domingo

Não é preciso "Torcer o Pepino"

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NÃO É PRECISO “TORCER O PEPINO” 
       MEU LIVRO A MEMÓRIA E O TEMPO começa com a narrativa de uma regressão de memória durante a qual a sensitiva descreve o procedimento adotado nos primeiros estágios da iniciação, no Antigo Egito. Os testes, que ela não apenas descreve, mas dos quais revela alguns segredos, serviam para proceder-se a uma avaliação preliminar do candidato. Se ele fosse aprovado, mesmo assim ficaria, por prazo indeterminado, sob observação atenta e competente, ainda que não ostensiva. Já ficara demonstrado que reunia algumas condições para o ensinamento superior, mas  não bastavam as aptidões reveladas nas provas. 

Muito mais do que aquilo era exigido para que ele fosse admitido ao intenso aprendizado, que implicava severo regime disciplinar. 
       
Vencida esta fase, ele era levado a uma câmara secreta, onde era submetido à regressão de memória. Habilmente orientado e interrogado, ele mergulhava fundo nos arquivos de sua memória integral, a fim de reunir os dados pessoais necessários ao seu programa de trabalho para a vida que tinha pela frente na Terra. 

Seus mestres e orientadores ficavam, dessa maneira, informados de traços predominantes de seu caráter,  de faculdades desenvolvidas em existências anteriores, experiências que trazia do passado, tendências a corrigir, conhecimentos e recursos a expandir, tarefas a realizar, preferências por esta ou aquela atividade, compromissos assumidos no mundo espiritual, envolvimento pessoal com personalidades vivas, na carne, ou ainda na condição de espírito, e inúmeros outros aspectos semelhantes. 
       
De posse de todos esses elementos, tornava-se relativamente fácil compor um quadro nítido da pessoa e do programa de trabalho que melhor lhe assentava, dentro de seus compromissos e objetivos pessoais e coletivos. 
       
Nós, porém, pessoas comuns, vivendo uma época de tumulto ideológico, em que os grandes valores da vida são questionados  e o conhecimento de aspectos transcendentais perderam-se ou foram aviltados, como devemos proceder para melhor encaminhamento de filhos, netos, parentes e amigos? 

A verdade é que não dispomos de condições para fazê-lo tal como no Egito. E ainda que dispuséssemos (Há gente fazendo regressão de memória a tantos cruzeiros ou dólares por vida...), muitas regressões seriam realizadas em pessoas totalmente despreparadas, por outras igualmente sem preparo suficiente, e sem qualquer finalidade, senão a mera curiosidade (esta, sim, gratuita), apenas interessada em saber quem fomos no passado. 

Como o leitor percebeu, a regressão no Egito somente era feita em pessoas que, comprovadamente, haviam demonstrado, nos testes de avaliação, condições suficientes e necessárias ao procedimento. 
Além do mais, a regressão tinha uma finalidade nobre e específica, qual seja a de levantar uma espécie de mapa psicológico, intelectual e ético da pessoa, a fim de ajudá-la a desenvolver, na vida terrena, atividades para  as quais havia sido programada no mundo espiritual. E mais, em pessoas  que houvessem demonstrado estar em condições de tornar conhecimento de eventos documentados na sua memória sem se perturbarem com  as lembranças suscitadas. 

Nada disso temos condições de fazer hoje, porque, embora recuperada a técnica da regressão em si, que não oferece dificuldade insuperável, não temos à nossa disposição aqueles seres excepcionais, mestres de profunda sabedoria, que manipulavam com notável competência e respeito os secretos arquivos da mente humana. 

Por outro lado, o leitor pode estar pensando que, uma vez que nossos filhos renascem, via de regra, com tão rico acervo  de experiências e conhecimentos, nada há que possamos ou precisemos fazer para ajudá-los. 

Nada disso. Podemos, sim, e como! E devemos fazê-lo, como vimos há pouco, páginas atrás. 

Pelo fato de renascer em sua família um espírito como Beethoven, Einstein ou da Vinci, você iria cruzar os braços desalentado ou indiferente? 

A verdade é bem outra. Em primeiro lugar, porque passamos todos, em maior ou menor extensão, por um período de recapitulação e reaprendizado, adaptação e preparo. Einstein renascido será novamente um bebê chorão, no qual a mamãe vai precisar trocar-lhe as fraldinhas, dar-lhe de mamar, ensinar-lhe os primeiros passos, repreendê-lo por uma ou outra manha e até, quem sabe, administrar-lhe oportunas palmadas, na região própria, na hipótese de uma rebeldia maior. É até possível que ele seja sujeito a pesadelos, por ter concorrido de maneira tão decisiva para que fossem produzidas as primeiras bombas nucleares. 

As vezes nasce, também, um Mozart, extremamente precoce, que mesmo aos quatro ou cinco anos de idade na carne consegue superar inibições e bloqueios físicos para expressar as maravilhosas concepções que traz no fundo do ser. Aliás, poucos fenômenos constituem evidência tão veemente da reencarnação como a precocidade dos gênios, que já vêm sabendo tudo o que precisam saber. 
São pessoas que, obviamente, trazem longa e consolidada experiencia na atividade que começam a desenvolver, seja no campo das artes, das ciências, ou em qualquer outro. Alguém precisou ensinar estratégia militar a Napoleão? Pois ele não sabia disso desde que fora Alexandre ou Júlio César, pelo menos? Quem precisaria ensinar física a Einstein, que como Demócrito, na Grécia, já falava do átomo? Quem iria ensinar política a Rui Barbosa, que vinha de uma existência fecunda (e recente) como José Bonifácio de Andrada e Silva? 

Seja qual for, porém, a grandeza e a experiência ou maturidade do espírito que vem renascer junto de nós, precisará sempre de apoio no período em que está promovendo os necessários ajustes no novo corpo que recebeu dos pais para viver na Terra. O ser humano tem uma longa infância, a maior de todos os animais. 

Um cachorro, com três anos, é adulto, tanto quanto um boi ou um cavalo. Os pássaros precisam apenas de umas poucas semanas; os insetos, de horas, ou, no máximo, de poucos dias. O ser humano com sete anos ainda é um infante indefeso que não tem nem como alimentar-se adequadamente se for abandonado aos seus próprios recursos. 
Com a crescente exigência de formação cultural para enfrentar os desafios da competição numa sociedade em crescente grau de sofisticação, ele, ou ela, somente estará pronto para o trabalho, em pé de igualdade com seus semelhantes, ao se aproximar dos 30 anos, ou além. 

Enquanto isso ocorre, há toda uma estrutura de apoio, uma logística de desenvolvimento físico, moral, psicológico, cultural e social. A criança, mesmo genial, precisa ser orientada, encaminhada e corrigida em suas tendências de agressividade, por exemplo, ou de desleixo, preguiça e indiferença, tanto quanto estimulada a desenvolver faculdades incipientes que não exigem grande esforço de observação para serem identificadas. 
Os pais precisam estar atentos, observando com serenidade e, tanto quanto possível, sem que a criança se sinta estudada, pesquisada e vigiada como um bacilo ou cobaia de laboratório. O instrumento preferencial para essa busca é a conversa, a comunicação. 
Por isso recomendamos, logo de início, conversar com os bebês, mesmo na fase em que não têm condições para nos responderem da maneira que gostaríamos, ou seja, também conversando conosco. 
Pelo menos estarão sabendo o que pensamos a respeito deles e do mundo que nos cerca. Mais do que isso, porém, estaremos abrindo canais de comunicação com eles, tendo acesso ao pequeno cosmos individual que cada um de nós traz consigo. 

A criança não é dotada de toda essa plasticidade que se proclama por aí, barro macio do qual podemos fazer aquilo que desejarmos. Há quem costume dizer que “é de pequeno que se torce o pepino”. Mas não é bem assim que funcionam as coisas. Isso não quer dizer, contudo,  que a criança deva ser abandonada às suas inclinações, quaisquer que sejam, ou, ao reverso, oprimidas ao ponto de ficarem sem espaço para movimentação de sua personalidade. 

É claro que espíritos rebeldes, agressivos, dados à violência ou à crueldade, precisam ser reorientados através de um  regime disciplinar sem exageradas severidades, mas firme. Fazer-lhes todas as vontades, realizar-lhes todos os caprichos e fantasias, achar uma gracinha todas as suas demonstrações de falta de civilidade corresponde a  um processo de deseducação que irá contribuir para que se consolidem tendências negativas já em si mesmas de difícil erradicação. 

Se me permite o leitor, poderemos ilustrar os aspectos teóricos desse jogo de interesses e tendências com uma historinha  que você, se assim o entender, poderá tomar como fictícia. Tanto me impressionou esse episódio que escrevi sobre o tema um artigo, em inglês, publicado nos Estados Unidos, creio que em 1965, e o reescrevi, muitos anos depois, desta vez em português, para publicação no Brasil. 

Convencido de que o compositor Felix Mendelssohn-Bartholdy fora a reencarnação de Wilhelm Friedemann Bach, um dos filhos do grande Johann Sebastian, estabeleci um paralelo entre as duas vidas, que ocorreram na Alemanha, com um intervalo de vinte e cinco anos entre elas. Ou seja, Friedemann morreu em 1788, aos 74 anos de idade, enorme talento esbanjado numa existência de indisciplina e desajustes; enquanto Mendelssohn nasceria em 1809, para morrer em 1847, com apenas 38 anos de idade. 

O desenvolvimento dessa vida, como Mendelssohn, relativamente curta, parece indicar que sua tarefa específica consistiu mesmo em recriar condições para que a magnífica música de Johann Sebastian Bach fosse posta no lugar de honra e destaque que lhe era devido. E que Wilhelm Friedemann tratara com lamentável descaso a obra de seu genial pai, e muito contribuiu para que ela fosse logo esquecida, mesmo porque originais de importantes partituras se perderam por sua culpa, algumas para sempre. 

Um espírito assim, tão generosamente bem-dotado, porém bastante irresponsável e indolente, desordenado e rebelde, certamente precisa de pais amorosos, compreensivos e dedicados, mas que sejam, também, severos disciplinadores. Foi o que aconteceu a Felix, que renasceu em família rica, harmoniosa, inteligente e culta. 

Tanto seu pai Abraham como sua mãe Lea Salomon demonstraram raro equilíbrio emocional entre a severidade disciplinar para com os filhos e um excelente relacionamento de compreensão e amor. 

Submetidos a esse regime disciplinar, contando com o apoio financeiro e amoroso dos seus, Felix pôde desenvolver seu vasto  talento, com uma precocidade segura de quemjá viera sabendo de tudo aquilo. 

Tenho minhas dúvidas de que ele houvesse conseguido realizar tanto, em apenas trinta e oito anos de existência física, não fosse aquele maravilhoso grupo de amigos espirituais entre os quais renasceu. 

Um firme regime de disciplina, portanto, é perfeitamente compatível com um relacionamento amadurecido, afetuoso e criativo. As vezes até parece que o grande Bach, do mundo espiritual, ajudava a supervisionar seu trabalho e até escrevia música pelas mãos de Felix, como se pode inferir ao ouvir a belíssima introdução da Terceira Sinfonia, denominada Escocesa, uma homenagem a Mary Stuart. 

Posso acrescentar uma nota, na qual também não exijo que o leitor acredite: encontrei Wilhelm Felix reencarnado novamente, desta vez no Brasil. 

O imenso talento e a apurada sensibilidade continuam lá, no seu espírito, mas como não conseguiu dominar de todo as tendências dispersivas do passado, não se realizou, desta vez, como seria de esperar-se de seu magnífico potencial. Recaiu na antiga fase de indisciplina mental e segue pela vida a esbanjar talento, indiferentemente, tanto quanto nos tempos em que era Friedemann. 

É lenta, sem dúvida, nossa caminhada evolutiva, e embora o espírito não regrida, como nos ensinam os que sabem de tais coisas, podemos ter recaídas, quando as conquistas espirituais ainda não estão bem consolidadas. 

Com o que voltamos a cometer o mesmo tipo de equívoco, do qual já de há muito poderíamos estar livres se exercêssemos um pouco mais de autodisciplina. 

Não digo, pois, que “é de pequeno que se torce o pepino”, nem que “pau que nasce torto nunca endireita”. Nada disso! Não é preciso torcer o pepino, basta regá-lo com o orvalho de nosso afeto, evitando que predadores ou pragas o ataquem. Não há, porém, a menor dúvida de  que, se temos em relação aos filhos uma grave responsabilidade, cabe-nos uma quota correspondente de autoridade. Essa autoridade deve  e precisa ser exercida, com amor mas, também, com firmeza; sem berros e pancadarias, mas sem tibiezas. Há o momento do —Não! tanto quanto o do — Sim.
Como vimos, há uma sólida razão para que o espírito recém-encarnado viva um período em que se torna mais acessível à influência e ao aconselhamento orientador. Tenho visto pais arrependidos de haverem sido excessivamente tolerantes com o que encaravam como meras travessuras de seus filhos, mas nunca os ouvi lamentarem-se por terem sido severos, a não ser que hajam cometido algum excesso. 

Estranho como pareça, é comum ouvirmos filhos adultos manifestarem seu reconhecimento pelo regime disciplinar a que foram submetidos na infância. E não raro ouvimo-los lamentarem a fraqueza dos pais ante suas turbulências ou o desinteresse deles em dar combate às tendências negativas de caráter dos filhos. Não é fazendo todas as suas  vontades que estaremos demonstrando nosso amor por nossos filhos. Pode haver perfeito equilíbrio entre respeito e descontração, entre liberdade e disciplina, entre amor e autoridade. 

Estaremos, assim, ajudando-os a desenvolverem suas  potencialidades.de vez que para isso foram eles programados pela mãe natureza. Quanto ao pau torto... também precisa de apoio e compreensão. Um dia ele perceberá, pela sombra que projeta no chão, que é feio ser torto. Por isso, da próxima vez que ele “reencarnar-se através de uma de suas sementes ou mudas, ele próprio vai cuidar de crescer reto e elegante, na direção do céu azul, como toda árvore que se preza. 

Deus nos deseja purificados e redimidos, mas não nos atropela, nem exerce sobre nós qualquer pressão insuportável ou deformadora. Prefere que cresçamos, física e espiritualmente, segundo nosso  próprio ritmo pessoal, dentro de um esquema em que o máximo possível de espaço nos é concedido para fazê-lo. 

Certamente, a disciplina é ingrediente indispensável à receita de viver. Ainda há pouco me dizia um espírito muito amado que se Deus exagerasse sua complacência conosco, não teríamos oportunidade de evoluir. 

Em suma, não se torce o pepino, ele deve ser cultivado. E por falar em Deus, a que tipo de religião ou crença devem nossos filhos ser encaminhados? Ou será que é melhor levá-los logo à descrença, para que eles próprios decidam o que fazer? 

É o que vamos considerar a seguir. 
 Paz a todos...

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