quinta-feira

Nossos Filhos São Espíritos // 26

26

DO ESTADO SÓLIDO AO GASOSO


JÁ QUE TANTO FALAMOS DA VIDA, precisamos falar também da morte,que é uma diferente modalidade de vida, e até que não muito diferente, sob certos aspectos.

À medida que a existência prossegue e crescemos e nos casamos e envelhecemos, pessoas queridas vão morrendo à nossa volta. Há pouco falava eu de minha mãe, que partiu a um tempo em que eu, já adulto, e razoavelmente instruído acerca da realidade espiritual, estava convencido de que a separação é apenas temporária, ainda que possa durar alguns anos, pois também eu, como todas as pessoas, renasci programado para voltar à dimensão espiritual de onde vim. A vida aqui é apenas um estágio de aprendizado e trabalho, etapa de um ciclo evolutivo, como os diferentes níveis de ensino das escolas que frequentamos.

A medida em que vamos sendo aprovados em testes, sabatinas, exames vagos , escritos e orais, vestibulares,mestrado ou doutorado, vamos seguindo em frente, rumo a novos patamares.Um dia será o da “formatura”, espécie de colação de grau de cósmicas dimensões, a partir da qual não mais teremos de voltar ao que, na conhecida prece católica, se chama de “vale de lágrimas”. Teremos, por essa época, escapado para sempre ao que os místicos orientalistas chamam a “roda da reencarnação”.

A caminhada prosseguirá daí em diante, mas não mais estaremos atados,de tempos em tempos, a um corpo físico que nos impõe tantas limitações, a fim de que possamos realizar esse longuíssimo curso, em que aprendemos o ABC da vida.

Escrevendo certa vez a Godofredo Rangel (A barca de Gleyre), amigo de muitos anos e de muitas cartas, dizia Monteiro Lobato que a morte é apenas uma mudança de estado: passamos do estado sólido ao gasoso.

Isso tudo não quer dizer, porém, que não sintamos, com maior ou menor intensidade, a morte de parentes e amigos, e até simples conhecidos. As partidas são sempre carregadas de certo conteúdo emocional, seja uma simples despedida de quem vai passar férias em local mais distante.

Sentimos falta do filho que foi trabalhar fora, da filha que se casou, do irmão que foi viver em outra parte do mundo e até do bom colega de trabalho quando se transferiu para outra filial.

É apenas natural e compreensível que sintamos a morte dos que fazem parte integrante do nosso grupo espiritual, especialmente aqueles que mais amamos, pelas suas virtudes e pelo grau de afinidade e entendimento, parentes ou não.

Com maior razão e impacto, potencializa-se a dor resultante da perda de um filho ou filha, qualquer que seja sua idade, ou as condições que interromperam sua existência na carne. Nos primeiros momentos da dor, mal percebemos as tentativas de consolo e raramente tomamos conhecimento consciente das palavras de carinho e solidariedade que nos trazem amigos e parentes.

Tudo parece irremediável, a perda se nos afigura definitiva, a dor inconsolável, a aflição insuportável. É inútil, nesses momentos de intensa crise emocional, desejar que a pessoa estanque as lágrimas e volte a sorrir, por um inadmissível passe de mágica. É preciso dar tempo ao tempo para que as emoções em tumulto se acomodem em outro nível e possamos dar prosseguimento ao ofício de viver, por maiores que sejam nossos desencantos e mais profundos os desalentos. 

Há, quase sempre, à nossa volta, outros seres que necessitam de nós, tarefas que solicitam nossa participação, ou atividades que simplesmente não podem ser abandonadas. A vida não tem ponto final, apenas vírgulas, pontos e vírgulas, reticências, exclamações e interrogações, e muitos traços de união.

Não somos ilhas, mas partículas, como dizíamos atrás, de um só continente ou, se quiser, fótons — menos ou mais luminosos — que integram um só foco de luz, pois em Deus vivemos e nos movemos e nele temos nosso ser, como disse, de modo irretocável, nosso caríssimo Paulo de Tarso
.
Não há perdas, ninguém morre para sempre, ninguém “desaparece”, ninguém é encaminhado para uma destinação irrecorrível e final após a morte.

Se o amor nos vinculava a seres que conosco conviviam aqui, os vínculos permanecem após a morte, muitas vezes fortalecidos e consolidados.

Jamais concordo com um espírito sofredor quando me diz que alguém o amou, ou que ele amou alguém. Dizia Mário de Andrade que amar é verbo intransitivo. Acho que é, também, defectivo, pois não tem passado — é só presente e futuro. Quem uma vez amou, continua amando, se é que é amor e não paixão.

Ao escrever o belíssimo poema constante do capítulo 13 de sua Primeira Epístola aos Coríntios, Paulo preferiu o termo grego ágape, em vez de qualquer outro, para seu primoroso ensaio sobre as excelências da caridade.

Agape, esclarecemos comentaristas da Bíblia de Jerusalém, “é um amor de benevolência que quer o bem alheio”, e não o amor passional e egoísta.

Tão puro e belo é esse tipo de amor fraterno que os tradutores preferiram traduzir ágape com o termo caridade. Releiam, porém, o texto, a partir do versículo 4, pondo, em vez de caridade, o termo amor:

“O amor é paciente, é benéfico; o amor não é invejoso, não é temerário; não se ensoberbece, não é ambicioso, não busca seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre. O amor não acaba nunca.”

Como poderia acabar se é da própria essência de Deus?

Por isso, o amor sobrevive com o espírito, pois este também não morre jamais, apenas muda de estado, como dizia Lobato.

A pessoa que partiu para o outro lado da vida não deixa para sempre aqueles que ficaram; apenas adiantou-se um pouco mais, por alguma razão que, um dia, conheceremos. Quando chegar nossa vez de partir, os que se anteciparem a nós, se de fato nos amaram, lá estarão à nossa espera, com o mesmo sorriso de felicidade, o mesmo abraço amigo, o mesmo coração generoso. É só uma questão de tempo e paciência, aceitação e serenidade.

As leis divinas são severas quanto à rebeldia, à impaciência, à revolta, à falta de aceitação daquilo que nos é prescrito. É duríssimo para um casal, como certos amigos meus, assistir, impotente, à inexorável partida do filho único, belo, inteligente, cheio de vida e esperanças, recém-formado por uma universidade, que se preparava para um futuro promissor. Mesmo conscientes de importantes aspectos do mecanismo das leis divinas, é certo que muito sofreram e foi longo o período de recuperação, a retomada da vida naquele ponto sensível, onde se fez o grande silêncio da separação. 

Esses, contudo, sabiam que somos todos espíritos imortais e estamos aqui de passagem, e, 117 ainda que sofridos e desalentados, aceitaram, confiantes, a determinação da lei, pois sabem muito bem que ela não é punitiva e sim corretiva. Alguma situação passada, esquecida, mas documentada na memória integral dos espíritos, certamente há de explicar a motivação de toda aquela dor.

Além do mais, como ficou dito alhures, neste livro, antes de serem nossos, os filhos são de Deus, que apenas no-los confia, por algum tempo.

Não somos donos deles, não são propriedade nossa, particular, sobre a qual tenhamos posse e domínio, como dizem as escrituras de cartório.

São companheiros de jornada que vieram caminhar uma parte da estrada conosco e, de repente, se foram, para aguardar-nos um pouco mais adiante, no tempo.

Junto ao leito de Magdalena, sua filha adolescente, Lutero chorava e rezava:

— Senhor — dizia ele —, eu a amo muito, mas se é da Tua vontade tomá-la, eu concordo.

Como eu gostaria de ficar com ela! Mas, Senhor, que Tua vontade se faça. Nada melhor poderia acontecer-lhe.

Em seguida, voltando-se para a menina, agonizante, manteve com ela um pequeno e comovente diálogo:

— Minha querida Magdalena, você bem que desejaria ficar junto de seu pai, não é mesmo? Você irá voluntariamente para junto de teu Pai, que está lá em cima?

— Sim, querido papai — respondeu ela. — Como Deus achar melhor.

— Sim, filha, você também tem um pai no céu, e é para ele que você irá.

Mas a dor também estava lá, sufocando as consolações de sua fé, e ele, virando-se para os amigos presentes, comentou:

— O espírito é forte, mas a carne é fraca. Amo-a tanto!

— O afeto dos pais — comentou Melanchthon — é a imagem do amor divino. Se o amor de Deus em relação aos seres humanos é tão grande quanto o dos pais pelos seus filhos, pode-se dizer que tal amor é uma chama.

Quando, afinal, a menina partiu, às nove horas da manhã do dia seguinte,

Lutero comentou, sufocado pelas lágrimas: 
— Sinto-me tão feliz em espírito, mas muito triste segundo a carne. Ai de mim, a carne recusa-se a concordar. A separação é muito dolorosa. Não é admirável saber-se que, de tanto haver sofrido, ela está, agora, em paz, em um lugar excelente?

Mesmo convictos da continuidade da vida após a morte do corpo, não podemos simplesmente ignorar a dor, como quem desliga um circuito elétrico com o mero toque de um interruptor. O espírito sabe e quer, mas, como lembrou Lutero, a carne é fraca e discorda, e por isso a visão através dela fica nublada pelas lágrimas.

Lembro-me de estar em situação semelhante várias vezes, e se ainda viver mais algum tempo poderei confrontar-me de novo com essa realidade.

Uma dessas oportunidades foi quando morreu minha avó.

Estava bem velhinha, a pobre querida, e um tanto incerta nos seus passos, mas lúcida e participante. Sempre que ia ver minha gente, a primeira visita, depois dos cumprimentos da chegada, era ao seu quartinho quieto e limpíssimo. Ela estaria, usualmente, com uma peça de costura ou de crochê nas mãos, muito junto aos olhos, mas sem óculos, pois jamais precisou deles.

Tomava-lhe a bênção, beijando-lhe a mão magrinha e elegante, e por ali emoções em tumulto se acomodem em outro nível e possamos dar prosseguimento ao ofício de viver, por maiores que sejam nossos desencantos e mais profundos os desalentos. Há, quase sempre, à nossa volta, outros seres que necessitam de nós, tarefas que solicitam nossa participação, ou atividades que simplesmente não podem ser abandonadas. 

A vida não tem ponto final, apenas vírgulas, pontos e vírgulas, reticências, exclamações e interrogações, e muitos traços de união. Não somos ilhas, mas partículas, como dizíamos atrás, de um só continente ou, se quiser, fótons — menos ou mais luminosos — que integram um só foco de luz, pois em Deus vivemos e nos movemos e nele temos nosso ser, como disse, de modo irretocável, nosso caríssimo Paulo de Tarso.

Não há perdas, ninguém morre para sempre, ninguém “desaparece”, ninguém é encaminhado para uma destinação irrecorrível e final após a morte.

Se o amor nos vinculava a seres que conosco conviviam aqui, os vínculos permanecem após a morte, muitas vezes fortalecidos e consolidados.

Jamais concordo com um espírito sofredor quando me diz que alguém o amou, ou que ele amou alguém. Dizia Mário de Andrade que amar é verbo intransitivo. Acho que é, também, defectivo, pois não tem passado — é só presente e futuro. Quem uma vez amou, continua amando, se é que é amor e não paixão.

Ao escrever o belíssimo poema constante do capítulo 13 de sua Primeira Epístola aos Coríntios, Paulo preferiu o termo grego ágape, em vez de qualquer outro, para seu primoroso ensaio sobre as excelências da caridade.

Ágape, esclarecemos comentaristas da Bíblia de Jerusalém, “é um amor de benevolência que quer o bem alheio”, e não o amor passional e egoísta.

Tão puro e belo é esse tipo de amor fraterno que os tradutores preferiram traduzir ágape com o termo caridade. Releiam, porém, o texto, a partir do versículo 4, pondo, em vez de caridade, o termo amor:

“O amor é paciente, é benéfico; o amor não é invejoso, não é temerário; não se ensoberbece, não é ambicioso, não busca seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre. O amor não acaba nunca.”

Como poderia acabar se é da própria essência de Deus?

Por isso, o amor sobrevive com o espírito, pois este também não morre jamais, apenas muda de estado, como dizia Lobato.

A pessoa que partiu para o outro lado da vida não deixa para sempre aqueles que ficaram; apenas adiantou-se um pouco mais, por alguma razão que, um dia, conheceremos. Quando chegar nossa vez de partir, os que se anteciparem a nós, se de fato nos amaram, lá estarão à nossa espera, com o mesmo sorriso de felicidade, o mesmo abraço amigo, o mesmo coração generoso. É só uma questão de tempo e paciência, aceitação e serenidade.

As leis divinas são severas quanto à rebeldia, à impaciência, à revolta, à falta de aceitação daquilo que nos é prescrito. É duríssimo para um casal, como certos amigos meus, assistir, impotente, à inexorável partida do filho único, belo, inteligente, cheio de vida e esperanças, recém-formado por uma universidade, que se preparava para um futuro promissor. 

Mesmo conscientes de importantes aspectos do mecanismo das leis divinas, é certo que muito sofreram e foi longo o período de recuperação, a retomada da vida naquele ponto sensível, onde se fez o grande silêncio da separação. Esses, contudo, sabiam que somos todos espíritos imortais e estamos aqui de passagem, e, 117 ainda que sofridos e desalentados, aceitaram, confiantes, a determinação da lei, pois sabem muito bem que ela não é punitiva e sim corretiva. 

Alguma situação passada, esquecida, mas documentada na memória integral dos espíritos, certamente há de explicar a motivação de toda aquela dor.

Além do mais, como ficou dito alhures, neste livro, antes de serem nossos, os filhos são de Deus, que apenas no-los confia, por algum tempo.

Não somos donos deles, não são propriedade nossa, particular, sobre a qual tenhamos posse e domínio, como dizem as escrituras de cartório.

São companheiros de jornada que vieram caminhar uma parte da estrada conosco e, de repente, se foram, para aguardar-nos um pouco mais adiante, no tempo.

Junto ao leito de Magdalena, sua filha adolescente, Lutero chorava e rezava:

— Senhor — dizia ele —, eu a amo muito, mas se é da Tua vontade tomá-la, eu concordo.

Como eu gostaria de ficar com ela! Mas, Senhor, que Tua vontade se faça. Nada melhor poderia acontecer-lhe.

Em seguida, voltando-se para a menina, agonizante, manteve com ela um pequeno e comovente diálogo:

— Minha querida Magdalena, você bem que desejaria ficar junto de seu pai, não é mesmo? Você irá voluntariamente para junto de teu Pai, que está lá em cima?

— Sim, querido papai — respondeu ela. — Como Deus achar melhor.

— Sim, filha, você também tem um pai no céu, e é para ele que você irá.

Mas a dor também estava lá, sufocando as consolações de sua fé, e ele, virando-se para os amigos presentes, comentou:

— O espírito é forte, mas a carne é fraca. Amo-a tanto!

— O afeto dos pais — comentou Melanchthon — é a imagem do amor divino. Se o amor de Deus em relação aos seres humanos é tão grande quanto o dos pais pelos seus filhos, pode-se dizer que tal amor é uma chama.

Quando, afinal, a menina partiu, às nove horas da manhã do dia seguinte,

Lutero comentou, sufocado pelas lágrimas:

— Sinto-me tão feliz em espírito, mas muito triste segundo a carne. Ai de mim, a carne recusa-se a concordar. A separação é muito dolorosa. Não é admirável saber-se que, de tanto haver sofrido, ela está, agora, em paz, em um lugar excelente?

Mesmo convictos da continuidade da vida após a morte do corpo, não podemos simplesmente ignorar a dor, como quem desliga um circuito elétrico com o mero toque de um interruptor. O espírito sabe e quer, mas, como lembrou Lutero, a carne é fraca e discorda, e por isso a visão através dela fica nublada pelas lágrimas.

Lembro-me de estar em situação semelhante várias vezes, e se ainda viver mais algum tempo poderei confrontar-me de novo com essa realidade.

Uma dessas oportunidades foi quando morreu minha avó.

Estava bem velhinha, a pobre querida, e um tanto incerta nos seus passos, mas lúcida e participante. Sempre que ia ver minha gente, a primeira visita, depois dos cumprimentos da chegada, era ao seu quartinho quieto e limpíssimo. Ela estaria, usualmente, com uma peça de costura ou de crochê nas mãos, muito junto aos olhos, mas sem óculos, pois jamais precisou deles.

Tomava-lhe a bênção, beijando-lhe a mão magrinha e elegante, e por ali ficava a conversar com ela e podia ver o quanto se sentia feliz em estar comigo e saber que eu a amava.

Eu é que não imaginava o tamanho do vazio que sua partida deixaria em meu espaço interior.

Ajudei a levar seu leve corpo cansado ao cemitério e fiquei um pouco mais, depois que os outros se retiraram. Queria orar em silêncio por ela. Mas a prece achou de vir sob forma de lágrimas, que me escorriam, sem cessar, pelo rosto abaixo, suscitadas por um profundo sentimento de saudade antecipada.

Não tinha, porém, o sabor amargo da revolta. Como dissera Lutero, Deus a queria de volta, e quem era eu para dizer que não?

Passado aquele momento de emoção, retirei-me dali, confiante e tranqüilo. Ela estava em boas mãos, “na mão de Deus, na Sua mão direita”, como escreveu Anthero de Quental.

Não há, pois, palavra de consolo ante a partida de um ente querido, apenas a de solidariedade, a da ternura fraterna, O consolo virá depois, quando entendermos e aceitarmos a morte pelo que realmente é — ou seja, breve separação, nada mais que isso.

Uma verdade nem sempre reconhecida poderá abreviar esse período de angústia. É a de que a aflição dos que ficam e o inconformismo do desespero repercutem, como espinhos envenenados, no coração daquele que partiu. E esse o unânime testemunho das mensagens póstumas. Tanto quanto a dor contida é testemunho do amor, a aflição do desespero, vizinho da rebeldia, constitui redobrada angústia para o que se foi. São lágrimas, essas, que em vez de levarem uma mensagem de consolo e saudade ao espírito revolvem-se em correntes de aço que o prendem aos desenganos e frustrações da Terra, e criam obstáculos ao prosseguimento de sua jornada.

Encontramos, às vezes, um tipo exaltado de ligação afetiva que pouco falta — quando falta — para ser sentimento de posse, como se Deus não tivesse o direito de determinar, através do infalível mecanismo de suas leis, a melhor maneira de conduzir-nos pelos roteiros da evolução. É como se o pai e a mãe desesperados reclamassem de Deus por ter tido a “ousadia” de privá-los da companhia de um filho ou filha. Afinal de contas, hão de pensar, ela era minha filha, ou ele era meu filho!

Outros tantos, informados — e não muito bem — da possibilidade de intercâmbio com os espíritos, querem logo, a toda força, saber notícias do ente que partiu. E se nada conseguem, ou se o que conseguem não os convence, redobram as reclamações e se revoltam contra Deus e contra as religiões em geral que, no seu entender, de nada lhes serviram na hora da dor.

No entanto as coisas não se passam assim. Como muito bem costuma dizer nosso querido Chico Xavier, a ligação com o mundo póstumo só funciona de lá para cá, e quando possível e permitido. Não se pode exigir, daqui, que nossos “mortos” nos falem a qualquer momento que desejarmos, como quem faz uma ligação internacional pelo sistema DDI. O mundo espiritual tem suas ordenações e leis próprias, respeitáveis e respeitadas.

O trabalho desenvolvido pelo Chico, na fase final de sua longa e fecunda existência, voltou-se para esse aspecto da vida — o da palavra de consolo.

São incontáveis os depoimentos de seres, principalmente jovens e, entre estes, com predominância os que morreram em acidentes de trânsito. Não é só aproximar-se a mãe inconsolável, do Chico, para que ele mande chamar o espírito do filho morto e o obrigue a dar uma mensagem, na hora.

Há uma disciplina a ser considerada, um sistema de prioridades e possibilidades a observar.

Não há como fazer exigências, reclamar atenção, ignorar empecilhos ou impor condições.

Os testemunhos podem vir, e virão, quando possível, sob normas que ignoramos, segundo um contexto que desconhecemos, em suas minúcias e disciplina. Em muitos e muitos casos, temos de nos contentar com a convicção de que o ser que partiu continua vivo, consciente e feliz (ou infeliz), segundo suas próprias condições espirituais. Não agravemos sua situação de mal-estar nem perturbemos sua tranqüilidade com o incontrolado e rebelde desespero.

Infinitamente mais inteligente e humano é orar por ele ou ela, em paz, ainda que com saudade.

A prece é sedativo para a alma que ora, tanto quanto para aquela que recebe suas vibrações. O que desejam de nós os espíritos que se foram é que possamos dar prosseguimento à nossa vida, realizando-nos na prática do bem e do amor ao próximo, para que um dia possamos estar juntos novamente, mas não com a possessiva exclusividade dos egoístas.

Ninguém é de ninguém, porque somos todos de Deus. O filho de hoje poderá ter sido o pai ou o irmão de uma vida passada, ou de uma existência que ainda está nas brumas do futuro.

Não há separações para aqueles que se amam, mas há, sim, para aqueles que se julgam proprietários dos outros, apenas porque lhes proporcionaram um corpo físico para viverem por algum tempo na Terra.

Por isso, dizia Edgar Cayce, o sensitivo americano, que “o amor não é possessivo, ele apenas é”.

Paz a todos...

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