Capítulo 4
Em Coma
Estava sentado na minha poltrona preferida, sentia muito cansaço e não conseguia concentrar-me para ler o jornal. Não passara o dia bem, tivera muitas preocupações e aborrecimentos.
De repente, senti uma dor forte na cabeça, quis gritar e não consegui. Vi um túnel, passei rápido por ele e fui ao encontro de uma luz clara e brilhante. Senti-me amparado por uma pessoa.
- Ainda não é hora, espere!
Confuso, parei; não consegui ver nitidamente a pessoa que me segurou pelo braço e que falou comigo de modo carinhoso.
Olhei para baixo, estava na sala de minha casa, só que a um metro e meio acima da poltrona. Vi-me sentado, quieto, pálido, com a respiração descompassada e barulhenta.
Meu filho aproxímou-se e me chamou:
- Pai! Papai! O senhor está sentindo alguma coisa? Como não respondi, ele se inclinou para me ver melhor e gritou:
- Mãe! Corre aqui! Papai não está passando bem!
Eles correram e telefonaram chamando uma ambulância. Minha esposa segurou minha mão e chorou aflita. O socorro veio, colocaram meu corpo na maca. A pessoa que me amparava disse:
-Vem!
Aproximei-me do meu corpo e não vi mais nada até que despertei. Não conseguia me mexer nem falar, mas via e ouvia. Estava na U.T.I. de um hospital e acordei com um médico com voz agradável. Senti que ele pegou na minha mão.
- Vamos lá, Niquelino, acorde! Sei que você é muito trabalhador, não vá agora dar uma de preguiçoso. Você teve um acidente vascular cerebral e está no hospital. Deve se recuperar. Daqui a pouco é hora de visitas, vou pedir para fazer sua barba. Vamos reagir!
Quis mexer-me, mas não consegui. Aproximou-se de mim outra pessoa que me barbeou, limpou-me, mas essa pouco conversou.
Chegaram as visitas, minha esposa e filha. Fizeram-me carinho e beijaram-me, foi uma sensação agradável, muito gostosa. Minha filha falou comigo, disse que tudo estava bem e que haviam conseguido parcelar minha dívida.
Foram embora e pensei que se não tivesse ficado tão preocupado, talvez não estivesse doente. Mas sempre fui muito honesto, estava endividado e não conseguia quitar a dívida. Isso muito me aborrecia, para não dizer enervava, a ponto de não me alimentar direito nem dormir.
Fiquei com muita pena da minha esposa e dos meus dois filhos. Eles cuidavam de tudo sozinhos. E eu nada mais podia fazer, pois estava no hospital, vítima daquele acidente vascular, conforme dissera o médico.
Estava em coma e sentia uma sensação estranha. Dormia, acordava, mas não me mexia.Ouvia e via os enfermeiros, médicos e as visitas. Às vezes, via pessoas diferentes que me orientavam.
- Calma, Niquelino! Seu corpo físico está em coma e seu estado é grave. Ore, pense em Deus!Conseguia fazer orações as quais havia decorado, e outras fazia como se conversasse com Deus. E ao Pai Celeste pedia pelos meus.
Não tinha medo. Sentia que todos me queriam bem. Escutei duas enfermeiras conversando.- Será mesmo, Márcia, que as pessoas em coma ouvem o que conversamos?
- O doutor Cláudio acha que sim. Ele é espírita! Talvez seja por isso que ele é tão bondoso e caridoso. Conversa com os doentes em coma como se eles o escutassem.
- Acho que é por isso que o doutor Cláudio está sempre nos pedindo para termos pensamentos alegres, otimistas e tratarmos muito bem esses doentes.
De fato, doutor Cláudio - agora sabia seu nome -, era muito simpático. Continuava falando comigo, incentivando-me a reagir. Queria atendê-lo, mas não sabia como. Não queria morrer, queria ficar perto de minha família e ajudá-los a sair da situação difícil em que estávamos.
Quando de novo vi aquele senhor diferente, porque ele se erguia no ar como um balão, indaguei-o:
- O que faço para reagir como o doutor Cláudio quer?
- Mantendo-se calmo e tranqüilo.
- Já estou - respondi.
- Vamos aguardar. Tudo tem seu tempo - respondeu ele tranquilamente.
Acho que piorei. Na visita, minha esposa chorou e meu filho me beijou muitas vezes.Vi o túnel de novo, a luz, ansiei para ir para aquela claridade brilhante e fui. Aquele ser diferente me deu a mão e disse:
- É tempo! Venha!
Adormeci tranqüilo. Acordei sem os aparelhos e virei no leito calmamente. Esforcei-me e consegui sentar-me na cama. Vi com clareza aquele senhor; estava sentado ao lado do meu leito, sorriu e me cumprimentou:
- Bom dia, Niquelino! Como se sente?
- Saí do coma? O que me aconteceu?
-Niquelino, seu corpo físico não tinha condições de continuar no plano encarnado e você em espírito está aqui, entre nós - explicou ele.
Fiquei quieto, pensamentos vieram e parecia que via o médico dizer que faleci, desligarem os aparelhos, meu corpo ser velado e o enterro.
- Sinto-me bem - respondi depois de alguns segundos. Estou confuso! Morri? E o que é morrer de fato?
- Os órgãos do corpo carnal param e esse falece. Nós continuamos vivos, somos espíritos e uma outra forma de vida nos é apresentada.
Chorei.
-O que irá me acontecer? - perguntei emocionado, temeroso e ansioso.
-Viverá de outro modo - respondeu o senhor tranquilamente, tentando me dar segurança.
- E os meus? Minha família? Que será deles, passávamos por grandes dificuldades.
- Passavam, disse bem, tudo passa... Não se preocupe com eles - aconselhou-me o senhor bondosamente.
Mas me preocupei. Sentia-me bem, pelo que me falavam, estava em um posto de socorro na parte espiritual do hospital, onde estive em coma, sendo tratado com carinho.
Mas achava que não merecia estar ali me sentindo bem e os meus com tantos problemas. Quis ir para perto deles; quis tanto que fui.
Não entendi como, num instante estava em casa.
Minha esposa e meus dois filhos já haviam resolvido quase todos os nossos problemas, não achei que foi da melhor forma. Na minha opinião, deveriam ter tentado sair do aperto financeiro. Eles quitaram todas as dívidas, entregando a nossa pequena fábrica aos credores e venderam até a casa onde morávamos. Chorei ao escutar de minha esposa. Foi melhor assim. Niquelino morreu de tanto se preocupar, e não quero que isso aconteça comigo ou com vocês. Você, meu filho, tem um diploma, conseguiu um emprego, será um bom funcionário e fará carreira dentro dessa empresa. Filhinha, você logo casará e irá ajudar seu marido na loja dele. Vamos mudar para aquele pequeno apartamento. Nossa despesa será menor, não precisarei de ninguém lá para me ajudar e estou pensando em voltar a costurar. Fiquei pela casa, comecei a ter dores de cabeça, enjôo, muita tristeza e, às vezes, sentia-me perturbado, não sabia há quanto tempo estava ali. Meu filho chegou à noite em casa com um livro e começou a lê-lo. Escutei-o comentar com minha esposa.
- Mamãe, esse livro é ótimo! É um relato de uma jovem que desencarnou, teve o corpo físico morto aos dezenove anos. Ela chama-se Patrícia e o livro Violetas na janela'. O que está escrito aqui vai de encontro com meu raciocínio. Parece que sabia disso tudo, tinha esquecido e agora ao ler recordo-me. Ganhei-o de presente de um colega de trabalho. Ao me ver triste com a morte de papai, ele quis me ajudar me dando esse presente. Disse que esse livro iria me auxiliar.
As duas, minha esposa e filha, foram dormir, e meu filho ficou lendo, estava interessado. Fiquei ao seu lado.
- Papai! Meu pai! - disse meu filho baixinho. - Amo-o, quero que esteja bem e em paz aí no plano espiritual, numa colônia linda! O senhor deve estar pensando em nós, pois sempre nos amou. Mas não deve! Passamos por uma lição e estamos acertando.
Sentimos sua falta, mas como o amamos, queremo-lo feliz aí na espiritualidade! Receba meu beijo!
Estalou um beijo com a boca. Levantou-se e foi para seu quarto.
Fiquei pensando, Eles me queriam bem e desejavam que estivesse feliz, e eu queria o mesmo para eles. Ali não era o meu lugar. Mas sim aonde meu filho queria que estivesse. Chorei e orei. Pensei naquele senhor que tanto me ajudara e ao qual nem agradeci. Acho que fiquei horas assim, orando, pedindo e chamando aquele senhor. E ele veio.
-Vem,
Niquelino!
Voltamos ao posto de socorro. Senti-me diferente agora, livre a certeza da mudança de plano. Agradecido, paciente, tentei fazer tudo o que me recomendavam. Passei a receber pensamentos de incentivos de meu filho, da esposa e filha que também leram o livro.
Obedecí-os. Fui transferido para a colônia que eles tanto queriam que estivesse.
Encantei-me com tudo o que vi e recebi. Aprendi a viver desencarnado e passei a ser útil. Atualmente, tenho permissão para vê-los. São visitas agradáveis. Eles se tornaram espíritas, passaram a ser mais tranqüilos e esperançosos. Minha filha se casou, tudo deu certo para ela. Minha esposa e filho moram num apartamento pequeno, ele trabalha muito, está bem, e minha esposa costura e tem muitas freguesas. Estou feliz como eles queriam que eu estivesse. Para mim, a desencarnação me pareceu natural, tudo transcorria bem, mas quis voltar para casa por me preocupar demais.
Sei que errei em sair de um local de socorro sem permissão. Voltei porque quis muito e fui impulsionado pela vontade. Volitei sem saber e depois não soube retornar. Quando se está abrigado em postos de socorro, sair é mais fácil. Temos nosso livre-arbítrio para sair de locais de socorro, porque lá não se fica preso. Isso não ocorre para quem está preso no umbral, lá somente se sai pelo socorro. Poderia ter ocorrido comigo muitos transtornos nesses vinte dias em que fiquei no meu lar terreno, porque lá estive sem preparo, conhecimento ou permissão. Poderia, sem querer, trocar energias com os encarnados, ou até sugá-los, vampirizar seus fluidos vitais, prejudicando-os. Poderia também acontecer de desencarnados mal-intencionados me pegarem e me maltratarem. Certamente iria perturbar cada vez mais, ter dores atrozes sentindo com intensidade os reflexos do meu corpo físico. Ainda bem que nada disso ocorreu. Recebemos a graça de um presente.
Foi pelo livro espírita que meu filho ganhou e leu que pôde compreender e agir diferente, fazendo-me querer o socorro. Não é fácil deixar tudo o que amamos e julgamos ser nosso. Mas, querendo ou não, a desencarnação nos faz deixar. A resposta que obtive para: "E agora?" foi que a desencarnação é uma mudança e por ela defrontamos com uma continuação de vida totalmente diferente. Necessitamos de coragem e incentivo dos que amamos e se isso acontecer, é como receber um empurrão, um alento que nos dá vontade de estar bem para agradá-los. Hoje, não tenho mais esse sentimento de apego nem me preocupo demasiadamente com minha família. Somos solitários, porém não devemos deixar de ser solidários. A vida continua...
Niquelino
Explicação de Antônio Carlos
Convidei Niquelino porque ele ficou em coma por cinqüenta e dois dias. O coma não é sentido igual para os que passaram por essa experiência. Para muitos, o espírito fica no corpo físico sem se afastar, sentem como se dormissem, não se recordam de nada. Temos muitos relatos de pessoas encarnadas que saíram do coma, umas não se recordam, outras se lembram de muitos fatos. O mesmo se sucede com os que desencarnaram, alguns se lembram desse período e outros não.
O túnel e a luz podem ser também sintomas físicos, desligamento de células cerebrais. Nem todos os que desencarnam vêem essa luz ou túnel, ou se vêem não acham o fato tão importante, não lhes chama a atenção para mencionarem. Eu não me lembro nas minhas desencarnações de tê-las visto. Mas, também temos outra explicação para essa luz, ela pode ser de amigos desencarnados que estão juntos nesse momento importante que é para os desencarnantes. Muitos são desligados quando vêem a luz, outros não, como vemos em muitos relatos. Niquelino a viu por duas vezes, na sala de sua casa quando apareceu o senhor citado, o socorristas, e quando desencarnou. Niquelino, na U.T.I. do hospital, afastava-se do corpo, isto é, seu espírito, alma, ligado pelo cordão prateado ao corpo físico, via os encarnados que ali se encontravam e até alguns desencarnados.
Tinha noção do que se passava ao seu redor. Isso ocorreu em alguns momentos e não o tempo todo. Ele foi uma pessoa boa, caridosa, religiosa e muito honesta, teve por isso quem o auxiliasse e socorresse. O que aconteceu com ele, ocorre com muitos. Sentindo que seus afetos queridos estão sofrendo acham que é imerecido sentir-se bem. Niquelino resolveu ir auxiliá-los. Só que ninguém ajuda sem saber. Ele saiu do posto de socorro impulsionado por sua vontade forte e foi para seu lar terreno.
E como muito acontece, um bom livro espírita auxiliou os encarnados, incentivando-os a ajudar o afeto desencarnado. Patrícia, a autora do livro que beneficiou a família do convidado, disse-me que o livro Violetas na janela tem ajudado muito mais os desencarnados, porque quando os que estão no plano físico o lêem, passam a incentivar seus afetos que foram para a espiritualidade, desejando que esses estejam bem, e muito os ajudam. O grande problema de muitos desencarnados é a preocupação com seus bens, os materiais ou com aqueles que amam. Como estão? Que irão fazer sem mim?
Como deixá-los em dificuldades? São indagações que se resumem em: "E agora?". Em vez de pensarem neles, preocupam-se com os outros. Sofrem até que compreendem que todos os problemas se resolvem e que o amor continua. Ser desapegado de bens materiais para pessoas que querem ser boas é mais fácil. Mas ser desapegado dos afetos é mais difícil. Devemos aprender a amar sem apego, pois é esse amor sem posse que é o verdadeiro
Abçs e muita paz a todos!
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