sexta-feira

Morri ! e Agora ? // 08


Capítulo 8
O Suicida
Estava muito preocupado e não me sentia bem. Dava muita importância ao dinheiro, colocando-o em primeiro lugar na minha vida, e com sua escassez ficava nervoso e inquieto. Nada mais tinha valor para mim; o resto era secundário e esses também não estavam bem.

Minha filha me disse ao me ver preocupado:

- Papai, diga para nós o que o está aborrecendo tanto! Sinto-o nervoso e percebo que está triste.

- Não é nada, filhinha. Deve ser somente uma indisposição.

- Acho, pai - opinou meu filho -, que estamos gastando muito dinheiro. Talvez deveríamos adiar nossa viagem ao exterior.

-Vocês, meus filhos, merecem essa viagem! - exclamei.

- Filhos - disse minha esposa -, deixem seu pai em paz. Sei bem o que está se passando. José, com certeza,está tendo um relacionamento com outra mulher e sua consciência deve estar doendo E você, meu filho, não se preocupe com a viagem. Se ele gasta dinheiro com mulheres, é justo que gastemos conosco.

- Não tenho amantes! - repliquei em tom cansado.

- Papaizinho, se o que o preocupa é grave, temos de saber.

O telefone tocou e minha filha correu para atender esquecendo-se de mim.

Quase contei a ela. Fiquei ali na sala, esquecido por eles. Pensei pela milésima vez no que ia fazer.

Ia à igreja, porém agora compreendi que tive o título de religioso, mas não o fui realmente. Não tinha religiosidade dentro de mim. Achei, naquele momento, que a igreja que frequentava não podia fazer nada por mim.

Tinha uma pequena indústria e poderíamos viver de sua renda se não fôssemos tão esbanjadores. Não conseguia negar nada aos meus dois filhos.

Anos antes, traíra minha esposa; não foi nada sério, porém ela descobriu, ficou sentida e passou a gastar muito. Achava que se não sobrasse dinheiro eu não iria gastar com outras. Para não abaixar nosso padrão de vida, fiz empréstimos. Um dia, um amigo pediu-me um dinheiro emprestado e o fiz com juros mais altos do que os bancários. Julguei que achara uma forma de ter mais rendimento. Pegava dinheiro de pequenos poupadores a uma taxa de juros baixa e emprestava com juros mais altos.

Fiz isso por anos. Mas houve mudanças financeiras do governo, tive prejuízo e gastos mais excessivos em casa. Minha dívida estava imensa e não tinha nem como pagar os juros. Era tão crítica minha situação que nem vendendo a casa na qual morávamos e a fábrica não quitaria a metade da dívida.

Pensava nas pessoas que confiaram em mim, que deixaram suas economias comigo.

"São ambiciosas!" - justifiquei. - "Seria mais garantido para eles colocar o dinheiro em bancos, mas quiseram ganhar mais, e vão perder."

Por mais que pensasse, não achava solução e não tinha coragem de dizer à família a dificuldade pela qual passávamos.

"É melhor acabar com tudo! Não aguentarei passar pela vergonha de estar arruinado e pela miséria."

Pensando somente em mim, planejei com detalhes meu suicídio, marquei até a data.

Na véspera, quis que minha esposa fizesse um jantar especial. Conversamos normalmente, disfarcei minhas preocupações.

Seguindo meu plano, entrei no escritório de nossa casa e dei um tiro no ouvido.

Não morri! Meu corpo físico sim, com o ferimento mortal, os órgãos findaram suas funções. Meu espírito, que não morreu, ficou grudado no corpo carnal. Confuso, com muita dor, vi tudo o que se passava.

Soube que havia morrido pelas conversas que ouvia, pelo choro de minha filha e pela confirmação do médico.

Foi horrível! Minha esposa que já não me amava mais, sentiu mágoa e raiva.

Somente meus filhos sofreram, eles não conseguiam entender o porquê do meu ato. Foi no velório que um amigo disse a minha mulher.

- Acho que José se matou porque tem muitas dívidas! E algumas pessoas não tiveram nem compaixão; indagavam para minha esposa e filhos sobre o dinheiro deles.

Deitado dentro de um caixão, sentia frio, sede e uma dor alucinante, como também a raiva de algumas pessoas.

Apavorei-me, queria morrer mesmo, mas isso não ocorreu: continuava vivo sabendo que já estava morto. Os seguidores da religião que seguia tinham razão, sobrevivemos à morte do corpo físico.

O desespero foi maior no enterro! Fiquei ali, no escuro, sentindo horrorizado frio e dor.

- Covarde! - falou uma voz, xingando-me. Você pegou emprestado dinheiro de minha mulher. A coitada vai passar por dificuldade por sua culpa. Por que não foi honesto?

Se sabia que não iria conseguir pagar, por que fez esse empréstimo? Por que você não ficou encarnado e tentou resolver a situação?

- Você transgrediu uma Lei Divina: "Não matarás!". Suicidou-se e agora irá sofrer! - disse outra pessoa.

- Ficará sozinho aí no escuro, mas ouvirá o que as pessoas pensam e acham de você! - falou outra voz.

Afastaram-se e fiquei ali, dentro do túmulo, no caixão. Fui piorando. Além de continuar sentindo dores, o barulho do tiro soava na minha cabeça e os vermes começaram a me comer. Que padecimento atroz!

E, aquelas vozes tinham razão, escutei pessoas dizerem que merecia estar no inferno. Outros me cobravam o dinheiro que lhes devia. O pior foi a minha família. Minha esposa me maldizia por deixá-la em situação difícil. 

Até meus filhos indagavam o porquê de não ter dito a eles sobre a nossa falência, de ter me suicidado, fugido do problema e deixado para eles resolverem.

Venderam todos os bens que possuíamos: a casa, a fábrica, e até os móveis do nosso lar. Pagaram um pouco para cada um dos credores. Mudaram de cidade. Como me foi explicado, eu soube de tudo o que ocorria com eles porque sentia os pensamentos deles. Meus filhos arrumaram emprego e residiam num apartamento pequeno. A família de minha esposa os ajudou. Não me perdoaram e tinham mágoa de mim.

A dor era tanta e o horror de ficar na escuridão era imenso, eu dava gritos alucinantes. Seria deprimente descrever tudo o que passei. O tempo foi passando e o fato foi sendo esquecido.

Um vulto começou a me falar com sua voz calma:

- José, peça perdão! Arrependa-se! Deus nos perdoa sempre!

- Mas os que prejudiquei não me perdoarão!

- Acabarão por esquecer!

Às vezes sentia-me enlouquecido, outras, raciocinava entendendo tudo. Já não gritava, gemia. Um dia, aquele vulto me tirou do túmulo, do caixão e me levou para um outro local: O Vale dos Suicidas4. Ali fiquei num canto, triste, vendo muitos sofrerem como eu. Padecíamos juntos.Naquele local, para mim mais sossegado, pensei no que fiz e me arrependi. O remorso dói e, aos poucos, a dor desse sentimento tornou-se maior do que as outras que sentira. Se pudesse voltar no tempo, com sinceridade não me suicidaria, não seria covarde abandonando os problemas e prejudicando minha família com meu ato abominável.

Muitos anos se passaram. Fui socorrido. No hospital para onde fui levado não senti mais dores no ferimento, frio, fome ou sede, somente permaneceu a dor do remorso.

Quis me recuperar, esforcei-me para isso e fui melhorando gradualmente.

Sentindo-me melhor, fui estudar para aprender a viver desencarnado e para ter amor à vida em todos os seus estágios.

O tempo passou, poucos se lembram de mim e entre eles, somente alguns guardam mágoa.

Minha ex-esposa casou-se de novo, não gosta nem de lembrar de mim, acha, e com razão, que a fiz muito infeliz, que pelo meu suicídio, passou muita vergonha e foi humilhada. Ainda não me perdoou.

Meus filhos me acham covarde, ficaram sentidos com minha atitude, mas me perdoaram Lembram-se muito pouco de mim e quando o fazem me tacham de infeliz.

Tento esquecer o sofrimento pelo qual passei por minha própria escolha, mas não é fácil, esses acontecimentos me marcaram muito. Se me lembro do momento que desencarnei, escuto o tiro, sinto a dor e choro

Estou abrigado em uma colônia que socorre suicidas. Tenho por tarefa ajudar os recém-chegados a esta casa de caridade. Tenho escutado muitos relatos. Deserdara vida física é um erro e as reações não são iguais para todos. Eu sofri muito porque além de suicidar-me, planejei e agi friamente. Muitos agiram pior do que eu e sofreram bem mais. Outros tiveram atenuantes, agiram num impulso, estavam doentes ou obsediados. Alguns se arrependeram com sinceridade logo após terem cometido esse ato tresloucado, outros não.

Pela justiça divina, um suicida não sofre igual ao outro. Cada caso é um caso, analisado com carinho por dedicados socorristas que trabalham auxiliando-os. *

Para mim, o depois da morte física, foi um horror, desespero e muito sofrimento.

Aceitei o convite de vir contar o que me aconteceu, na esperança de que meu relato possa levar pessoas a refletirem e abolirem a vontade de se matar. Não vale a pena fugir de um dos nossos estágios da vida.

Vivos sempre estaremos, porque não se mata a alma.

Anseio por reencarnar. Mas tenho de esperar pela oportunidade, pois esta que tive, desprezei.

Gostaria de ser perdoado por todos a quem prejudiquei. Estou dando muito valor ao perdão. Aquele que perdoa é nutrido pelo sentimento maravilhoso do amor. Também estou aprendendo a ser grato e quero agir de tal forma que venha a receber a gratidão de muitos.

Que Deus nos abençoe!

    José

Explicações de Antonio Carlos

O plano espiritual é imenso. A espiritualidade que envolve a Terra é talvez do mesmo tamanho dela. E, nesse plano espiritual, temos o umbral, local de moradia de imprudentes, dos que se negam a seguir os mandamentos e os ensinos de Jesus.

Temos lugares de socorro, colônias e postos, onde são abrigados os que sofrem e querem se modificar, e nesses abrigos moram os que querem fazer o bem, aprender, conhecer a verdade, progredir e os que se preocupam com os que sofrem.

As estatísticas nos informam que temos muitas mortes por suicídio, muitos matam seu próprio envoltório físico. José narrou-nos o que aconteceu com ele. Para não ficar extenso o relato nem muito triste, não nos descreveu nem um quarto do seu sofrimento. As vozes que primeiramente escutou eram de desencarnados que se sentiram prejudicados por ele. O vulto que tentava ajudá-lo foi de um socorrista que auxiliava desencarnados que sofrem em cemitérios.

Nem todos escutam vozes ou sabem o que ocorre com a família encarnada. Muitos se perturbam tanto que não têm condições de receber pensamentos dos encarnados.

Mas todos recebem o benefício das orações.

De fato, na espiritualidade não existe regra geral, fez isso e pagará assim...

Mas há algumas regras que são seguidas. Os suicidas aqui da espiritualidade ficam separados, quase sempre, dos demais. Alguns ficam no umbral, onde existem numerosos locais que são chamados de O Vale dos Suicidas, e que alguns denominam de Inferno dos Suicidas e de muitos outros adjetivos. São lugares onde ficam temporariamente esses desertores do plano físico. Quando são socorridos normalmente são levados para colônias apropriadas a eles  há muitas espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Nesses abrigos existem alas para jovens separadas dos adultos. Lá eles recebem tratamentos especiais e muito amor.

São convidados a estudar, a fazer cursos que os incentivam a amar a vida que nos é dada pela graça e pela bondade de Deus.

Muitos ex-suicidas, pelo trabalho abnegado de socorristas, recuperam-se; outros pelo remorso destrutivo que sentem, não conseguem melhorar e a reencarnação para eles, além de ser uma bênção e graça, é também remédio para seu atormentado espírito. Muitos como José têm consciência de seu erro e estão dispostos a agir acertadamente.

Recebem recomendações para se prepararem bem antes de reencarnar, isso para que, ao voltar ao plano físico, o façam com segurança. Não é para sempre o sofrimento de um suicida nem de forma parecida, mas o padecimento é grande. José tem razão por ansiar pelo perdão. Devemos perdoar a todos, pois somos carentes de perdão. Familiares e amigos de um suicida devem perdoá-lo e desejar que esteja bem.

Aquele que perdoa, ama, e o amor é o sustentáculo de nossa vida.

José estava presente quando fiz essa explicação e ele me indagou:

-António Carlos, o que acontece com terroristas suicidas na espiritualidade?

Respondi a ele e resolvi colocar a resposta aqui, para concluir o assunto sobre suicídio.

-A maioria desses suicidas que são tachados de terroristas, são idealistas, lutam por uma causa que julgam ser justa. São fanáticos e erroneamente acham essa atitude certa. Não agem como suicidas normais que querem deserdar a vida física. Eles querem continuar a viver, acreditam na vida no Além, tanto que esperam recompensas.

Sentem-se heróis e corajosos. "Mas em todas as religiões e dentro de nós, há preceitos de bem viver e um deles é: 'Não matarás!'

Leva-se em conta, na espiritualidade, a educação que receberam e o motivo. Normalmente a intenção deles é matar o próximo em vez de si mesmo. O suicídio é uma conseqüência.

Existe o erro e sofrerão por essa atitude errada, terão a reação dessa ação imprudente. Eles sofrem mais com a decepção
4 • Vale dos Suicidas são lugares situados no umbral, onde suicidas são agrupados. E um local de sofrimentos, em que a permanência depende deles próprios, do arrependimento de cada um (N.E.)


PAZ a todos!


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