fato de ter ido comprar remédios."

Ao recordar dos remédios, lembrei do meu filho doente, quis vê-lo, quis ir para casa. Fui aconselhada pela enfermeira a não desejar ir. Ela, carinhosamente, disse que ele havia sarado, que eles estavam bem com a minha cunhada. Não acreditei e desejei ir ardentemente para casa e fui impulsionada pela minha vontade.

N.A.E. - Quando um espírito socorrido em Postos quer ir ardentemente para junto dos seus encarnados queridos, sua vontade forte o impulsiona, isto é, volta sem saber como ocorreu.

Quando vi estava na minha ex-casa. Mas tudo era diferente, outro casal morava ali. Fui à casa de Dulce e vi meus filhos. Minha cunhada e o marido eram pessoas boas,tinham três filhos moços ficaram cuidando dos meus dois filhos. Foi com alegria que os vi bem e amados por estes dois amigos bondosos.

Ali soube que Geraldo fora preso em flagrante, estava numa prisão e, como todos diziam, não sairia de lá tão cedo.

Sabia que estava desencarnada, mas resolvi ficar ali e não sair para nada. Estava acostumada, era muito caseira e ali fiquei como escondida. Evitava todos os encarnados,temendo que eles me vissem ou me sentissem. Os ferimentos apareceram, eram quatro:dois no peito, um no braço e outro no ombro esquerdo. Doíam muito e às vezes sangravam. Isto muito me incomodava.

N.A.E. - O espírito saindo sem permissão e sem entendimento pode sentir os reflexos das suas doenças ou ferimentos como aconteceu com nossa amiga.

Mas meus fluidos não estavam fazendo bem a Dulce e à família. Via-os inquietos, queixando-se. Não julguei ser eu a causa.

Dulce tinha alguns conhecimentos Espíritas e resolveu ir ao Centro Espírita.Achei certo e fiquei a cuidar da casa. Estava quieta num canto, quando vi dois desencarnados me pegarem pelo braço e me levarem. Assustei-me, mas a viagem foi rápida, em segundos estávamos no Centro Espírita onde Dulce fora.

N.A.E. - Como Dulce foi pedir ajuda, dois trabalhadores do Centro Espírita foram à casa dela verificar o que estava acontecendo. Ao encontrar Loreta, eles levaram-na ao Centro para que recebesse orientação.

Colocaram-me perto de uma senhora e de um homem, ambos encarnados. Este senhor foi conversar comigo. Explicou-me bem minha condição, fazendo-me ver que fazia mal aos que estavam em casa. Estranhei, não queria fazer mal a ninguém, ainda mais aos que amava. O encarnado que conversava comigo disse que isto é comum. O desencarnado volta sem preparo para perto dos que ama e faz mal a eles. Disse com bondade da necessidade que tinha de ir para o Plano Espiritual. Revoltei-me e recusei ir para o hospital, para o Mundo Espiritual. Mas prometi não voltar para a casa de Dulce.

Com meu livre-arbítrio respeitado, saí do Centro Espírita e pus-me a vagar pelo bairro. Fui parar numa praça onde descansei num canto. Senti fome, só então percebi que o orientador do Centro Espírita tinha razão, alimentava-me junto com os familiares.

N.A.E. - Recebeu doutrinação pela incorporação.

N.A.E. - Fluidos de espíritos sem compreensão prejudicam os familiares.

N.A.E. - Só está livre das necessidades de encarnado o desencarnado que compreende e aprende a viver como tal. No caso de Loreta, ela alimentava-se dos fluidos vitais dos alimentos.

De repente, um menino derrubou um sorvete e corri para pegá-lo.

"É meu!"

Uma desencarnada, senhora idosa e feia, me bateu com força na mão. Voltei para onde estava e chorei.

A senhora me observou curiosa e se aproximou.

"Você está sofrendo?"

"Estou, a senhora não está?"

"Ora, ora, há anos sofro e nem ligo mais. Pode tomar o sorvete, dou a você.

Fale o que se passa que talvez possa ajudá-la.

Chamo-me Lalá. E você?"

"Loreta" - respondi.

Tomei o sorvete, Lalá sentou-se perto de mim, contei toda minha vida para ela.

"Sua beleza foi sua perdição - comentou. "Você se vingou deste Geraldo?"

"Vingar?"

"Ora, não seja burra, o cara mata seu corpo jovem e belo, você é inocente e vai deixar por isto mesmo? Se quiser, ajudo você a se vingar."

Nem sei se quero, ou o que quero, ou faço."

"Se quiser ficar comigo, cuido de você."

"Quero."

Dois desencarnados mal-encarados, espíritos ociosos passaram por ali e mexeram comigo, tentaram me agarrar. Lalá, para meu alívio, os enfrentou e os pôs para
correr.

"Tenho medo, minha beleza me atrapalha até desencarnada.

Obrigada, você foi corajosa. Não pensei que desencarnados fossem mexer comigo."

"Depende dos desencarnados.Os bons não fazem isto,nem encarnados nem desencarnados. Os maus fazem mesmo. Mas como é engraçada a vida. Uns querendo ser bonitos e a outros a beleza incomoda. Você é bonita realmente. Conheço estes dois,são ruins mesmo, se não estivesse aqui... Você quer ficar feia?"

N.A.E. - Um desencarnado pode bater e acariciar outro desencarnado. São da mesma matéria.

Sentem-se mutuamente.

"Quero."

"Vou maquiá-la. Venha comigo até minha casa, lá tenho os apetrechos."

Lalá foi comigo até a sua ex-casa terrena, seu marido agora casara com outra e ela odiava a segunda esposa dele. Após conhecer a casa, Lalá começou a me maquiar. Ela me enfeiou, sujou, descabelou, tingiu a pele de preto azulado. Maquiou-me a boca,tornando-a torta e grande e fez uma horrível cicatriz na face esquerda.

Ela plasmou o material que usou na maquiagem.

Ao olhar no espelho,levei um susto,estava bem feia,mas sentia-me tranqüila,nenhum desencarnado vadio me olharia mais com cobiça.

"Então, está contente agora?" - indagou.

"Estou horrível! Você é uma artista!"

Fiquei a vagar com Lalá,íamos passear,pois ela sabia onde podíamos ir,alimentávamo-nos na ex-casa dela, vampirizando a sua rival. Lalá sabia que fazia mal a ela e estava ali por este motivo.

Não fui mais à casa de Dulce, via meus filhos só de longe.

Saber que estavam bem me deixava tranqüila.

Um dia, Lalá insistiu tanto que fomos ver Geraldo na prisão.

Um espírito que guardava a porta nos barrou. Lalá lhe explicou que queríamos fazer uma visita a Geraldo de...

"São parentes?"

"Sim" - respondeu Lalá.

"Este moço é bem comportado, recebe sempre a visita da mãe desencarnada.

Venham, levo vocês para vê-lo."

N.A.E. - Em prisões, delegacias, penitenciárias, existem equipes de trabalhadores do Bem, que dão assistência tanto a encarnados como aos desencarnados que ficam ali. Porém, espíritos maus ali vão também, uns para se vingar, outros, como este guarda, tomam conta da portaria, por não terem algo mais interessante a fazer, ou mesmo por gosto, até podendo ser a mando de alguma organização do Umbral.

Não gostei do que vi, tanto encarnados como desencarnados vibravam negativo,o ambiente era horrível. Logo estávamos na cela de Geraldo, este lia um livro.

Lalá, ao contrário, estava gostando, passeava à vontade.

Logo que o viu, avançou sobre ele xingando-o.

"Assassino! Covarde!"

Geraldo parou de ler, sentiu-se mal, ficou nervoso. Um companheiro lhe perguntou o que tinha.

"Não sei" - Geraldo respondeu triste. "Acho que vou enlouquecer, sou um ordinário, matei minha esposa inocente e um homem honrado."

"Já sei sua história, esquece!" - disse-lhe o companheiro.

"Não posso, o remorso me mata, sofro muito. Se pudesse pedir perdão a ela, ajoelharia aos seus pés."

Tive dó dele, fora sempre infeliz, agora sofria mais do que eu.

Então, falei à minha amiga:

"Acho, Lalá, que não preciso me vingar. Geraldo já sofre muito. Vamos embora, aqui é horrível!"

Ao sair da prisão, dois espíritos horríveis nos pegaram. Esperneamos, lutamos, mas eles eram mais fortes e não conseguimos nos soltar. Fomos levadas para uma caverna no Umbral, o local era horrível, sujo e fétido, fomos colocadas num canto.

Não estávamos sozinhas, espíritos horríveis agrupavam-se. Apavorei-me, a cena que vi era pior que um filme de horror.

Lalá me disse baixinho:

Loreta, procure não conversar, só fale quando for indagada e use a inteligência para se sair bem. Vamos nos separar, fuja logo que puder que vou tratar também de sair daqui."

"Onde estamos?"

"Na Zona Inferior, no Umbral, somos prisioneiras".

Zona Inferior, que é isto? Somos prisioneiras de quem?"

"Zona Inferior é o mesmo que inferno. Somos prisioneiras deles, dos que moram aqui. Não sei ao certo e nem por que nos prenderam. Acho que é para nos tornar escravas. Quando eles necessitam de que faça o trabalho para eles, aprisionam os que vagam para servi-los."

"Vai me deixar sozinha?" - falei com medo. "Foi você que me colocou nesta situação."

"Ingrata! Ajudo-a e você me trata assim."

Lalá sumiu.

Fiquei sentada num canto sem coragem de sair do lugar.

Senti um medo horrível e me arrependi por não ter seguido os conselhos que me deram no Centro Espírita e por não ter ficado no Posto de Socorro. Não consegui saber quanto tempo fiquei ali, o local estava na penumbra, clareava-o só uma pequena tocha fincada na parede. Meus ferimentos doíam muito e sentia fome e sede.

Acho que depois de dois ou três dias vieram me buscar. Um sujeito horroroso me pegou pelo braço e me levou a uma outra caverna tão horrível quanto a primeira, só que estava mais clara e enfeitada por inúmeras caveiras. Num trono estava sentado um homem que me olhou observando, gelei. Mas, seguindo o conselho de Lalá, tentei ficar calma e pensei:

"Se este cara está no trono é porque pensa ser rei ou algo parecido, devo me dirigir a ele como quer." 

Ajoelhei aos pés do trono e abaixei a cabeça. O sujeito que me trouxe disse alto:

"Chefe, pegamos esta quando saía da penitenciária, foi visitar um detento.

"Que estava fazendo lá, ó infeliz?"

Sua voz parecia um trovão, grossa e forte, respondi com voz trêmula.

"Senhor, fui dar uma lição no maldito que me matou."

"Vingança então? Adoro os que se vingam. Não me meto em vinganças particulares. Vingue-se como quiser, é seu direito. Deixe-a ir, é tão feia que enoja vêla!"

- falou, fazendo uma careta de nojo.

Levantei, o sujeito foi andando na frente, eu atrás, atravessamos outras cavernas e saímos.

"Vai, infeliz!" - meu acompanhante disse.

Ele voltou. Fiquei sozinha. O local estava escuro, uma pesada névoa me impedia de ver onde estava. 

Sentia-me perdida, mas, mesmo assim, andei, queria afastar-me dali com medo de ser presa novamente. Estava cansada, com dores, fome, frio e sede. Às vezes, via outros desencarnados a gemer, eram tão horríveis que me davam medo. Apavorada, continuei a andar.

"Vem por aqui, filha."

Senti alguém pegar meu braço e andamos por minutos. Logo vi uma claridade, mais alguns passos e estava na cidade. Soltei-me num puxão e corri.

N.A.E. - Um socorrista a ajudou, certamente. Se ela não corresse, este poderia tê-la auxiliado melhor.

Era noite, andei até a praça, tomei da água do chafariz.

N.A.E. - Certamente da parte fluídica da água.

Após me deitar na grama, procurei descansar. Dormi, acordei com a luz do sol. Fitei-me nas águas do chafariz, estava horrível. Aquela sujeira e a maquiagem me incomodavam, mas sabia que era preferível. Se não estivesse assim, não teria saído do Umbral.

Bonita, seria cobiçada por algum deles. Sentia-me muito sozinha, minha única amiga era Lalá, estranha amiga, mas era minha companheira. Fui procurá-la no seu exlar e achei-a.

"Como saiu?" - ela quis saber.

"Acharam-me feia. E você?"

"Sou esperta, conheço tudo por lá. Venha alimentar-se. Depois levo-a para ver
seus filhos."

Como prometeu, Lalá me levou para ver meus filhos. Chegando lá, Dulce conversava na calçada com uma vizinha.

"Dona Ivone, desde que fui ao Centro Espírita, tudo melhorou aqui em casa,meus sobrinhos estão bem, com saúde, não choram mais. Meu marido e eu os amamos como se fossem nossos. Eu me sinto bem e com saúde. Acho que Loreta entendeu que estava nos prejudicando e foi embora. Que Deus a ajude!"

Emocionei-me, vi meus filhos de longe, eles estavam brincando.

Peguei na mão de Lalá e fomos embora.

"Meus filhos, Lalá, já sofreram demais. Não posso prejudicá-los e nem a Dulce,ela e o marido cuidam bem deles."

"Por causa do Geraldo é que estão em outras mãos!"

"Não quero me vingar, que me importa ele? Sofre mais que eu! Não quero nem visitá-lo, é perigoso. Fomos presas lá."

Você diz que ele sofre, e você não? Só que ele é culpado e você inocente!

Afinal que você quer? Você é muito bonita e só me atrapalha. Não a quero mais perto de mim. Estou com muitos planos e você não faz parte deles. Adeus!"

Lalá foi embora, voltei à praça e pus-me a chorar, chorei tanto que as lágrimas me lavaram o rosto.

"Que estranho! Você parece fantasiada de feia! Venha cá, boneca, vou levá-la" - disse um desencarnado, que fora mau quando encarnado, pegando-me pelo braço.

Tive que lutar com ele. Quando me largou, saí correndo e me escondi, ele ficou xingando. Quando vi que ele foi embora, voltei e me fitei nas águas do chafariz, estava com a maquiagem danificada, aparecia uma parte bonita do meu rosto. Pensei e resmunguei:

"Meu Deus! Se fico bonita de novo não sei o que acontecerá comigo. Odeio ser bonita! Na Terra entre os encarnados não há lugar para mortos do corpo. Acho que tenho que ir para um lugar próprio. Necessito de ajuda, mas ajuda mesmo. Acho que vou naquele Centro Espírita, lá me trataram tão bem, talvez eles possam me ajudar."

Senti vergonha de pedir ajuda, depois de tê-la recusado e ter sido mal-educada. Mas o medo e a vontade de ser socorrida foram maiores e fui. Temi encontrar com desencarnados arruaceiros. Era dia e o Centro Espírita estava fechado. Bati na porta e aguardei. Uma pessoa desencarnada de aspecto agradável me atendeu.

"Por favor, pelo amor de Deus me socorre, necessito de ajuda" - disse a chorar.

N.A.E. - Em quase todos os Centros Espíritas, juntamente com a construção material, há uma construção da mesma matéria de que são feitas as Colônias, cidades Espirituais. Esta trabalhadora abriu a porta desta construção e Loreta com ajuda dela atravessou a porta material.

"Entre, sente aqui e tome isto. Você sofreu muito para entender e pedir ajuda. Vamos ajudá-la. Logo a levaremos para um hospital."

N.A.E. - Deu-lhe água fluidificada.

Senti-me melhor, ali sentia proteção. De fato, logo me levaram para um hospital em um Posto de Socorro. Desta vez, foi diferente, fui obediente e logo me recuperei. Quando fiquei boa, passei a aprender e a trabalhar.

Loreta calou-se. Suspiramos juntas e sorrimos. Perguntei:

- E Geraldo e seus filhos?

- Meus filhos estão bem, já estão mocinhos. Geraldo ainda está na prisão.

Tenho ido vê-los quando tenho permissão.

- E o farmacêutico?

- Ele foi socorrido. Pessoa boa, aceitou o socorro e está muito bem, está tentando ajudar o Geraldo.

- E Lalá?

- A esposa de seu ex-marido foi a um Centro Espírita buscando ajuda, assim ela foi orientada e socorrida, está bem em outra Colônia. Patrícia, há muitas encarnações tenho sido vaidosa. Já fui casada com o espírito que é Geraldo nesta e traí-o muitas vezes, fazendo-o sofrer muito por ciúmes.

Calamos e meditamos. Mas logo lembrei que tinha de escrever a redação.

Despedi-me de minha amiga.

- Loreta, tenho que ir. Obrigada!

Loreta sorriu, de fato é belíssima, uma das mais perfeitas belezas humanas que
já vi.


Patrícia / Espírito
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / médium.
bjs,soninha


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