quarta-feira

Filho Adotivo VIII

VIII
CAIO

Procurei acalmá-lo. Caio ficou a pensar na história de Cidinha, no seu nascimento, na incrível coincidência de se encontrarem e namorar. Lembrou de seu sonho em que achara tanta graça.

“Talvez fosse um aviso!” Suspirou.

“Caio, em momentos difíceis, ore...”, disse-lhe envolvendo-o em bons fluidos.

Caio pôs-se a orar e a pensar, mas seus sentimentos bons e a aceitação dos acontecimentos eram, no momento, a mais linda oração que poderia fazer. Suas energias foram trocadas, sentiu-se bem.

Deixei-o com Antônia e fui à procura de um encarnado, ou encarnados, que pudessem ajudá-lo.

Encontrei logo.

Caio, envolvido em seus pensamentos, estava distraído e assustou-se ao escutar ser chamado.

— Caio ei, Caio! Não está dormindo, está?

Caio levantou a cabeça e viu Luísa, uma colega de Faculdade, acompanhada de duas jovens e dois rapazes, colegas também de classe.

— Caio tudo bem? - indagou um dos rapazes.

— Sim, claro. E vocês, como estão?

— Esta é Andréa, minha irmã, e esta é Adriana, nossa amiga.

— Prazer, - respondeu Caio, sem entusiasmo.

O grupo alegre sentou-se ao seu lado.

— Caio, - disse Luísa—, será que poderia nos ajudar?

Temos um Compromisso, Jorge ia levar-nos, mas o carro dele enguiçou, viemos apanhar o ônibus, porém o perdemos e o próximo nos fará chegar atrasados.

— Quebra nosso galho, Caio, leva-nos em seu carro, - pediu Jorge.

— Levo-os, não estou fazendo nada.

— Ei, cara, não trabalha? - indaga Márcio.

— Estou de folga.

— Sentado aqui?!

Caio, não respondeu à indagação de Márcio, mas fez outra:

— Levo-os para onde?

— Vamos assistir a uma reunião legal. Um senhor espírita vai ao nosso Centro, o Centro Espírita que freqüentamos dar uma palestra. Ele faz curas sensacionais.

Não quero perder. Agradecemos, Caio. Vamos? - disse eufórico Márcio.

Entraram todos no carro, deram o endereço. Antônia e eu os acompanhamos, ficamos alegres, uma reunião espírita ia fazer muito bem a Caio e foi fácil intuí-los a convidá-lo para ir também.

— Caio, conhece o Espiritismo? Não? Legal, cara mudou a minha vida, estava acabando no vício, hoje sou outro.

Márcio conta a história a todos:

— Somos da Mocidade Espírita, somos Espiritistas.

Caio, não quer assistir à palestra conosco? Orar faz bem, sinto-o triste - disse-lhe Luísa.

Caio não respondeu de imediato, a turma ria e conversava muito, estavam apertados no carro e isto parecia aumentar o entusiasmo. Caio sentiu-se bem entre eles, lembrou que orar sempre lhe fazia bem; talvez fosse o que necessitava no momento. Conhecia Luísa e os rapazes há algum tempo, embora não fossem amigos, gostava deles. E Luísa era muito agradável e querida pela turma toda da classe, tinha sempre uma palavra amiga para todos. Estava sempre rodeada de pessoas e era muito respeitada.

— Vamos, Caio, - disse Jorge —, talvez não tenha sido por acaso que perdemos o ônibus e o encontramos. 

Venha conosco.

— Vou, - afirmou lacônico Caio.

Não demoraram para chegar ao local. Caio estacionou o carro e desceram.

Já estava no horário marcado para iniciar, entraram logo.

O prédio era simples, pintado de azul-celeste, não era grande, bem diferente dos lugares de oração que conhecia.

Luísa chegou perto dele e disse:

— Caio, senta aqui, não precisa fazer nada, ore e peça em pensamento o que necessita a Jesus. Vamos tomar nossos lugares.

Caio sentou-se no banco de trás e observou: os bancos eram de madeira tosca, na frente uma mesa grande coberta com uma toalha branca, as paredes nuas. Havia no local umas cinqüentas pessoas espalhadas pelos bancos, na maioria pobres, aguardando pacientes o início. Reinava silêncio no local, as pessoas pareciam estar rezando. 

Caio aguardou curioso.

Antônia e eu fomos acolhidos gentilmente pelos trabalhadores desencarnados da casa. Por ser um trabalho de curas, encontrava-se ali uma grande equipe de médicos e enfermeiros para o socorro à matéria doente.

Expliquei a um dos orientadores que estávamos acompanhando Caio porque acabara de saber que era filho adotivo e estava triste e confuso.

— Já escolheram a página evangélica de hoje? - indaguei.

— Certamente, porém, não é primordial, podemos trocar se for de melhor proveito.

— Poderiam, por favor, fazer com que o palestrador lesse o capitulo XIV do Evangelho: “Honra a teu pai e a tua mãe”? O parágrafo: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” E que abrangesse a explicação do parentesco corporal e espiritual. É possível?

— Atenderemos com gosto. Com simplicidade, foi feita a oração de abertura e a oração do Pai-Nosso. Caio se emocionou, orava sempre, mas nunca vira alguém ou um grupo orar com tanta firmeza e convicção a oração que Jesus nos ensinou.

O dirigente que nos atendeu cercou o palestrador encarnado. Num intercâmbio perfeito, iniciaram. Ismael, o encarnado, levantou-se para a leitura que já estava marcada e fora preparada. O desencarnado pediu-lhe:

“Leia aqui, é necessário.”

Ismael, com simplicidade de quem confia, leu o que fora indicado. Caio prestou muita atenção, percebeu que o livro lido era uma forma do Evangelho. Sentiu-se fascinado pelo orador, ele lia com amor, sua voz harmoniosa ressoava no silêncio da sala. Recordou ter lido ou ouvido o texto, nunca conseguiu entender esta passagem do Evangelho em que Jesus fora procurado por sua mãe e seus irmãos numa ocasião em que se achava cercado de gente, e de sua estranha resposta: 

“Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos? Todo aquele que fizer a vontade de Deus é este meu irmão, minha mãe.”.

Á medida que era lida, a explicação vinha ao raciocínio de Caio, que esquecera de todos os seus problemas. Encantou-se com aquele senhor simples de olhar meigo e bondoso.

Ismael fechou e Evangelho e, com a mesma simplicidade, falou sobre o texto lido.

— Laços de sangue duram até que um dos corpos morra, são frágeis como a matéria que nos reveste. Laços espirituais é que são verdadeiros, amamos pelo Espírito e sentimentos não acabam, perpetuam na vida espiritual. Às vezes não encontramos receptividade entre os parentes físicos, mas, sim, entre os que aspirem conosco os mesmos objetivos, pensamentos e nossa Alma se abre e passamos a ser irmãos muito queridos. 

Jesus, incompreendido por seus parentes carnais, achara sua família espiritual entre aqueles que o acompanhavam. Amava aos seus, amava sua mãe e irmãos, que não se uniram a ele na trajetória física. Foi, será sempre sua família espiritual a que permanece com ele através dos séculos, aqueles que se unem para servir e amar o Pai. Jesus deu mais importância ao amor espiritual.

Crucificado, prestes a expirar, disse: “Mulher, eis aí seu filho João! João, eis aí sua mãe!” Ele deixou aquele que muito amava a cuidar de sua mãe e João, que não era parente carnal, mas espiritual.

Quantos de nós achamos carinho, amor entre pessoas que não são da família carnal, mas que são parentes espirituais.

É uma adoção! Sim, adotamos pessoas por parentes pelo amor e simpatia. Quantas maravilhas há nesta adoção, neste amor. Se adotamos, escolhemos por afinidades. Para mim, a mais linda adoção, é receber filhos alheios como nossos, receber um filho pelo amor.

Caio suava, lágrimas vieram espontâneas sem que conseguisse segurá-las, enxugou-as, olhou para os lados, ninguém o observava, todos estavam atentos no orador, que continuou:

— Adotar é tomar para si, como seu. Que grande Amor leva isto! E, tantas vezes, nestas adoções, são reencontros de parentes espirituais. Filhos adotados são escolhidos a se unirem pelo carinho, tornam-se verdadeiros pelo Espírito.

Que deve ser mais importante para nós, unir pela carne ou pelo Espírito? Ao crer na Vida Eterna, claro que espiritualmente! Laços de sangue são passageiros e muitas pessoas egoístas, pais principalmente, não admitem que seus filhos possam ter sido filhos de outras pessoas em outras existências. Eles mesmos já não tiveram outros pais?

Outros filhos? Amam como se não fossem se encontrar mais, como se vivessem uma só existência. Muitos afetos tivemos, temos, e os que egoisticamente ficam só nos laços de sangue que se desfazem. Amantes espirituais reencontram-se, fortalecendo-se. E que nos importa se estes encontros são como filhos, pais, esposos ou amigos.

Pais não são apenas os que dão à vida física, mas os que criam, educam, amam e acompanham seus filhos na alegria e sofrimento, seja na vida encarnada ou até mesmo no período de desencarne.

Muitos pais carnais não puderam criar seus filhos.

Motivos? Que nos importa? Se foi porque desencarnaram, ou mesmo não o quiseram, não cabe a nós julgá-los.

Outros, porém, querendo-os, escolheram-nos como seus filhos. E, ao serem adotados, não mudaram o rumo de suas vidas? Estariam como? Em orfanatos? Abandonados?

Devemos gratidão aos nossos pais. Um dos mandamentos nos manda “Honrar pai e mãe”. E felizes os que assim procedem. E gratidão maior devemos ter por aqueles que os criaram como seus pais verdadeiros e amálos.

Devemos amar sempre, o Cosmo está baseado no Amor. O Pai Misericordioso é Amor. E Jesus tantos exemplos nos deu sobre este sentimento lindo.

Se estamos pelas reencarnações encontrando sempre com afetos espirituais, ao adotar, ao ser adotado, não estaremos reencontrando afetos queridos?

Vocês, meus irmãos, amam seus pais? Vocês escolheriam outras pessoas para ter a missão de guiá-los quando infantes para a vida? Não! Ame-os, respeite-os, são escolhidos, além de laços de sangue, são unidos pelos laços verdadeiros, os espirituais!

Devemos aumentar fortalecer nossa família espiritual, porque é bom estarmos entre os que amamos e sermos amados. A carne passa, o Espírito é eterno e crescer espiritualmente é o que deve nos importar. Amemos para que possamos ser dentro do Espiritismo, uma só família: a família de Jesus!

Dando algumas explicações sobre o trabalho da tarde, finalizou a primeira parte com uma expressão significativa.

“Que Jesus seja louvado!”

Ismael com outras pessoas entraram numa sala ao lado esquerdo. A assistência formou uma fila, Luísa veio até

Caio e explicou baixinho:

— Caio, estas pessoas vão tomar passes. Sabe o que é passe? É Uma transfusão de energias físicas e espirituais. É orar e pedir ao Pai-Maior pelo outro. Seguindo exemplos de Jesus que curava Impondo as mãos e orando, assim procedemos. Somos todos necessitados, mas os que sabem, podem, ajudam para que possamos ser todos beneficiados,

Não quer conhecer? Não quer receber?

— Quero!

— Que bom! Sentirá muito bem e verá como é simples.

Caio, temos carona para voltar, não precisa nos esperar, se quiser pode ir embora após ter recebido o passe.

— Demora para acabar?

— Não é demorado. Após os passes o Sr. Ismael, o orador, atenderá os doentes.

Caio levantou-se e ficou na fila, logo chegou sua vez.

Entrou na sala curioso e decepcionou-se por não ver nada de exótico, havia nela só algumas cadeiras. Sentou-se e observou tudo, o Sr. Ismael e outros médiuns estavam de pé diante das pessoas sentadas, impunham as mãos sobre suas cabeças por minutos e pronto levantavam-se e saíam.

Caio sentiu-se bem e tranqüilo, teve vontade de ficar mais ali, pensar naquele recanto de paz. Chegou perto de

Luísa que organizava a fila e pediu:

— Lu, posso ficar também? Sento e espero por vocês.

— Pode, Caio - respondeu sorrindo.

Caio sentou-se no mesmo lugar em que estivera minutos atrás, seu enorme problema de horas antes parecia solucionado. Cheguei perto dele, ajudei-o a pensar, recebeu o filho de Antônia meus pensamentos, aceitando-os.

“Caio, nada deve mudar, disse-lhe, tudo estava bem antes de você saber, e deve continuar. Tem uma família, ama-os e é muito amado.”

“De fato - pensou Caio em resposta ao meu apelo -, papai ama-me, é meu pai de carne e Espírito; mamãe Ofélia, é minha mãe, fui seu escolhido, ama-me muito, nunca fez diferença entre nós, ama-nos igualmente. 

Mesmo se não me amasse como a Sérgio e Carla, saberia compreendê-la.

Amo-os, damo-nos bem, somos parentes espirituais. Sinto-me filho dela e sei que ela sente como minha mãe, nos adotamos isto é o que importa. Devo sim, maior carinho e atenção a esta mulher extraordinária que é Ofélia. Nunca pensei em ter outros pais, não escolheria outros. Sr. Ismael e este Evangelho têm razão. 

Sentimento é do Espírito e este é Eterno. Sr. Marcelo e papai confiaram em mim, não direi nada a ninguém, tudo farei para que ninguém mais sofra por este motivo. Pensando bem, nem eu devo sofrer, tive muita sorte ter pai, mãe e irmãos, de amar minha família e ser amado. E ter Ofélia por mãe, amo-a tanto, não quero outra mãe.”

Acabou sorrindo, olhou rápido à sua volta, ninguém lhe prestava atenção. Sentindo-se bem com a solução tomada, passou a observar distraído as pessoas, tudo para Caio deveria ficar como antes.

Quando terminou, foi feita uma oração de agradecimento e Caio comovido, orou em pensamento: “Deus, agradeço por ter vindo aqui, pensei em estar prestando favor a amigos e recebi um bem maior. Obrigado!”.

Saíram todos, Caio procurou os amigos e reuniram-se na porta.

— Caio, - disse Luísa —, este é André, irmão de Adriana, está de carro e nos levará de volta. Estamos querendo ir a um barzinho para bater papo. Vem conosco?

— Oi, - disse André —, a turma é grande, podemos repartir em dois carros. Topa?

— Sim, - respondeu Caio, gostando dos novos amigos.

— Sugiro irmos ao bar..., que tal?

O grupo silenciou Luísa espontânea, esclarece:

— Caio, somos pobres cara, este bar é para ricos!

— E se eu pagar tudo?

— Quê? A despesa de todos, ficará caro, falou Andréa.

— Convido-os, Lu, posso pagar, estou com dinheiro, será um prazer levá-los, vamos?

A turma discutiu alguns minutos e aceitou. Logo estavam acomodados no bar, eram alegres, alegria que contagiou Caio, pediram simples refrigerantes, Caio percebeu que eles não queriam abusar de seu convite. O filho de Paulo era ali conhecido até pelos garçons. Ele e sua turma de amigos, e mesmo Cidinha, freqüentavam amiúde aquele bar.

Caio sentou-se perto de Luísa e aproveitou para indagar sobre os acontecimentos da tarde, sobre o Espiritismo.

— Luísa, Espiritismo é Cristão? Pergunto isso porque crêem na reencarnação e, pelo que sei religiões orientais também crêem.

— É cristão, sim, deve ter percebido que foi lido o Evangelho, oramos o Pai-Nosso. Temos Jesus como nosso maior Mestre.

— O Evangelho é diferente?

— Não, o Evangelho que escutou chama-se “Evangelho

Segundo o Espiritismo”, são explicações dadas do ensinamento de Jesus por espíritos estudiosos e superiores.

— Incomodo-a com estas perguntas?

— Pergunte o que quiser, se souber, respondo.

— Luísa encantei-me com a explicação que foi dada sobre a família espiritual, antes nunca entendera esta passagem do Evangelho.

— Caio, o Espiritismo é ciência, filosofia e religião. Allan Kardec, seu codificador, disse e muito bem: “Fé inabalável é aquela que pode encarar a Razão face a face em todas as épocas da Humanidade”. Amo minha religião porque a entendo, porque ela me oferece explicações de tudo o que anseio saber, fazendo-me compreender a vida.

— Explicações de tudo mesmo?

— Tudo. E tem mais: raciocino e aceito-as como verdadeiras. É terrível ter de acreditar sem entender!

— Oi, Caio!

— Olá, Caio!

Duas garotas passaram rente à mesa, cumprimentando-o alto. Caio respondeu, eram amigas de Cidinha. Aí lembrouse dela, esquecera o encontro marcado, apanhá-la-ia as vinte hora horas e já passava das vinte e duas horas!

“Melhor, pensou Caio, aí está uma boa oportunidade para uma briga, não toleraria namorá-la nem mais um dia.”

Ajeitou-se mais perto de Luísa, tinha a certeza de que não demoraria nada Cidinha saber. Participou da conversa da turma sobre assuntos corriqueiros entre jovens. O grupo não podia demorar mais, tinha horário para chegar em casa.

Resolveram ir embora. Após Caio ter pagado a conta, saíram e despediram-se. Voltariam todos com André. Já iam saindo quando Caio perguntou:

— Luísa, vocês vão sempre ao Centro Espírita?

— Todos os domingos reunimos os jovens às dez horas da manhã. Convido-o.

— Posso ir mesmo?

— Esperamos você antes das dez horas na porta. Nos dará grande prazer se vier. Tchau Caio, obrigado!

Caio entrou no carro, deu umas voltas ali por perto, depois foi para casa. Estava se sentindo como se fosse outra pessoa, responsável, adulto.

“Antônio Carlos, que pessoa boa é Caio que filho maravilhoso abandonei”, - disse Antônia.

“Caio é realmente bom. Vamos continuar ajudando-o. Dará tudo certo.”

“Já não sofre tanto. Como foi bom ele ter ido ao Centro Espírita!”

Caio chegou em casa.


 Médium: Vera Lúcia M. Carvalho
Espírito: Antônio Carlos

Deus proteja a todos...

abçs,
 

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