segunda-feira

Filho Adotivo IV

IV
OFÉLIA, FELIZ

A casa, escura e silenciosa, demonstrava que todos os seus moradores dormiam.

Entramos. Fomos ao quarto de Ofélia que ainda se achava acordada, orava com fé, seus dedos deslizavam no seu já gasto rosário, esperando adormecer para o devido descanso físico.

— Ofélia, dorme pouco, explicou-me Antônia.

Acerquei-me dela, dei-lhe um passe calmante que foi bem recebido, logo adormeceu. Seu Espírito desligou parcialmente do corpo, levantou-se devagar e seguiu para a sala de estar, acompanhamo-la.

— Ofélia! - disse delicadamente Antônia.

Ela virou-se, olhou-nos analisando-nos:

— Quem está aí? Como entraram em minha casa?

— Somos amigos, continuou calmamente Antônia, viemos conversar com você. Ofélia sentou-se no sofá, sentamos também, olhou-nos desconfiada, Antônia continuou a falar!

— Ofélia, minha querida, é minha benfeitora, sempre tão bondosa. Recebeu a carta de suas irmãs, não seja injusta com Rosa ela nunca a traiu, não é ela o que pensa e...

— Quem me fala assim? Quem é você?

— Ofélia, continuou minha amiga, procure saber onde Rosa esteve nos meses de abril a julho. Procure! Rosa é inocente!

— Por que me diz isto? Como sabe? Não a conheço.

— Sabemos que Caio é adotivo, mas não é filho de sua irmã Rosa. Sou eu a mãe dele, Caio é meu filho.

Ao ouvir Antônia pronunciar o nome de Caio,Ofélia agitou-se, tinha medo da verdade, não queria encontrar com a mãe de Caio, não queria perdê-lo como filho nem repartir seu amor. Quando Antônia disse: “meu filho” ela levantouse rápido. Seu corpo era inválido, mas não seu perispirito liberto do corpo pelo sono. Nem sempre este fato ocorre.

Há defeitos corporais acompanhados pelo perispirito também defeituoso, por falta de compreensão e resignação.

Muitos deficientes, libertos pelo Sono, continuam deficientes e muitos continuam até mesmo após libertos pela morte física.

Ofélia olhou bem para Antônia e disse com firmeza!

— Mãe dele? Nunca! Mãe sou eu que o criou que cuido dele! Que veio fazer aqui após tanto tempo? Mãe dele? Não creio. Veio tomá-lo de mim? Não quero que fique aqui, vá, por favor, embora. Caio é meu!

— Concordo, respondeu Antônia, Caio é seu. Quem mais teria direito a ele que você? Ele é seu! Não quero tomá-lo.

Sou grata a você por amá-lo e por ter cuidado dele. Digolhe que sou a mãe dele, gerei-o, e não Rosa. Quero impedir que você, minha benfeitora, cometa uma injustiça com sua irmã. Sou a mãe carnal dele.

Ofélia fez um gesto de quem não queria escutar mais, sentiu medo e voltou rápido ao corpo e Antônia repetiu-lhe mais uma vez:

— Rosa é inocente!

Ficamos na sala e veio ter conosco, logo em seguida, Caio desligado do corpo pelo sono, andava distraído. Viu-nos, parou e olhou-nos desconfiado e indagou:

— Quem são vocês? Que fazem aqui em minha casa?

— Amigos, respondi, viemos para conversar, quer, por favor, dar-nos atenção por alguns instantes?

— Hum... Não os conheço.

Antônia aproximou-se dele, emocionada:

— Caio meu filho! Como você é bonito! Lindo! Você é feliz?

— Sim, sou muito feliz, sorriu só que não estou entendendo. Que papo estranho!

— Amo você! Sou sua mãe e de Cidinha também. São irmãos e não devem se casar. Sou sua mãe...

Antônia abriu os braços e tentou abraçar o filho, este se afastou, riu alto, balançou a cabeça e saiu da sala.

— Cada uma! - exclamou.

Antônia olhou-me, triste.

— Desculpa-me, Antônio Carlos, acho que me precipitei.

Pensei que ele se atiraria nos meus braços ao saber que era sua mãe. Tive esperança de que me aceitaria. Não acreditou, não sabe e até achou graça.

Antônia Caio não sabe que é adotivo, acredita realmente que é filho de Ofélia, Sente-se filho dela. Temos conosco, Antônia, a idéia de que se sabe tudo, quando desligado do corpo físico, e que se tem muitos conhecimentos quando o corpo dorme e semiliberto conhece as circunstâncias em que está envolvido e porquê de estar sofrendo. Assim é, para os espíritos mais esclarecidos e compreensivos, estes têm conhecimentos que o cérebro físico desconhece.

Recordam o passado. Os maduros por si mesmo o fazem, com o conheci - mento mais amplo, tudo lhes é visto,sentido com clareza.

Para a maioria não é assim, o esquecimento do passado também para seu perispirito que quase sempre tem os mesmos conhecimentos do corpo. Pela bondade de Deus, ao encarnar, esquecemos o passado para um recomeço,mesmo desligado pelo sono ou pelo desencarne, o perispirito continua sem lembrar e, para fazê-lo, necessita de uma ajuda especializada.

— É verdade, Antônio Carlos, já faz tempo que desencarnei e não lembrei meu passado. Sei que vivi muitas existências, mas não as recordo. Também, ao ter o corpo morto, nem soube, agi como se estivesse encarnada.

— Isto é comum. Tanto que ateus, são ateus libertos pelo sono e desencarnados, até que lhes provêm o contrário. Que lhes mostrem que continuam vivos após a morte do corpo.

Para muitos que não estão preparados, recordar a vivência de outras existências seria adoecer espiritual e fisicamente.

Tantas doenças mentais, que levam tantas pessoas a sanatórios, são recordações forçadas por obsessores vingativos ou recordações prematuras que desequilibram o cérebro físico, passando o enfermo a viver presente e o passado. Para muitos, recordar o passado reencarnatório,seria absorver alimentos sólidos em tenra idade... E mesmo de muitos acontecimentos que envolvem a atual encarnação, pode-se não ter conhecimento, como no caso de Caio. Sem ninguém contar ele não pode adivinhar e ignora. Isto pode ocorrer até após o desencarne, se não procurar saber.

— Caio não sabe!

— Não, ele não sabe. Caio é feliz, amado, nunca foi discriminado. Talvez, se fosse, se sofresse, iria querer saber a causa. Como não há o porquê de Caio duvidar, adoção nunca lhe passou pela mente, ele ama aos seus e é amado.

Ao ouvi-la, achou graça como se ouvisse uma piada.

Precipitou-se, amiga, ao dizer que era sua mãe.

— E agora?

— Não se aflija, aguardaremos amanhã. Talvez Caio não recorde de nada, se o fizer, pensará que teve um sonho engraçado.

Pela manhã, ao fazerem o desjejum, Caio disse rindo:

— Que sonho engraçado tive esta noite! Sonhei com um estranho casal, vestidos corno antigamente. A mulher quis abraçar-me e disse para que não me casasse com Cidinha porque ela era minha irmã.

Acabou a narrativa com uma gargalhada e foi imitado por todos. Ofélia forçou o riso, sentiu algo estranho, vagas recordações de nossa conversa, tentou lembrar de seu sonho que parecia igual ao de Caio.

Logo, todos saíram apressados, ela ficou sozinha,empurrou a cadeira para a sala de estar.

— Que sonho estranho esse de Caio. Parece que sonheicom o mesmo casal! Esforçou-se por recordar. Disseram alguma coisa. Que será? Ah, sim! Era sobre Rosa.

Pôs-se a orar, a resignação e a grande fé de Ofélia enchiam a sala de bons fluidos. Antônia aproximou-se dela e Ofélia pôs-se em guarda, desconcentrando-se.

— Deixe-a, Antônia, seu Espírito sente as inquietações de mãe, eu falo com ela. Aproximei, trocamos fluidos de simpatia, disse-lhe docemente.

— Irmã querida, não seja injusta com suas irmãs de carne. Reconcilie com elas, agora que tem oportunidade.

Por que você não indaga para esclarecer suas dúvidas? Por que não procura saber onde Rosa esteve nestes meses que nem aqui esteve nem com Zélia?

— Tenho medo, responde-me em pensamento, medo...

Não, filha, não receie, continuei, lembra-se de Rosa?

Sempre meiga e bondosa. Quando Paulo a escolheu, não a ofendeu , não lhe disse nada de desagradável.

— É verdade, não comentou nada comigo.

— Rosa é boa irmã, foi ótima filha, cuidou do pai com tanto carinho e sacrifício. Pense Ofélia, seria Rosa capaz de uma infame traição? Se tivesse errado por amor, teria coragem de abandonar o filho? Crê realmente que teria?

Rosa não abandonaria um filho, ela é forte, maternal e corajosa. Por que ela o faria? Ela não fez. Rosa não abandonou ninguém. Esclareça este assunto. Pergunte!

Vamos, coragem! Não continue nesta incerteza. Pergunte...

Minha voz era recebida por Ofélia como uma intuição.

— Telefone, continuei telefone, fale com uma delas, procure saber de tudo, antes de tomar uma resolução.

— Vou telefonar! Disse Ofélia alto.

Rumou rápido com a cadeira de rodas para seu quarto, tirou de uma gaveta um caderninho de anotações.

— Aqui está o número do telefone da vizinha delas. Será que devo? Jesus ajuda-me, que devo fazer?

— Telefone, Ofélia! - insisti. Telefone!

Ofélia, trêmula pegou o telefone, discou, esperou ansiosa. Logo uma voz desconhecida se fez ouvir.

Ofélia cumprimentou a senhora que atendeu, explicou quem era e pediu para que lhe chamasse Zélia.

Enquanto esperava, Ofélia lembrou que há muito tempo as irmãs mandaram o telefone da vizinha por carta, para que ela telefonasse em caso de necessidade.

— Ofélia! E você? Falou do outro lado uma voz ofegante, demonstrando que viera correndo.

— Zélia? Como está?

— Bem, estamos bem. E você? E todos aí?

— Estamos bem, Zélia, não se afobe, telefonei só porque estou com saudade e com vontade de saber de vocês.

— Oh! Ainda bem! Nunca telefonou, assustei. Recebeu nossa carta?

— Não, não recebi...

Calaram por uns instantes, Ofélia perdia a coragem de indagar, voltei a incentivá-la.

— Vamos, filha, pergunte, acabe com este martírio.

Pergunte!

— Zélia, estava pensando. Logo após papai ter falecido,Rosa foi morar com você. Saiu ela daqui no mês de abril e só foi ter ai no mês de julho, onde ela passou estes meses?

— Ofélia, parece saudosa mesmo. Por que lembrar disto agora? Faz tanto tempo! Mas, não é segredo, meu bem.

Você realmente não sabe?

— Não, envergonhada pelo tom de censura da irmã,disse baixinho. Não sei.

— Papai contraiu tuberculose nos últimos meses de vida.

Rosa cuidou dele, ficando também doente. Fraca, cansada com tantos trabalhos e preocupações, adoeceu necessitando de hospitalização. No hospital daí tiveram pena dela e arrumaram para que se tratasse em Campos do Jordão. Rosa ficou lá estes meses, na enfermaria, e quando recebeu alta veio para cá e por meses ainda continuou com o tratamento.

— Ela não me disse nada! - não conteve o susto.

— Acho que não queria atrapalhá-la ou preocupá-la, sabe como é nossa Rosa.

Ofélia tremia, lágrimas começaram a correr pelas faces pálidas.

— Onde está Rosa agora?

— Trabalhando de faxineira.

— Mando um abraço apertado a ela e Outro a você.

Liguei só para saber de vocês. Respondo logo a carta.

Tchau.
— Tchau, abraços a todos.

Ofélia desligou o telefone e chorou sentida.

— Esperemos Antônia, disse. Deixemos nossa Ofélia desabafar.

— Ela sofre.

— Também se sente aliviada e poderá reparar a indiferença com que tratava as irmãs. Ofélia chorou por uns quinze minutos, sentindo-se melhor, orou novamente, sua oração comoveu-nos.

“Obrigado, Jesus, obrigado meu Mestre e Amigo, por ter me inspirado. Senti tanta vontade de falar com elas, uma necessidade de perguntar... Sei que foi o Senhor quem me ajudou. As forças divinas guiaram-me. Perdoa-me, meu Deus, perdoa-me Pai. Como fui injusta, como fui!”

Ofélia estava aliviada, sorriu, falou baixinho:

“Ai, que bom! Como estou contente! Rosa não é mãe de Caio. Que idiota tenho sido! Rosa nunca abandonaria um filho se o tivesse tido. É minha irmã, pessoa de fibra.

Nem se fosse para passar fome, não abandonaria um filho. Ela é inocente! Paulo também! Tudo foi coincidência. Caio foi realmente abandonado na nossa porta. A única culpada fui eu. Pensei mal do meu esposo e de minha irmã! De minha irmã bondosa a quem deveria abençoar sempre.

Doente meses por ter cuidado do nosso pai! Que vergonha sinto agora. Não vou contar a ninguém, não contei antes, não falarei agora. Sofri anos por uma mentira, mentira que erradamente deduzi, sem tentar saber a verdade. Como errei! Se tivesse ao duvidar, indagado, não teria sido tão injusta. Deduzi errado, sofri e fiz sofrer.”

Pegou a carta e a beijou.

“Ficaremos unidas, farei de meu lar o lar para elas. E você, Rosa, querida, não fará mais faxinas.”

Seu semblante mudou, as faces coraram mais, alegre foi para sua varanda e pôs-se a fazer planos.

“Mandarei a elas dinheiro, quero que venham de avião. Acomoda-las-ei no apartamento de hóspedes, tem ele duas camas e banheiro, quero fazer tudo para agradá-las e pedirei que morem aqui para sempre.”

Esperou ansiosa que todos chegassem, na hora do almoço, com todos sentados à mesa, Ofélia disse contente:

Recebi uma carta de minhas irmãs contando que, após a morte de Odair, estão passando por sérias dificuldades e pedem-me para ajudá-las, desejam voltar para cá. Acho que elas poderiam morar conosco. Quero a opinião de vocês.

Que acha Paulo?

Este é o motivo de tanto contentamento? Notícias das irmãs. Ofélia o que decidir está bom para mim. Conte comigo para o que quiser.

— Vivemos tão separadas, tão longe. O serviço de Odair fazia com que ficassem lá, mas, agora; depois não estão bem. Obrigado, Paulo. Sempre tão bom comigo! Você é um
bom marido.

Pegou a mão dele, olhando-o com carinho, falou com emoção, lembrando que tinha sido injusta com ele por tantos anos. Os adolescentes, não acostumados com cenas de carinho entre os pais, começaram a rir. Ofélia retirou a mão envergonhada.

— E vocês, o que me dizem?

— Alegro-me, disse Carla, gosto muito delas. Quando fui lá, trataram-me tão bem! Depois elas farão companhia à senhora, que não ficará mais tão sozinha.

— Concordo, pronunciou Caio, sou o único que não as conheço. Temos uma família bem pequena, nem avós, nem primos, só duas tias.

— Acho uma boa! - exclama rindo Sérgio, gosto delas,sabendo que vão estar aqui, quando nos ausentarmos, é uma tranqüilidade. É bem melhor para a senhora, mamãe, ficar com suas irmãs do que só com empregados.

— Está decidido, pedirei para que venham, entusiasmou Ofélia, hoje mesmo, tomarei as providências.

— Posso ajudá-la, mamãe? - indagou Caio.

— Sim, quero que passe uma ordem de pagamento a elas para que liquidem seus débitos e comprem passagens de avião.

— Faço isto agora, antes de ir para o escritório.Ofélia sorria feliz, estava tão contente, que todos se sentiram bem e felizes.

Todos saíram e Caio levou uma boa quantia para depositar em nome das tias. Ofélia foi ao escritório e pôs-se a escrever para as irmãs:

“Minhas queridas Zélia e Rosa”:

Devo-lhes desculpas, por ser tão relapsa e não ter entendido que poderiam estar passando por necessidades. Acho-me realmente em condições de ajudá-las. Estarão fazendo-me um favor, tê-las por companhia. Confesso que sempre acalentei a esperança de tê-las conosco, porém, por burrice, sim, burrice, pensei que quisessem permanecer ai.

Estou tão agradecida e feliz por quererem voltar para cá e por terem pensado em mim. Minha casa, nossa casa, é de vocês, não queremos que seja por pouco tempo, quero-as aqui em definitivo. Estamos há tanto separadas...

As crianças muito se alegraram com a notícia de suas vindas. Conhecerão Caio e verão que filho maravilhoso ele é.

Mando-lhes o dinheiro...

Venham o mais rápido possível, estou ansiosa por tê-las conosco e por abraçá-las. Suas acomodações já estão preparadas e todos a esperá-las.

“Beijos, de sua irmã Ofélia.”

“Talvez estranhem, pensou, nunca escrevi a elas assim.

Que importa! Pela primeira vez escrevo de coração e espero que sintam a minha sinceridade.”

Tocou um sininho, logo uma empregada, moça simpática, veio até ela.

— Magda, por favor, largue o que está fazendo e vá colocar esta carta no Correio para mim. Cuidado, é importante! É para minhas irmãs, depois chame Marta, quero fazer umas modificações e arrumações no quarto de hóspedes para recebê-las.

A moça sorriu, admirando a alegria da patroa, correu a obedecer à ordem.

— Graças! - exclamou Antônia, — Ofélia está feliz.

— Ela se sente reconciliada com as irmãs, de quem ela mesma se distanciou. Agindo com justiça, sente-se tranqüila. Tê-las aqui, será muito bom para ela. Ofélia tem o hábito de orar e o faz com fé e o Senhor realiza qualquer desejo sincero de um devoto. Ele presta atenção às preces, atende a cada um que Dele se aproxime com confiança.

Nós, Antônia, deveríamos sempre ter fé na amorosa bondade de Deus. Resolvemos, amiga, uma questão, mas o problema continua inteiro. Ofélia não poderá nos ajudar mais. Estudaremos os passos a seguir. Aguardemos a noite e conhecerei Cidinha e família.


 Médium: Vera Lúcia M. Carvalho
Espírito: Antônio Carlos

Deus proteja a todos...

abçs,

Nenhum comentário: